A situação da pobreza em Portugal continua a ser a todos os títulos lamentável e, como costumo dizer, uma vergonha para a nossa geração que trouxe o nosso país ao ponto em que estamos. Nos últimos dias houve duas notícias que parecem contradizer esta afirmação mas que, na realidade, significam o oposto daquilo que mostram à primeira vista.
A revista The Economist, que me habituei a ler semanalmente há muitos anos, colocou recentemente o desempenho da economia portuguesa em primeiro lugar entre 36 dos países mais desenvolvidos do mundo, uma óptima notícia. Os critérios usados para essa classificação incluem o emprego, a inflação, o crescimento do PIB e o desempenho do mercado acionista. O crescimento do PIB não diz nada sobre o seu valor absoluto e ainda menos sobre o valor per capita, o que verdadeiramente interessa. Por outro lado, o seu crescimento reflecte a subida acentuada do número de trabalhadores atendendo à imigração com baixos salários e ainda a subida do turismo, que já significa 15 % do valor do PIB. Nada disto é de molde a deixar-nos sossegados quanto ao futuro próximo.
A outra notícia refere dados recentes do INE que indicam haver em 2024 menos 100 mil pessoas em risco de pobreza. Aquilo que parece ser indubitavelmente uma boa notícia faz-nos, no entanto, pensar duas vezes dado que se refere a seguir que “os dados do INE referem que as transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social, contribuíram para a redução do risco de pobreza”. Significa isto o Estado-providência a funcionar, mas também algo preocupante: não é a economia a acabar com a pobreza, logo a melhoria não é sustentável.
Na realidade há mais de um milhão e meio de portugueses em risco de pobreza, ou seja, 15,4% da população. Ainda de acordo com o INE, o conceito de risco de pobreza é ter um rendimento líquido mensal inferior a 723 euros por mês. Acrescenta o INE que o risco de pobreza diminuiu quer para a população empregada, de 9,2% em 2023 para 8,6% em 2024, quer para a população desempregada, de 44,3% em 2023 para 42,6% em 2024”. Mesmo entre as pessoas com emprego há ainda imensa gente em risco de pobreza, que encontra enormes dificuldades para enfrentar as suas necessidades em termos de habitação, alimentação e saúde.
Os dados do INE são ligeiramente mais optimistas que os constantes do Relatório 2025 sobre a Pobreza e Exclusão Social em Portugal publicado pelo Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza, devendo-se isso provavelmente aos métodos de levantamento de dados que, no caso do INE, deixam de fora muita gente. Como se baseiam em inquéritos junto das famílias, não captam as situações daqueles que não vivem em residências habituais. As pessoas em situação de sem-abrigo, os nacionais ou migrantes que vivem em alojamentos temporários, todos estes casos não se encontram refletidos nas estatísticas oficiais.
Apesar das melhorias que se continuam a verificar desde há vários anos, a situação de pobreza é ainda um flagelo da sociedade portuguesa com consequências a vários níveis, a começar pelo não funcionamento de elevadores sociais.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 Dezembro 2025
Sem comentários:
Enviar um comentário