terça-feira, 26 de março de 2024

A GRANDE VANTAGEM DA DEMOCRACIA

 


Costuma citar-se Winston Churchill quando referiu ser a Democracia o pior regime político que existe….à excepção de todos os outros. Este é o nosso regime há cinquenta anos, devendo-se aos militares do 25 de Abril de 1974 e a muitos políticos que lhe deram depois corpo. Para quem assistiu ao vivo ao que se passou nesses tempos é impressionante verificar quanto mudámos todos e o país neste período. Tal como para muitos portugueses que como eu próprio nasceram nos anos 50 ou 60, o regime anterior parecia que existia desde sempre, para os jovens de hoje a Democracia é o regime em que nasceram e o único que conhecem. E, por definição, um sistema democrático permite tudo no seu seio, desde os ambiciosos que pretendem tudo para si aos preocupados com o bem comum que utilizam as ferramentas da democracia que são os partidos, até aceitar os que são contra a Democracia. Assim sendo, em Democracia todos têm a oportunidade de expor os seus pontos de vista, até os mais abstrusos. Desse ponto de vista, a fraqueza da Democracia que é aceitar no seu seio os seus próprios inimigos, acaba por ser a sua maior força, ao contrário do que muitos pensam, tentando mesmo calar aqueles outros, o que é sempre um erro.

Da Democracia fazem parte as eleições livres e universais, isto é, em que todos os cidadãos podem participar em igualdade de valor de voto. Algo que, atualmente, nos parece tão natural como respirar, mas que na realidade não o é para muita gente no mundo. Basta ver o que se passou na Rússia e naquela farsa a que Putin chamou eleições para se manter no poder durante o tempo que quiser, como se fosse um Czar. Também os portugueses assim foram impedidos de escolher livremente o seu futuro durante quase 50 anos, algo de que não nos podemos esquecer.

Durante estes últimos 50 anos aprendemos todos muito sobre o funcionamento da Democracia. Sobre os aspectos positivos, mas também sobre os negativos para que Churchill chamava a atenção. Desde logo o exercício da soberania popular permite algo que tem um valor incalculável: arredar do poder quem lá estiver, sem que para tal se tenha de fazer uma revolução. Claro que quem vence eleições não tem automaticamente razão, o povo apenas lhe entrega um mandato temporário para mostrar ao que vem e o que vale na concretização prática das suas ideias.


Na longa campanha eleitoral por que acabámos de passar, mais uma vez os aspectos negativos da democracia, ou antes da sua organização funcional e dos próprios partidos, vieram ao de cima e foram particularmente evidentes. Desde logo, o que se discutiu foram essencialmente assuntos do imediato e não do que é essencial para o futuro colectivo. Os vencimentos dos polícias são importantes para os próprios e mesmo para o bom funcionamento dos organismos policiais, mas temos de convir que não são o essencial da organização da nossa segurança. A recuperação do tempo de serviço dos professores interessa aos próprios como uma questão de justiça e de dignidade, mas resolve os problemas fundamentais da nossa política educativa? Os vencimentos dos funcionários judiciais são evidentemente importantes, mas não são o fundamental do funcionamento deficiente da nossa Justiça. Os problemas de organização do SNS são tão graves que não será a subida imediata dos vencimentos dos médicos e enfermeiros que resolverá o problema. Tal como a corrupção não é o cerne dos problemas do funcionamento do Estado ou a descida súbita dos impostos não será o que vai garantir a melhoria sustentável da nossa qualidade de vida, embora possa melhorar o imediato.

Torna-se claro que os partidos fugiram dos verdadeiros problemas e das suas soluções, que conhecem bem, certamente porque não dão votos. Mas que eles estão lá e precisam urgentemente das reformas que os permitam ultrapassar, isso é uma verdade insofismável. Para surpresa geral soube-se, já depois das eleições,s que o próximo cheque europeu do PRR estará dependente de algo previsto no contrato que não foi feito e que nem sequer era sabido fora do Governo: a reforma do Estado. Melhor prova da incapacidade de enfrentar os verdadeiros problemas não será necessária e não foi à toa que os portugueses votaram no passado dia 10 de Março como o fizeram.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2024

Imagens recolhidas na internet

terça-feira, 19 de março de 2024

O Inverno do nosso descontentamento

 


Foi um Inverno atípico este, passado todo ele em campanha eleitoral. E, se é um facto que as eleições são a festa da Democracia, sendo os resultados eleitorais a afirmação da vontade popular, o que se passa nas campanhas é muitas vezes desolador, quando não deprimente. E a duração de uma campanha desde inícios de Novembro até aos meados de Março é, definitivamente, algo que não deverá voltar a repetir-se, O Presidente Marcelo lá apontou as suas razões para passarmos um Inverno mergulhados em campanha, mas que foi demais, penso que estaremos todos de acordo.

E o que começou mal, mal acabou. As razões que levaram à demissão do Primeiro-Ministro e à posterior dissolução da Assembleia da República são conhecidas e não orgulham ninguém. Um Primeiro-Ministro demitir-se por estar a ser investigado pela Justiça, mal ou bem ainda está para se saber, e no dia seguinte saber-se que o seu chefe de gabinete tinha mais de 70.000 euros escondidos no Palacete de S. Bento é algo a lamentar, em absoluto. Que o Presidente da República, no uso das suas competências constitucionais, não aceite outro governo saído de uma maioria absoluta parlamentar existente é algo que merecia outra justificação que não a de o primeiro-ministro ter sido escolhido directamente pelo povo, que não o foi.

E as eleições tiveram um resultado que, se havia quem o previsse, na realidade surpreendeu pela nova composição da Assembleia da República. Quem ganhou? As Direitas. A AD do PSD e do CDS, a Iniciativa Liberal e o Chega somaram 3.232.119 votos.

Quem perdeu? As Esquerdas. O PS, o BE, a CDU e o Livre somaram 2.436.413 votos. O PS perdeu 486 mil votos, o BE ganhou mais 33 mil, a CDU perdeu 34 mil e o Livre obteve mais 130 mil votos.

Deixo de fora o PAN e o ADN, mas cujos resultados em nada alteram a correlação de forças. Do ponto de vista político, a surpresa maior veio da descida da abstenção: mais de 770 mil cidadãos decidiram ir votar para além dos que foram às urnas em 2022. Salta à vista a proximidade com o aumento de votação do Chega: mais 723.mil votos do que há dois anos no que parece pacífico considerar-se como sendo uma manifestação de protesto, algo em si negativo, mas com grande significado político. Os partidos do centro político fariam bem em analisar internamente o que fizeram ou o que não fizeram para gerar tal descontentamento entre os eleitores que os leva a votar em tal partido! Já a AD (ou os partidos que a compõem) ainda assim recolheu mais 312 mil votos. A queda do PS foi absolutamente brutal, atendendo à maioria absoluta obtida há apenas dois anos. Claro que enquanto escrevo esta crónica não se conhecem ainda os resultados dos votos vindos do estrangeiro, mas sente-se que não alterarão muito a situação, já que se trata de apenas quatro mandatos. É indiscutível que nestas eleições não se verificou apenas a ida óbvia às urnas de centenas de abstencionistas para lavrarem o seu desagrado para com os partidos sistema, mas também uma rejeição clara da governação socialista dos últimos dois anos. E nem vale a pena recordar aqui o que foi essa governação, olhando para trás até parece que a maioria absoluta trouxe consigo um cansaço extremo da governação incapaz de avançar com reformas. Para além do PRR e da preocupação com o défice e a dívida pública, curiosamente desde sempre bandeiras da direita, a sensação era de que não havia mais nada a tratar pelo Governo, ficando tudo o resto para trás.


Como é usual, a Esquerda mais radical parece querer esquecer a sua real valia eleitoral e já manifestou vontade de se unir ao PS contra a AD, no caso de esta formar Governo como parece que vai suceder. Do lado da AD, mantém-se o “não é não” que significa que o PSD e o CDS, formando Governo, não integrarão o Chega, nem com ele farão acordo parlamentar. Assiste-se, assim, a uma situação de grande complexidade política que exigirá no novo Governo, de uma fragilidade política evidente, uma grande capacidade negocial, principalmente no que respeita aos Orçamentos, a começar já com o de 2025.

Foi realmente um Inverno do descontentamento. Mas há uma verdade inelutável. Aos rigores e dificuldades do Inverno segue-se sempre a vida trazida pela Primavera. Haja esperança.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Março de 2024

Imagens retiradas da internet

segunda-feira, 11 de março de 2024

A GUERRA, SEMPRE A GUERRA

 


Ao contrário do que muitos possam pensar a guerra é praticamente o estado natural da humanidade desde tempos imemoriais, mesmo de quando os humanos não passavam de tribos familiares errantes que dependiam da caça para sobreviver. Consequentemente a Paz, e lembro que a paz não é apenas a ausência de guerra, é algo que é resultado de acções decididas para a obter e manter. Infelizmente, porque a Paz não pode nunca significar uma subjugação, fazer a guerra é, por vezes, mesmo necessário para obter a Paz. O Jardim do Éden de Rousseau andou sempre muito longe da realidade das relações humanas e já na Roma antiga Marco Túlio Cícero avisava: “manter-se na ignorância do que aconteceu antes de se ter nascido é manter-se para sempre criança”.

