Foi em Lisboa no séc. XV que um astrónomo judeu chamado Abraão Zacuto, cuja história todos devíamos conhecer para percebermos como a Humanidade pode ser má e mal-agradecida, introduziu significativos melhoramentos num antigo instrumento de navegação, o astrolábio, bem como nas tábuas astronómicas. Ao ensinar os navegantes portugueses a utilizar esses instrumentos no tempo de D. João II que o trouxe para Portugal e, portanto, a orientarem-se no alto-mar, teve um papel crucial na capacidade para organizar as viagens ao Brasil e à Índia.
Os navegadores da época adquiriram assim a possibilidade de conhecer com alguma precisão a latitude do local em que se encontravam, ao medirem a altura dos astros relativamente ao horizonte. Claro que faltava a outra coordenada geográfica, a longitude, que só alguns séculos mais tarde foi possível calcular com a invenção dos cronómetros, o que só aumenta a admiração pela capacidade e coragem dos marinheiros portugueses de então. Não se esqueça ainda o matemático Pedro Nunes que no sec. XVI desenvolveu o conceito da loxodrómica para descrever o trajecto marítimo entre dois pontos sobre o meridiano que por eles passa, que só Leibniz haveria de resolver matematicamente com os logaritmos.
Foi um tempo em que os portugueses ditaram cartas ao mundo, não só como os melhores marinheiros, mas também, ou sobretudo, como capazes de organizar e gerir eficientemente projectos da mais elevada complexidade.
Algo que, na actualidade, parece termos perdido em absoluto, tal a incapacidade que revelamos para sair de uma «austera, apagada e vil tristeza» detectada por Camões logo após os Descobrimentos. E já lá estava a desgraçada austeridade a que parece estarmos condenados pelas elites que nos caem em sorte.
É assim que assistimos a um Governo que, num dia atira para o lixo as PPP da saúde que o próprio Tribunal de Contas classificava como económicas para o país enquanto o regulador da saúde as classificava como das mais qualificadas do SNS, para pouco depois abrir a porta ao seu regresso. Ou renacionaliza a companhia de aviação para, pouco depois, preparar a sua reprivatização mas sem que, entretanto, lá tenha metido mais de 3 mil milhões dos impostos dos portugueses, no meio de vergonhosas situações de mentiras e o mais completo desnorte e incompetência. Tal como vemos um presidente da República que, após criticar fortemente o governo de Esquerda, parece sentir necessidade se atirar de imediato violentamente à Direita, sendo uma pura perda de tempo tentar encontrar alguma justiça ou injustiça em qualquer uma das situações.
Apesar de dispor de uma maioria absoluta na Assembleia da República ou, quem sabe, por via dela, verifica-se que o Governo pratica de governação à vista, sem que se detecte um rumo em nenhuma das áreas governativas, seja na Educação, na Saúde, na Justiça, na Segurança Social, na Defesa ou mesmo na Segurança dos cidadãos. Parece mesmo que só existe o tal Plano de Recuperação e de Resiliência, dinheiros europeus que parecem destinados a compensar parcialmente o défice de investimentos públicos dos últimos sete anos em todas aquelas áreas, fruto da elevação das cativações a instrumento fundamental de governação. Ah, não esquecendo a tal «necessidade de contas certas» redescobertas depois do enterro da geringonça, tentando fazer convencer os portugueses de que se trata de um «desígnio nacional», quando não passa de uma simples mas necessária regra contabilística obrigatória para qualquer governo decente e responsável. Governa-se em alto mar sem se fazer ideia de onde se quer chegar pelo que, na realidade, não é precisa qualquer bússola nem astrolábio ou moderno GPS que nos oriente. São os ventos e a ondulação que nos transportam, felizes por pertencermos a uma União Europeia rica, qual boia cujo dinheiro nos mantém à tona da água, mas apenas isso.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Março de 2023
Imagens retiradas da internet
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