terça-feira, 21 de outubro de 2025

EUROPA EM GUERRA

 

Tendo em conta apenas, aproximadamente, os últimos 150 anos a Europa tem sido palco de diversas guerras que, observadas à distância temporal, acabam por surgir todas encadeadas e com nexos de causalidade entre si, ainda que tenham ocorrido com algumas dezenas de anos de intervalo entre elas.

Entre 1870 e 1871 ocorreu a Guerra Franco-Germânica que, na sua essência, constituía uma consequência das anteriores guerras napoleónicas. Embora de curta duração, a sua importância histórica foi enorme. Por um lado, a vitória dos alemães permitiu a unificação alemã com Guilherme I, incluindo a anexação prussiana da Alsácia-Lorena. Do lado francês ditou a queda de Napoleão III e o início da Terceira República Francesa tendo ainda dado origem à breve Comuna de Paris cujo povo se recusava a aceitar a derrota francesa.

Não passaram muitos anos até que a Alemanha estabelecesse alianças sucessivamente com a Áustria/Hungria e com a Itália na que ficou conhecida como a Tríplice Aliança. Em resposta a França, que alimentava desejos de vingança contra a Alemanha pela guerra anterior, constituiu com a Grã-Bretanha a Entente Cordiale que passou a Tríplice Entente com a adesão da Rússia. Com estas alianças militares no terreno, faltava apenas um detonador para a guerra generalizada. Tal aconteceu com o assassinato em Sarajevo do arquiduque Francisco Ferdinando. A guerra que se seguiu determinada pelos líderes das duas alianças, que eram quase todos primos entre si, veio a ser conhecida como a Primeira Guerra Mundial. Durou quatro anos entre 1914 e 1918, causando mais de 20 milhões de mortos, entre civis e militares. Ditou ainda o fim de quatro impérios europeus, o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, o Império Russo e o Império Turco-Otomano. O seu fim coincidiu também com o início da Revolução Soviética na Rússia e com o desenvolvimento e posterior poder das ideologias ultra-nacionalistas: o fascismo e o nazismo.

Os termos do Tratado de Versalhes que fechou a I Grande Guerra viriam a ditar, poucos anos depois, a militarização da Alemanha com Adolf Hitler e uma nova guerra terrível: a II Guerra Mundial entre 1939 e 1945, esta mais próxima de nós, já que terminou apenas nove anos antes de eu ter nascido. Morreram mais de 80 milhões de pessoas.

Seguiu-se o que se costuma chamar Guerra Fria entre o Ocidente liberal e a União Soviética comunista que só viria a terminar com a implosão da URSS em 1991. Após um breve período em que pareceu possível a amizade entre a Rússia e a Europa ocidental, em Moscovo passou a mandar um antigo oficial do KGB que depressa orientou o país para o antigo ímpeto imperialista russo. Assim surgiu a invasão da Ucrânia, que se desenrola desde há três anos.

Nos momentos anteriores a todos estes conflitos bélicos havia dois caminhos possíveis: o da paz e o da guerra. E ninguém podia imaginar as consequências da escolha. Só a História nos informa sobre o que realmente aconteceu, isto é, depois do sucedido.

Estamos novamente num desses momentos com a Guerra na Ucrânia. O que nos trouxe até aqui e o presente, todos conhecemos. Mas o futuro, não.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Outubro de 2025 

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

SOBRE AS AUTÁRQUICAS

 

Escrevo esta crónica durante a semana anterior às eleições autárquicas, bem sabendo que a sua publicação ocorrerá depois das mesmas e de serem conhecidos os resultados eleitorais. Não pode, assim, ser considerada como de apoio a esta ou aquela candidatura, constituindo apenas o resultado da observação pessoal e independente das respectivas campanhas.

Observando o que se passou pelo continente, já que no respeitante às regiões autónomas a comunicação social escrita e televisiva primou por as ignorar, alguns aspectos são de salientar. Em primeiro lugar, a importância relativa dada pela c.s. às duas maiores cidades, Lisboa e Porto estendida também aos dois maiores partidos, PSD e PS, esquecendo que, antes das eleições, todos os partidos ou coligações merecem igual tratamento. Por lei e por respeito democrático. Infelizmente, foi notória a acrimónia entre as diversas candidaturas, chegando a pontos de verdadeira guerra política. À apresentação de verdadeiras propostas abrangentes e concretas tendo em vista visões estratégicas para os diversos municípios preferiu-se, demasiadas vezes, a destruição nominal dos candidatos oponentes e a discussão de questões menores elevadas momentaneamente a assuntos cruciais de vida ou de morte. Matérias que nem são da competência autárquica são atiradas para cima da mesa com o maior dos à-vontades. Assuntos de verdadeira importância como a relação das propostas apresentadas com as capacidades orçamentais são esquecidos propositadamente, seja por desconhecimento, seja por puro oportunismo.

