Há mais de quatro meses que o mundo assiste a uma guerra em directo. Mais uma. As razões apresentadas por quem está em guerra são milenares e repetem-se sistematicamente: garantir a segurança dos cidadãos e proteger fronteiras. E também nesta guerra que já começamos todos a ficar cansados de seguir diariamente nas TV’s as justificações não variam. A Rússia que a começou invadindo um país vizinho, a Ucrânia, argumenta com a necessidade de se defender preventivamente perante a expansão da NATO e ainda com o que diz ser a ameaça neo-nazi do poder político ucraniano. Já do lado ucraniano a guerra justifica-se da forma mais simples e imediata: defender o povo perante uma invasão externa e tentar manter as fronteiras internacionalmente definidas.
Nos últimos 77 anos a Europa viveu um raro período de paz apenas com umas excepções pontuais que, curiosamente, tiveram a ver com a ex-União Soviética e a forma de poder que espalhou pelos países satélites do Pacto de Varsóvia: as invasões russas da Hungria em 1956 e da Checoslováquia em 1968 e ainda a guerra dos Balcãs que se seguiu ao desmoronamento da União Soviética.
Mas a História da Europa não é uma história de paz. Da Grécia antiga lembramos a cultura e talvez a primeira aproximação da Democracia, mas não podemos esquecer as guerras entre as cidades-estado gregas. Tal como o Império Romano levou a cultura e a organização a quase toda a Europa à custa das guerras levadas a cabo pelas legiões romanas, de que a nossa Península Ibérica também não escapou. Tal como as Guerras Púnicas não se desenvolveram apenas no Norte de África onde se localizava Cartago, mas também tiveram por palco zonas europeias junto ao Mediterrânio. O fim do Império Romano ditado pelas chamadas Invasões Bárbaras foi acompanhado por novas guerras em toda a Europa.
A nossa Coimbra tem também aqui a sua origem, com a transferência (fuga?) do Bispo de Conímbriga para Aeminium ditando de passagem a mudança do nome da cidade para a designação que ainda hoje perdura. No início do sec. IX Carlos Magno através de inúmeras batalhas pretendeu reconstituir o antigo império romano no que ficou conhecido como Império Carolíngio e quase o conseguiu, apenas praticamente escapando a Península Ibérica. Esta já era, na sua quase totalidade, muçulmana desde o século anterior. Guerras também foram as da chamada Reconquista Cristã que serviram de palco para a formação de Portugal nos séculos XII e XIII. A Europa continuou praticamente sempre em guerra, umas vezes defendendo-se do exterior como no caso da defesa perante a expansão do Império Otomano que quase conquistou Viena já no século XVII, outras vezes em guerras intestinas. Estão neste caso as Guerras dos Cem Anos nos secs. XIV e XV, Dos Trinta Anos XVII e dos Sete Anos no sec. XVIII, que provocaram milhões de mortos. Em 1588 Filipe II de Espanha (o primeiro rei da terceira dinastia de Portugal) tentou invadir a Inglaterra com a chamada Armada Invencível que foi destruída levando também para o fundo os navios e marinheiros portugueses que dela faziam parte.
No início do sec XIX foi a vez de os franceses tentarem formar um novo império desta vez em nome dos princípios da Luz da Revolução Francesa sob o comando de Napoleão Bonaparte, sonho esse terminado em Waterloo em 18 de Junho de 1815. Entretanto também Portugal tinha sido dizimado e roubado infamemente por tropas francesas e inglesas que nos vieram ajudar contra as três invasões daquelas, com consequência trágicas para todo o sec. XIX português.
No séc. XX a Europa foi palco de duas guerras que acabaram por ser consideradas mundiais, mas estas já são tão recentes que todos as conhecemos em pormenor.
E também Portugal teve a sua guerra no sec. XX. As lutas contra os movimentos de libertação das colónias africanas portuguesas duraram entre 1961 e 1974 só tendo terminado em consequência da Revolução do 25 de Abril. Esta, por sua vez, teve como origem principal precisamente a manutenção daquelas guerras com cerca de dez mil mortos e centenas de milhares de feridos só entre as tropas portuguesas, sem contar com as baixas dos movimentos de libertação.
E esta guerra portuguesa é claramente uma das demonstrações de como as justificações das guerras são, tantas vezes, falaciosas. A negação do direito à autodeterminação dos povos não pode ter como base uma afirmação de soberania baseada na força e em princípios ultrapassados pela História. Olhando para essa guerra à distância de mais de 40 anos isso ressalta como evidência absoluta.
Que a Federação Russa leve a guerra a um país vizinho soberano em 2022, porque na realidade não reconhece à Ucrânia o direito à sua auto-determinação após o desmembrar da antiga União Soviética é algo que à luz da História e do Direito, é dificilmente compreensível e absolutamente inaceitável pela comunidade internacional.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Julho de 2022
Imagens retiradas da internet
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