Se há algo que me irrita é ver políticos a visitar lares de terceira idade e tratar os utentes como se fossem crianças. Ainda mais do que manipular crianças nas escolas, que as crianças terão futuro ou não, mas os velhos tiveram mesmo passado e ainda têm presente.
Os velhos já viveram muitos anos e a passagem dos anos tem obrigatoriamente implicações na visão que se tem do mundo, permitindo uma experiência que se deve aproveitar e não tratar com condescendência. Grande parte do que se observa na actualidade é repetição aproximada de experiências que já se viram no passado. Isto na vida do dia-a-dia pessoal, mas também na vida da sociedade e da política. Na realidade, muito pouco daquilo que acontece é absoluta novidade. A excepção mais evidente será a evolução da tecnologia de informática que permite uma utilização generalizada de ferramentas que ainda há pouco ou não existiam ou estavam à disposição de muito poucos.
Quase a completar sete décadas de vida, tive a oportunidade de observar como o fax, que veio substituir o telex, veio revolucionar a vida empresarial e também pessoal permitindo pela primeira vez enviar documentos de forma não física. O imediato surgimento da internet trouxe o mail e mesmo a possibilidade de partilha de edição de documentos por vários intervenientes que até podem estar em continentes diferentes. Mudança radical que foi apenas o início de uma evolução abismal de que ainda estaremos ainda no princípio, com o desenvolvimento da inteligência artificial.
A guerra colonial portuguesa durou 13 anos e foi a causa imediata de um regime que na minha juventude parecia eterno. Na manhã do dia 24 de Abril de 1974 fui às inspeções militares e à noite informei os meus saudosos pais que nunca iria para África combater numa guerra que já aparecia a todos como sem saída e injusta para ambos os lados. No dia seguinte foram os próprios militares que, fartos da guerra, acabaram mesmo com o regime que só se mantinha por inércia, como ficou provado nos meses seguintes. Depois foi o PREC e a desgraça das nacionalizações que ainda hoje têm implicações na nossa economia já que mesmo depois das privatizações ficou descapitalizada, tendo hoje a maior parte das grandes empresas maioria de capital estrangeiro, incluindo a banca. O equilíbrio político entre esquerda e direita foi conseguido em 1979 por Sá Carneiro e Amaro da Costa com a AD, o que permitiu ultrapassar complexos de esquerda e direita vindos do antes e do a seguir ao 25 de Abril, assim se estabelecendo uma Democracia estabilizada. Desde então assistimos a pântanos e maiorias absolutas que acabam por se autodestruir em frente dos nossos olhos atónitos.
Olhando para o passado, parece mentira como estas décadas passaram tão depressa e todos observámos, ou mesmo participámos no quotidiano colectivo, como se a vida fosse eterna, sem consciência de que tudo acaba um dia. O olhar da juventude, claro está. O que nos parecia urgente e absolutamente necessário aparece-nos agora com uma importância relativa e toma-se consciência de que, em cada momento, o que verdadeiramente interessa são as pessoas e as suas vidas.
Hoje olhamos, com espanto, como uma classe política se encontra paralisada perante uma judicialização do regime que a todos tolhe, assim se promovendo o crescimento dos extremismos mais assustadores. Chegámos a uma data em que o momento fundador do regime democrático completa cinquenta anos. Idade em que, como se costuma dizer, já deveríamos ter juízo algo que, contudo, parece andar completamente arredado da nossa vida colectiva com dissoluções generalizadas dos diversos parlamentos, nacional e regionais, e completo desnorte dos líderes partidários, e não só.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 Janeiro 2024
Imagens recolhidas na internet