Coimbra também não escapou a esta “normalidade”. Fugiu-se a discutir o futuro estratégico do município, isto é, qual deverá ser o seu papel a nível regional e nacional, sem esquecer a visão metropolitana. Na continuidade das anteriores versões, a revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território continua a considerar o “sistema urbano policêntrico da região” não atribuindo, em consequência qualquer centralidade especial a Coimbra. Uma das consequências tem sido a “redistribuição” de organismos regionais pelas outras cidades da Região. Coimbra está disposta a permitir que isso continue? Todas as cidades, incluindo Coimbra, deverão esforçar-se para conseguir para si o máximo de capacidades e isso é inteiramente compreensível. Já que Coimbra permita o contrário no que lhe diz respeito é que não deverá ser aceitável pelos conimbricenses.

Coimbra tem hoje características metropolitanas evidentes. A mobilidade, a habitação, a saúde, o ensino, o comércio, são todas áreas que não podem ser analisadas olhando apenas para o município de Coimbra. Propor transportes concelhios gratuitos é uma medida simpática, mas não está provado que diminua o número de carros nas ruas e pagá-la com aumento dos impostos dos residentes no município é que não fará muito sentido. A habitação nos municípios vizinhos é largamente influenciada pelas características do mesmo sector em Coimbra. O que, por sua vez, está intimamente ligado com os transportes intermunicipais em conjugação com os transportes municipais de Coimbra: todos os dias milhares de munícipes de outros concelhos utilizam os SMTUC pagos pelo município de Coimbra, por cá trabalharem ou por cá virem tratar de imensos outros assuntos.

Por sua vez, a centralidade geográfica de Coimbra a nível nacional e regional tem consequências positivas óbvias, mas traz igualmente custos para os conimbricenses. Por exemplo, o tráfego pesado de mercadorias que passa diariamente pelo interior da Cidade é inaceitável, quer pelos constrangimentos de trânsito interno, quer pelos elevados custos ambientais.

Poderá o leitor considerar que estes aspectos nada têm a ver com as actividades diárias da Câmara Municipal. Na realidade têm muito. Porque influenciam decisivamente as opções municipais nas mais diversas áreas, desde o urbanismo até ao desenvolvimento económico, passando pelas infra-estruturas e oferta de ensino, transportes ou saúde.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 Outubro 2025 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

NOBEL DA PAZ

 

Um dos cinco prémios que Alfred Nobel estabeleceu nas suas últimas vontades é o destinado anualmente àqueles que “fizeram o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”. É o Prémio Nobel da Paz. Alfred Nobel deixou indicações para que o galardoado com este prémio seja seleccionado pelo Comité Norueguês do Nobel com cinco membros nomeado pelo Parlamento da Noruega. É entregue anualmente numa cerimónia em Oslo sendo, assim, o único não entregue em Estocolmo, na Suécia.

O Presidente dos EUA tem vindo a afirmar, insistentemente, que merece mais do que ninguém receber o Prémio Nobel da Paz. Apresenta como justificação o ter resolvido vários conflitos globais, incluindo os que se verificam entre a Tailândia e o Camboja, Israel e o Irão, o Ruanda e a República Democrática do Congo, a Índia e o Paquistão, a Sérvia e o Kosovo, e entre o Egito e a Etiópia. Deixo à consideração dos leitores a verificação da exactidão desta alegação, absolutamente fantasiosa. De fora fica a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, essa sim verdadeira há mais de três anos e que Trump garantia, ao ser eleito, conseguir resolver em três dias.

Tal é o seu desejo de ser Prémio Nobel da Paz que considerou mesmo, perante centenas de Generais e Almirantes americanos, que “será um insulto para os Estados Unidos se não receber o prémio Nobel da Paz”.

Não me recordo de alguém fazer uma campanha pessoal para receber um Nobel, seja ele qual for. Claro que há propostas, há os respectivos defensores, mas que o próprio exija desta forma um Nobel que considera dele, é completamente inaudito. O que merece alguma reflexão, tentando perceber as raízes de tal vontade.

A linguagem nunca substituiu a realidade, mas dá indícios claros sobre o rigor de quem se pronuncia. Há quem considere que a Paz como sugere Trump, é a ausência de guerra mas, nada de mais errado: não era por não ter guerra no seu interior que a França de Vichi estava em paz. Tal como há responsáveis educativos que afirmam correntemente que o objectivo do sistema educativo são os alunos; não é, é sim a educação desses alunos. Ou quem diga calmamente que o interesse dos hospitais são os doentes quando é, isso sim, a saúde deles. Tudo coisas muito diferentes.

O movimento MAGA de Donald Trump que se está a substituir ao antigo Partido Republicano tem um ódio de estimação: o antigo Presidente Barak Obama. E dá-se o caso de Obama ter sido Prémio Nobel da Paz em 2009. Tal como o foram anteriormente os presidentes Roosevelt em 1906, Wilson em 1919 e Carter em 2002.

Residirá nesta circunstância a explicação para o desejo estranhamente acerbado de Donald Trump para ser, a todo o custo, Prémio Nobel da Paz, provindo de alguém que, recentemente substituiu a designação da “Secretaria da Defesa” por “Secretaria da Guerra”. Estranha maneira de promover a Paz. Faria todo o sentido que alguém lhe transmitisse o ensinamento de Mahatma Gandhi: “Não há caminho para a paz, a paz é o caminho”.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Outubro de 2025