Ao longo dos séculos a península que vai do Atlântico aos Urais, a que se chama hoje Europa, foi palco de numerosas guerras internas, que tantas vezes não eram mais do que lutas de poder entre reis e príncipes, irmãos ou primos entre si. Uma dessas guerras ficou conhecida como a Guerra dos Cem Anos, tão longa foi a sua duração, embora intermitente. A penúltima destas guerras intestinas ficou conhecida como Primeira Guerra Mundial e acabou há pouco mais de cem anos deixando mais de 40 milhões de mortos, entre os quais mais sete mil soldados portugueses. Tendo ficado mal resolvida, e num contexto de desenvolvimento de ideologias extremas, seguiu-se-lhe a que até agora foi a última grande guerra, a Segunda, que deixou cerca de 85 milhões de mortos. Na sua sequência e da formação da CEE que evoluiu até à actual União Europeia, a Europa conheceu um período de paz cuja duração é verdadeiramente uma raridade histórica.

Mas, para além das guerras internas, a Europa foi palco de invasões vindas do Oriente que tiveram uma importância decisiva na nossa História. No séc. V Átila ficou conhecido como o Flagelo de Deus tendo causado destruição e pavor em largas zonas do continente europeu, acompanhando o declínio do Império Romano. No séc. VIII vieram os Árabes muçulmanos que deixaram uma grande influência, em particular na Península Ibérica, de onde só foram expulsos definitivamente em 1492. No sec. XIII os Mongóis, depois de conquistarem a China liderados por Gêngis Cã, viraram-se para a Europa, chegando até à Hungria depois de destruírem Kiev. Parando felizmente por aí antes de regressarem ao Oriente, tiveram um papel crucial na História de desenvolvimento europeu ao destruírem Bagdad em 1258, assim diminuindo a força do mundo islâmico. Já os Otomanos conquistaram Constantinopla em 1453 e, em 1529 com Suleimão, chegaram às portas de Viena cuja conquista foi fracassada, tal como veio a acontecer em 1683 tendo a cidade sido salva por forças vindas da Polónia e da Lituânia. Por fim, o exército vermelho de Estaline que, de libertador do jugo nazi na Europa Oriental, instantaneamente passou a ocupante, estabeleceu um novo império Russo na Europa oriental, sob a capa da aliança comunista chamada União Soviética que se auto-dissolveu em 1991.


Aqui chegados, todos lamentamos o fim da época de paz na Europa, que foi também de uma prosperidade sem paralelo histórico. A invasão da Ucrânia, país independente e soberano sob todos os pontos de vista, pela Federação Russa há dois anos, veio alterar todo um equilíbrio internacional e acabar com a Europa como a conhecemos. A Europa tem-se sentido militarmente segura com a NATO, mas a possibilidade muito real de Donald Trump (que se recusa a defender a Europa) voltar a ser eleito Presidente dos EUA obriga a toda uma revisão da situação. Discute-se já uma Política de Defesa Europeia que terá como consequência um grande aumento das despesas militares comuns. Para os diversos países europeus que também integram a NATO, caso de Portugal, tal terá obrigatoriamente consequências nos orçamentos nacionais por duas vias. Há países europeus que já gastam mais de 2% do seu PIB em despesas militares e que são, sem surpresa, os mais próximos geograficamente da Rússia, com a Polónia à cabeça, mas incluindo a Grécia, a Estónia, a Lituânia, a Finlândia a Roménia e a Hungria, por exemplo. Já Portugal gasta apenas 1,4% e vai ter de subir até aos 2%, mas as verbas que recebemos da União vão também certamente descer com as novas e preocupantes prioridades comunitárias.

Nada disto foi tema da recente campanha eleitoral e percebe-se bem porquê. À possibilidade real de alastramento da guerra a ocidente com uma Ucrânia enfrentando dificuldades militares crescentes, adiciona-se uma nova situação financeira da União com despesas militares elevadas. O que, apesar da nossa situação geográfica, nos atira completamente para dentro da crise e ninguém gosta de dar más notícias, principalmente em campanha eleitoral.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Março de 2024

Imagens retiradas da internet

segunda-feira, 4 de março de 2024

Vamos, novamente, a eleições

 


Ao fim de mais de quatro meses de espera, no próximo Domingo 10 de Março de 2024 vamos a eleições. Parafraseando o saudoso músico José Mário Branco, o que andámos nós para aqui chegar? Na realidade, passaram apenas dois anos sobre as anteriores eleições de que o Partido Socialista saiu com maioria absoluta. E no entanto…em apenas dois anos de maioria absoluta, saíram 13 governantes até que chegou a vez do próprio Primeiro-Ministro se demitir no meio de circunstâncias de que o próprio admitiu estar envergonhado.

