Costuma citar-se Winston Churchill quando referiu ser a Democracia o pior regime político que existe….à excepção de todos os outros. Este é o nosso regime há cinquenta anos, devendo-se aos militares do 25 de Abril de 1974 e a muitos políticos que lhe deram depois corpo. Para quem assistiu ao vivo ao que se passou nesses tempos é impressionante verificar quanto mudámos todos e o país neste período. Tal como para muitos portugueses que como eu próprio nasceram nos anos 50 ou 60, o regime anterior parecia que existia desde sempre, para os jovens de hoje a Democracia é o regime em que nasceram e o único que conhecem. E, por definição, um sistema democrático permite tudo no seu seio, desde os ambiciosos que pretendem tudo para si aos preocupados com o bem comum que utilizam as ferramentas da democracia que são os partidos, até aceitar os que são contra a Democracia. Assim sendo, em Democracia todos têm a oportunidade de expor os seus pontos de vista, até os mais abstrusos. Desse ponto de vista, a fraqueza da Democracia que é aceitar no seu seio os seus próprios inimigos, acaba por ser a sua maior força, ao contrário do que muitos pensam, tentando mesmo calar aqueles outros, o que é sempre um erro.
Da Democracia fazem parte as eleições livres e universais, isto é, em que todos os cidadãos podem participar em igualdade de valor de voto. Algo que, atualmente, nos parece tão natural como respirar, mas que na realidade não o é para muita gente no mundo. Basta ver o que se passou na Rússia e naquela farsa a que Putin chamou eleições para se manter no poder durante o tempo que quiser, como se fosse um Czar. Também os portugueses assim foram impedidos de escolher livremente o seu futuro durante quase 50 anos, algo de que não nos podemos esquecer.
Durante estes últimos 50 anos aprendemos todos muito sobre o funcionamento da Democracia. Sobre os aspectos positivos, mas também sobre os negativos para que Churchill chamava a atenção. Desde logo o exercício da soberania popular permite algo que tem um valor incalculável: arredar do poder quem lá estiver, sem que para tal se tenha de fazer uma revolução. Claro que quem vence eleições não tem automaticamente razão, o povo apenas lhe entrega um mandato temporário para mostrar ao que vem e o que vale na concretização prática das suas ideias.
Na longa campanha eleitoral por que acabámos de passar, mais uma vez os aspectos negativos da democracia, ou antes da sua organização funcional e dos próprios partidos, vieram ao de cima e foram particularmente evidentes. Desde logo, o que se discutiu foram essencialmente assuntos do imediato e não do que é essencial para o futuro colectivo. Os vencimentos dos polícias são importantes para os próprios e mesmo para o bom funcionamento dos organismos policiais, mas temos de convir que não são o essencial da organização da nossa segurança. A recuperação do tempo de serviço dos professores interessa aos próprios como uma questão de justiça e de dignidade, mas resolve os problemas fundamentais da nossa política educativa? Os vencimentos dos funcionários judiciais são evidentemente importantes, mas não são o fundamental do funcionamento deficiente da nossa Justiça. Os problemas de organização do SNS são tão graves que não será a subida imediata dos vencimentos dos médicos e enfermeiros que resolverá o problema. Tal como a corrupção não é o cerne dos problemas do funcionamento do Estado ou a descida súbita dos impostos não será o que vai garantir a melhoria sustentável da nossa qualidade de vida, embora possa melhorar o imediato.
Torna-se claro que os partidos fugiram dos verdadeiros problemas e das suas soluções, que conhecem bem, certamente porque não dão votos. Mas que eles estão lá e precisam urgentemente das reformas que os permitam ultrapassar, isso é uma verdade insofismável. Para surpresa geral soube-se, já depois das eleições,s que o próximo cheque europeu do PRR estará dependente de algo previsto no contrato que não foi feito e que nem sequer era sabido fora do Governo: a reforma do Estado. Melhor prova da incapacidade de enfrentar os verdadeiros problemas não será necessária e não foi à toa que os portugueses votaram no passado dia 10 de Março como o fizeram.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2024
Imagens recolhidas na internet
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