sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Portugal sem Governo

 


Sai um pacato cronista do país por alguns dias e, ao regressar, encontra um país outro com um Governo demissionário quando não tem ainda dois anos de funcionamento e, ainda por cima, com maioria absoluta. Tudo o que se havia pensado para a crónica semanal cai face a uma actualidade que se impõe de forma avassaladora e inescapável.

Diz-se que Júlio César se referiu aos nossos antepassados Lusitanos como sendo “aquele povo que nem se governa, nem se deixa governar” e parece tudo fazermos para que esse comentário se nos aplique ainda nos dias de hoje.

A recente evolução da situação política suscita dois comentários essenciais.

Em primeiro lugar é impossível deixar de verificar a difícil relação dos dois últimos primeiros-ministros socialistas com a Justiça. José Sócrates só foi preso e começou a sua saga do processo Marquês três anos depois de sair de primeiro-ministro mas, na realidade, os seus problemas com a Justiça haviam começado muito antes, embora enquanto governante se tenha safado sempre, de forma mais ou menos velada. Como é evidente, ninguém pensa que as suas acções que levaram aos seus problemas judiciais tenham passado completamente despercebidas junto dos seus camaradas de partido e de governo, até porque se misturaram tragicamente com a economia e a finança, desembocando na pré-bancarrota do país.

De forma “hábil” como a sua acção costuma ser apelidada, o que não me parece um grande elogio a um governante mas adiante, António Costa conseguiu isolar Sócrates escondendo-se atrás da frase “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”. Assim procedendo, o PS nunca reconheceu o lado político grave do caso Sócrates, embora este não tenha surgido do nada, tendo percorrido a carreira partidária do costume, desde a distrital até ao governo, passando pelo Parlamento. Sócrates conseguiu mesmo a primeira maioria absoluta do PS, com muitos votos de alguma direita que apreciou o seu estilo voluntarista e até algo autoritário.


Significando o sucesso desta atitude, António Costa conseguiu governar durante oito anos, ainda que tenha levado para os seus governos boa parte dos que tinham estado nos governos de Sócrates, quer governantes, quer colaboradores directos. Em consequência, os êxitos políticos foram tapando muito do que se passava nos subterrâneos da acção governativa, tendo agora surgido à superfície de forma escandalosa, pela mão da Justiça. Como geralmente sucede. E António Costa, depois do êxitos políticos pessoais lá teve que se demitir e sair pela porta pequena, ao contrário do que muito justamente poderia ter sonhado.

E o país, como fica com tudo o que está a acontecer? Em primeiro lugar passa por uma imagem internacional desgraçada que só nos pode envergonhar colectivamente. Como pude verificar directamente, os noticiários estrangeiros deram a notícia como “primeiro-ministro de Portugal demite-se envolvido em caso de corrupção”. Assim mesmo. Relativamente aos ministros envolvidos e ainda ao chefe do gabinete do PM que escondia dezenas de milhares de euros no seu gabinete no Palacete de São Bento que é a residência oficial do Primeiro-Ministro de Portugal (vergonha maior será difícil), o Ministério Público eventualmente deverá ter elementos suficientes para deduzir as suas acusações de prevaricação, tráfico de influências ou mesmo de corrupção.

Já relativamente ao processo que envolve António Costa e que decorre no Supremo Tribunal de Justiça, a sensação generalizada é que poderá, ou não, evoluir para acusação. De qualquer forma, chegou-se a uma situação que se costuma designar como “lose-lose”, em que cada uma das saídas é tão má como a outra. Em caso de arquivamento, o país teve uma crise que levou a eleições antecipadas com todos custos que isso implica, a nível político, económico e social deixando o Ministério Público em maus lençóis por ter envolvido o Primeiro-Ministro sem bases reais para o fazer. Caso haja acusação, é todo o país que sofre por ver mais um ex-Primeiro Ministro nos tribunais por questões ligadas a corrupção, mais parecendo uma sina nacional.

O que nos poderá levar a pensar se tal não estará ligado à surpreendente descoberta recente de que existe um carimbo genético exclusivamente português que nos dá características únicas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Novembro de 2023

Imagens retiradas da internet

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