A simples passagem do tempo leva que cada vez vão sendo menos os portugueses que sabem, por experiência vivida, o que significam a falta de liberdade de expressão e de informação. A ditadura já lá vai há cinquenta anos e a Constituição da República Portuguesa garante essas liberdades nos seus artigos 37º e 38º.
Quando os regimes ditatoriais duram muito tempo, os cidadãos acabam frequentemente por interiorizar as limitações à sua liberdade, parecendo até que a actividade dos censores já não é necessária. Olhando para trás isso parece evidente, quer em ditaduras de direita como era o nosso caso, quer nas de esquerda como acontecia nos países da Europa de Leste, de que a RDA e a Roménia serão exemplos claros. Claro que, ao abrir-se uma janela, a liberdade entra por ali dentro e os cidadãos, ao respirar ar limpo, rapidamente se habituam à nova situação e quase esquecem a anterior, como se fosse apenas um sonho mau. Nada que impeça alguns de tentarem de novo “proteger” o povo de “más influências. Relembro que em 1975 quando os portugueses ainda estavam a aprender a viver em liberdade, um membro de um governo provisório tentou abafar a liberdade de informação. Era Comandante da Marinha e sujeitou-se a um artigo demolidor de Artur Portela Filho com o título “À abordagem” tendo metido a viola no saco, nunca mais se tendo ouvido falar de tal coisa.
É por isso que se estranha e dificilmente se admite que, precisamente nos 50 anos do 25 de Abril, tenha sido possível assistir à recente intervenção da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) emitindo uma deliberação contra o jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos a propósito da sua entrevista à cabeça de lista do PS nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. Em primeiro lugar, mal se percebe que, em plena Democracia estabilizada, exista uma tal instituição que, lembra-se, é uma herança da tenebrosa governação de José Sócrates, também no que respeita ao condicionamento político da comunicação social. Em segundo lugar, todos nós estamos habituados a assistir a entrevistas nas televisões mais variadas de países democráticos em que os entrevistados têm de se defender a sério de perguntas difíceis. Parece que em Portugal se continua com a mentalidade do “respeitinho” pelo poder. Isto não tem nada a ver com qual a personalidade em causa, muito menos qual o partido a que pertence. E ver uma entidade como a ERC emitir uma deliberação condenatória de um jornalista para a seguir se ver obrigada a alterá-la porque colocou na boca do jornalista palavras que ele não disse só pode ser vexatório para quem tem nas suas atribuições “assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no espaço mediático, zelar pela independência dos meios de comunicação social perante o poder político e económico, e garantir a diversidade de opiniões”.
Uma democracia adulta não precisa de uma entidade como a ERC para defender liberdade de opinião e independência dos meios de comunicação social. Até porque a nomeação dos seus membros é política por depender dos partidos na AR e do Governo. Para tudo isso existem os tribunais e os diversos crimes que podem estar em causa estão todos contemplados na Lei. Quando as pessoas se acham vítimas de insulto ou de injúria têm perfeita liberdade para corrigir a situação junto da Justiça.
Assiste-se com frequência, parece mesmo ser uma regra, defender automaticamente os políticos do partido da sua preferência e denegrir todos os outros. Trata-se de uma armadilha que, mais tarde ou mais cedo, se volta contra quem assim procede. Acima de tudo, devemos ter consciência de que as garantias constitucionais e o seu exercício cívico estão acima das querelas partidárias, devendo-se ter sempre respeito pela liberdade de informação, condição essencial para a existência de Democracia. E não esqueçamos que acusar os transmissores das más notícias pelos seus próprios desaires é algo que já desde os tempos dos romanos se sabe dar mau resultado.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro 2024
Imagem recolhida na internet
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