segunda-feira, 10 de novembro de 2025

SOBREVIVER NA SOCIEDADE MODERNA

 

A circunstância de ter vivido quase toda a segunda metade do sec. XX e este primeiro quarto do sec. XXI proporcionou-me experienciar aquela que penso ser uma era única na História da humanidade. Desde logo, pela revolução tecnológica.

Quando prestei serviço na Marinha ainda tive de aprender a “tirar o ponto” pela posição dos astros usando o sextante e consultando as tabelas do almirantado: ainda não havia GPS, algo que hoje todos nós usamos diariamente para nos localizarmos geograficamente com uma precisão incrível. O telefone era um aparelho que se tinha no corredor à entrada da casa: nada a ver com os computadores de bolso a que chamamos telemóvel com que falamos para qualquer parte do mundo com som e imagem. Dizem que dentro de pouco tempo, ao atendermos o telefone falaremos com uma imagem halográfica a 3D de quem fala connosco. Quando comecei a trabalhar, para comunicar textos à distância havia uma coisa chamada telex; pouco tempo depois chegou o revolucionário fax a que sucedeu o fantástico e.mail de hoje.

Já há algum tempo que, de forma ainda subterrânea, somos acompanhados e mesmo dirigidos pela IA (inteligência artificial) que hoje surge à luz do dia como o futuro dos nossos relacionamentos e mesmo organização do trabalho. Se o leitor pensa que o Chatgpt é o máximo, experimente elaborar um relatório com o Perplexity AI.

Poder-se-ia pensar que todas estas ferramentas nos tornariam a vida mais fácil e simples. Nada de mais errado. São evidentes as vantagens do actual desenvolvimento tecnológico ao nosso dispor pessoal. Mas a dependência da internet e, em particular, das redes sociais está a tornar-se uma pandemia com consequências no desenvolvimento pessoal a partir das mais tenras idades, no relacionamento inter-pessoal e numa falta cada vez maior de espaços de liberdade.

A vida profissional atinge hoje níveis de exigência que eu próprio não cheguei a conhecer, mas de que tomo conhecimento com grande preocupação. A determinados níveis profissionais a tecnologia elimina horários de trabalho, condiciona as horas livres diárias, de fim de semana e mesmo de férias. A nova possibilidade de encontrar soluções rápidas e eficazes para as questões profissionais conduz a uma exigência crescente numa necessidade de inclusão cada vez maior. O que leva a que o necessário descanso fique para trás, quando não deixa mesmo de existir, com consequências pessoais inevitáveis. Os sinais de exaustão vão surgindo, o próprio corpo vai emitindo sinais, mas o ritmo que se atingiu é muito difícil de se abandonar e o próprio abrandamento aparece como uma falha pessoal.

Nos últimos dias tive dois exemplos concretos de pessoas que sentiram chegar ao limite antes do burnout e que tornaram público este problema dos nossos dias. A pianista Maria João Pires anunciou ter terminado a sua carreira notável e excepcional. A outra tocou-me pessoalmente de uma forma muito forte, dado que se passou com alguém muito próximo. Que, de forma muito corajosa e como aviso, tornou pública a sua experiência em https://observador.pt/opiniao/burnout-da-arte-de-errar/.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 Novembro 2025 

 

Sem comentários: