Eu não sei se a recente alteração à legislação que regula as Ordens Profissionais foi ou não resultado de imposição da União Europeia para aprovação do famoso PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Na realidade, as afirmações de António Costa de que o bom andamento do PRR estaria dependente da aprovação desta legislação parecem indicar que tal será verdade, recordando-se que já o Memorando de Entendimento da Troika previa alterações ao regime das Ordens, que nunca foram desenvolvidas. As Ordens manifestaram-se genericamente contra as alterações aprovadas na Assembleia da República e ficaram satisfeitas quando o Presidente da República enviou o projecto do Decreto para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. O Tribunal Constitucional veio a decidir pela constitucionalidade das alterações aprovadas, terminando aí a discussão sobre o assunto.
Mas algo está errado em tudo isto e não é caso novo na governação do país, mas não só. Na realidade, o Tribunal Constitucional não se pronunciou, neste como noutros casos, sobre a bondade da nova legislação que lhe é submetida para parecer. O TC apenas se pronuncia sobre se a legislação é ou não conforme à Constituição do país, isto é, sobre se viola ou não o estabelecido na nossa lei fundamental. Ao contrário do que parece ser o pensamento dominante. Se os partidos ou outras associações entendem que determinada nova legislação é prejudicial ao bom funcionamento do país, devem manter aí a discussão e defender as suas ideias e opiniões junto da opinião pública. Até porque, depois de novas eleições, poderão também alterar a legislação de acordo com o que entendem ser o interesse nacional. Descansar sobre as decisões do tribunal Constitucional, confiando no TC para travar leis que são políticas na sua essência e abandonando aí as opções políticas é que não, embora essa ideia vá fazendo o seu caminho na opinião pública, resultado de uma tentativa de judicialização da política a todos os títulos errada.
Estamos a assistir a uma vaga de greves em áreas diversas mas essenciais para o bom funcionamento do país, desde a Educação à Saúde, passando pelos transportes públicos. Com quase cinquenta anos de prática democrática é natural que os cidadãos reajam de forma automática ao exercício do direito à greve, aceitando-as com naturalidade. Sucede que o que se está a passar é tudo menos normal. O número de greves e o seu prolongamento no tempo têm consequências muito para além da relação entre os trabalhadores e as suas entidades patronais. Até porque, nas greves a que assistimos, o patrão é o Estado, seja directamente, seja através de gestão pública, como é o caso da CP. Não é admissível que estas greves dos professores se prolonguem durante tantos meses, porque no fim quem sofre é a formação das crianças e adolescentes que já vão no terceiro ano sucessivo de aprendizagem deficitária, atendendo ao Covid.
Se os professores têm razão nas suas reivindicações, e parece ser pacífico que têm, o Governo tem de encontrar soluções para ultrapassar a situação com a maior urgência. Tal como as greves de médicos e outros profissionais de saúde são tão gravosas para a população que o Governo não pode deixar andar e deve resolver as questões em aberto com a maior rapidez. A justificação da falta de dinheiro por este Governo não colhe, sobretudo depois do Novo Banco e da TAP. Contudo, em qualquer destes casos se assiste a uma espécie de calma olímpica da parte do Governo, mas também da sociedade em geral, com consequências futuras que estão à vista. No que respeita aos jovens, aqueles que frequentam a escola públicas sofrem com as greves enquanto os do ensino particular avançam sem problemas, numa injustiça flagrante. Já com o que se passa na Saúde a consequência imediata é a transferência dos doentes com alguma capacidade económica do SNS para a os hospitais privados.
Estes são apenas alguns dos muitos doces enganos em que infelizmente a maioria de nós vai embarcando regularmente, as mais das vezes proporcionados pelos mais diversos responsáveis, políticos mas também empresariais ou outros. É dever de quem tem acesso à comunicação social lutar por desmontar falácias, mostrando a realidade, doa a quem doer, de forma independente. Só mais um exemplo do doce encantamento de «verdades estabelecidas» que se revelam contrárias à realidade. Neste caso, quem desmontou o doce engano foi o próprio Presidente da República que, na entrevista na RTP da passada semana, referiu que «o país está cada vez mais velho e mais pobre». Isto quando os responsáveis governamentais têm insistido na ladainha de que «estamos a aproximar-nos dos países mais ricos».
Nos seus doces enganos, Portugal mais parece a Inês assim cantada por Camões:
“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito”
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Março de 2023
Imagens recolhidas na internet
Sem comentários:
Enviar um comentário