O Governo que agora se vai saiu de eleições que se seguiram ao chumbo de um Orçamento de Estado por parte dos ex participantes da Geringonça, Bloco de Esquerda e Partido Comunista, que se cansaram se se sentir ludibriados durante quatro anos a negociar e aprovar orçamentos que depois não eram minimamente cumpridos pelo Governo. Também esse governo anterior tinha saído de uma solução inédita no nosso país ao ser liderado pelo PS que tinha perdido as eleições depois do Governo da Troica. Solução perfeitamente constitucional, mas contrária a toda a prática seguida até então, abrindo caminho a que outros venham a construir maiorias dessa forma.

Isto é, as eleições de Domingo são um julgamento popular e democrático de oito anos de governação socialista, já que governações anteriores, fossem a de José Sócrates ou de Passos Coelho já foram sujeitas há muitos anos ao veredicto do povo. Em Democracia os partidos são responsáveis pelos resultados da sua governação. Ao contrário do que acontece no futebol em que, a cada nova época se inicia tudo do zero, nas eleições julga-se o que foi feito e o que não foi feito na governação, já que o trabalho da governação tem consequências que se prolongam no tempo para além dos ciclos eleitorais.

No caso concreto, muito para além dos sarilhos de governantes a abandonar o Governo, de uma forma ou de outra, o importante é verificar os resultados da governação, e para o fazer, nada como ver o estado na Habitação, da Educação, da Segurança, das Forças Armadas, etc. Ressalto a situação da Saúde, em que o estado do SNS é verdadeiramente preocupante. Os partidos discutem o futuro, com maior ou menor participação dos sectores privado e social. Mas não podemos esquecer que, da quantidade de dinheiro investida no SNS, actualmente cerca de 40% vai directamente para hospitais, clínicas, laboratórios, todos privados, por manifesta incapacidade do SNS de responder às necessidades dos cidadãos. Todos nós, utentes do SNS, sabemos que com requisições do SNS vamos a esses serviços privados fazer todos os exames sem pagar um cêntimo directamente do bolso. Só podemos imaginar a fortuna que o Estado gasta desta maneira. E gasta nos dias de hoje, depois destes 8 anos de governação socialista. Só por hipocrisia se pode dizer que, depois do que se passa, vêm aí os privados tomar conta da nossa saúde.


Pedro Nuno Santos escolheu a estabilidade como mote para a sua campanha, garantindo que só o seu partido a pode garantir aos portugueses. E, de facto, se há algo de que estamos necessitados é de estabilidade: a nível social, económico, fiscal, de saúde, etc. etc. Mas depois destes últimos anos, é Pedro Santos que a garante? Muito dificilmente, se nos lembrarmos da forma como saiu do Governo há um ano. Por outro lado, todos os portugueses viram em directo o namoro, à vez, entre Pedro Santos, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua. Uma nova Geringonça está evidentemente na forja, como solução para o caso, muito provável, de o PS não ganhar as eleições. Alguém pode falar em estabilidade em Portugal em 2024, com uma nova geringonça com o PCP e o BE, eventualmente com Mortágua a ministra das Finanças, sonho de tanta gente? Com a ameaça de nova vaga inflacionista no horizonte? Numa União Europeia em crise por causa dos mais diversos problemas em que a PAC não é o maior, já que a guerra a sério está à nossa porta e a Europa não tem meios militares para se defender? Num momento em que há uma grande probabilidade de os EUA voltarem a ter Trump a presidir, um Trump agora muito diferente porque já sabe bem como funcionam os pesos e contrapesos do sistema americano e com um sentimento evidente de raiva contra quem o retirou do poder e não o deixou tranquilo nestes últimos anos?

Num mar alteroso como o que se adivinha, Portugal precisa de quem saiba onde está o porto seguro e que tenha calma e ponderação para seguir a rota certa para lá chegar. Estabilidade, com efeito, precisa-se, mas não feita de enganos e progressivo empobrecimento relativo. E longe de extremismos e populismos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Março de 2024

Imagens recolhidas na internet