segunda-feira, 4 de julho de 2022

Coimbra, 4 de Julho

 


Cai esta crónica na data do feriado municipal de Coimbra. Não haverá muitas cidades que mantenham, há tanto tempo, uma relação de devoção popular tão profunda e permanente com o seu santo padroeiro como acontece com Coimbra e a sua Rainha Santa Isabel.

A Rainha Santa Isabel terá nascido em Saragoça, Aragão, no dia 4 de Janeiro de 1270, sendo filha de D. Pedro rei de Aragão e de D. Constança de Hohenstaufen. Casou, por procuração, com o Rei D. Dinis em Junho de 1281, tendo o casamento sido consumado em Trancoso à sua chegada a Portugal, em Junho de 1282. Foi mãe do futuro rei D. Afonso IV e de Constança, futura rainha de Castela pelo seu casamento com Fernando IV de Leão e Castela. Após o falecimento de D. Dinis em 1325, recolheu-se a Coimbra, no seu Paço situado nas proximidades do Mosteiro das Clarissas de Santa Clara por ela mesma fundado e na altura em construção. A Rainha Santa Isabel viria a falecer em Estremoz em 4 de Julho de 1336.

Durante toda a sua vida praticou a caridade, deslocando-se frequentemente ela própria junto das populações mais desfavorecidas por pobreza e doença sem cuidar da sua saúde, ganhando logo em vida fama de santidade junto dessas camadas sociais. De tal forma era intensa essa actividade que o próprio D. Dinis se lhe opunha por vezes, receando pela saúde da rainha e diz-se, também para evitar os cortes no tesouro real que a caridade da rainha provocava. Daí virá a lenda do famoso «milagre das rosas» que partilha com a sua tia Santa Isabel da Hungria. Numa determinada altura em que a rainha se deslocava junto dos pobres para lhes distribuir comida, El-Rei saiu-lhe ao caminho indagando-lhe o que levava debaixo do vestido ao que D. Isabel lhe respondeu serem rosas, bem sabendo que se tratava de pão; D. Dinis ripostou exclamando: “rosas em Janeiro, Senhora?” Mas abrindo o vestido, D. Isabel mostrou que se tratava, afinal, de rosas, deixando o seu marido confuso e arrependido do que fizera, perante a maravilha do sucedido.

O «milagre das rosas» é um mito conhecido, mas muitos mais são os milagres que são atribuídos à intercessão da Rainha Santa em favor dos que a ela recorrem perante as mais diversas e grandes dificuldades. Tal como milagre é considerada a circunstância de, depois de morta por lepra, aquando do seu transporte para Coimbra como fora sua vontade, do seu corpo sair um suave odor a rosas em vez do normal cheiro de decomposição da carne. Como o facto de ainda hoje o seu corpo se encontrar incorrupto é motivo de grande admiração popular, que leva a que, em datas especiais, seja aberto o túmulo de prata em que se encontra depositado, permitindo que a sua mão, que tantas obras de caridade praticou em vida há quase 700 anos, possa ser observada por qualquer pessoa. Pela sua vida o povo de Portugal inteiro e principalmente o de Coimbra desde sempre a considerou santa e lhe dedicou uma tão grande devoção que a Igreja a beatificou em 1516, pelo Papa Leão X, tendo sido canonizada pelo Papa Urbano VIII em 1625. Devoção essa ainda hoje manifestada publicamente mesmo por não crentes, como tantas vezes já tive oportunidade de testemunhar ao longo dos anos.


A Rainha Santa Isabel é a padroeira de Coimbra e o dia da sua morte, 4 de Julho, o Feriado Municipal da Cidade. Há centenas de anos que esta data tem a sua celebração religiosa, de que as procissões, da descida da imagem da Rainha Santa e do seu regresso ao Mosteiro onde repousam os seus restos mortais, Sta Clara-a-Nova, de onde se desfruta da melhor vista de Coimbra, são o ponto alto. Mas a devoção popular da Rainha Santa não permitiria que as suas festas se ficassem pela religiosidade. São tradicionais os mais diversos festejos profanos que a acompanham com alegria, como sucede todos os anos com mais ou menos sucesso, com folguedos diversos e manifestações culturais respondendo aos interesses dos mais diferentes públicos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Julho de 2022

Imagem da Rainha Santa recolhida no site da Confraria da Rainha Santa Isabel

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