Se há actividade humana cujo exercício afecte a vida quotidiana de todos nós, é a arquitectura. É através dela que a humanidade tem adaptado as condições da natureza às suas necessidades e conforto.
A evolução social e económica tem aberto novas visões e possibilidades para a arquitectura, umas vezes escrevendo-se sobre as pré-existências, outras vezes ocupando novos territórios, mas sempre criando novas condições de habitabilidade e utilização.
Devido à sua longa e rica História, a cidade de Coimbra apresenta exemplos das mais diversas intervenções arquitectónicas ao longo de séculos, mais ou menos felizes. Todas elas contribuem, no entanto, para o conjunto que hoje existe e que serve de base para o futuro que virá. Assim se justifica a sua importância.
É hoje pacífico que a intervenção que ocorreu na Alta da cidade entre os anos 40 e 70 do século passado destruiu de forma irreparável todo um legado histórico rico de vivências e de modos de vida, que desapareceu para sempre.
Em seu lugar, surgiram os grandes edifícios das faculdades, que, com o antigo palácio real ocupado pela Faculdade de Direito e Reitoria, constituem hoje o pólo I da Universidade de Coimbra. Curiosamente, tanto o desenho urbanístico da intervenção como os projectos dos edifícios devem-se não a projectistas desconhecidos, mas a alguns dos maiores nomes do urbanismo e arquitectura em Portugal. Tratou-se de uma intervenção claramente datada, tendo os edifícios, à excepção dos últimos a serem construídos, uma arquitectura neo-clássica, a meu ver de extremo mau gosto. Em matéria de gostos, há sempre quem defenda os opostos, o que aceito de bom grado.
Já as recentes e actuais intervenções nos novos pólos são mais difíceis de aceitar, tendo em conta o conhecimento presente.
Ainda não encontrei nenhum utente que defenda claramente o pólo II, quer quanto à organização do espaço, quer quanto à arquitectura exterior dos edifícios, quer quanto à funcionalidade dos mesmos.
Neste caso, para azar, não há um regime autoritário que sirva de desculpa. As opções tomadas foram-no em regime democrático, e os projectistas foram escolhidos entre os mais conceituados do país. Escuso-me aqui de pormenorizar falhas existentes, mas elas são tantas e tão gritantes que falam por si. De facto, algo correu mal naquele processo que leva a que o pólo II da Universidade de Coimbra também não seja exemplar.
Já o pólo III, que se encontra em fase de conclusão de obras, foi ocupar uma colina com espaço muito limitado, dando a impressão de se querer meter o Rossio na Betesga. Quem observa as novas edificações a partir da circular interna, só se pode espantar com a densidade de construção, que faz prever o pior em termos de acessibilidades quando se encontrar a funcionar em pleno. E o que dizer de um edifício completamente negro num tempo em que o aquecimento global obriga a grandes cuidados em termos de eficácia energética dos edifícios?
A arquitectura é de facto uma actividade tão importante na vida colectiva, pelas consequências das opções tomadas que, a meu ver, só se compara nessa importância à actividade política. Mas esta ainda está sujeita ao escrutínio democrático, ao passo que a arquitectura só depende praticamente de quem a faz e de quem a paga.
Estas intervenções absolutamente decisivas para a Cidade deveriam ser escrutinadas e os processos de decisão que lhes deram origem objecto de análise, para que no futuro não se venham a correr erros semelhantes.
Publicado no Diário de Coimbra em 6 de Outubro de 2008