terça-feira, 24 de novembro de 2009

Impostos

O que Vítor Constâncio veio dizer é o óbvio. Depois da UE ter aceite o plano de recuperação mais apertado do défice a partir de 2011, será nessa altura que isto tudo vai apertar. Claro que a despesa não irá diminuir, como nunca diminuiu, nem com maioria absoluta. Serão os impostos a tapar o buraco gigantesco do défice criado no último ano e meio (baixar de 8% para menos de 3% em três anos). Isto é, os portugueses em geral terão de pagar todos os apoios e despesas da "crise". Como aliás, sempre acontece em qualquer parte do mundo. Como diria César das Neves, "não há almoços grátis".

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Violência

Na semana passada (numa única semana, vinque-se) quatro mulheres, diria raparigas, foram assassinadas pelos seus namorados em Portugal.
Como é evidente o amor entre duas pessoas está, nestes casos, completamente subvertido. Em vez de dádiva ao outro, transforma-se em sentimento de posse. Será um sinal dos tempos egoístas que atravessamos? Quem dera que não fosse e que se tratasse apenas de uma coincidência temporal de desvios comportamentais. Mas desconfio que isto tem razões sociológicas muito mais profundas do que desconfiamos. Infelizmente.

PÚBLICO

Dos vários significados da palavra “público”, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa coordenado por José Pedro Machado aponta estes: “pertencente ao povo”; “que diz respeito ao governo geral do país”; “que é do domínio de todos”.
É este, de facto, o significado que geralmente é atribuído à palavra “público”, o que não significa que seja tido em conta por todos.
Existe mesmo a sensação de que os portugueses têm um convívio difícil com este conceito, parecendo mais estarem convencidos de que o que é público é para ser tomado pelo primeiro que de tal for capaz.
Deverão existir razões históricas para que tantos portugueses tenham esta estranha relação com o bem público, e, em geral, com o Estado. A nossa História é muito antiga de séculos, mas é fértil em levas sucessivas de emigrações que alteraram profundamente a constituição na nossa sociedade e a deixaram quase sempre mais pobre. O poder central sempre foi exercido de uma forma que levava os portugueses a serem desconfiados de quem os governava e lhes levava os impostos para pagar despesas que não se reflectiam em melhorias da sua vida. Há duzentos anos, o país foi varrido por invasões francesas que deixaram o povo arrasado e faminto. Logo a seguir, as lutas da Guerra Civil, em vez de permitirem recuperação económica, atrasaram ainda mais a nossa pobre economia. A revolução industrial veio fraca e a más horas. O fim da Monarquia e a Primeira República afastaram ainda mais o povo dos políticos que nos desgovernavam. Por exemplo, Rafael Bordalo Pinheiro caricaturava nesse tempo a política como uma porca a alimentar muitos bácoros. A seguir vieram quase cinquenta anos de um regime autoritário e anti-liberal, em que os “ungidos” do regime sabiam o que era bom para todos, restando ao povo obedecer.
Todas estas razões, e certamente muitas mais, criaram entre os portugueses uma desconfiança perante o Estado, nas suas diversas formas, que se traduz no termo com designa vulgarmente os governantes: “ELES”.
Esta atitude generalizada traduz-se igualmente na visão do que é público e que leva muitos a tomar para si o que é ou devia ser de todos.
Fazem-no, aliás, todos os dias e das mais diversas formas.
A corrupção é talvez o traço mais grave dessa atitude, porque se traduz num pesado imposto que todos temos que pagar. O Código Penal coloca hoje nesta categoria muitas atitudes a que os portugueses estão habituados desde sempre, e que ainda não estão interiorizadas como crimes. Veja-o o caso do tráfico de influências, tido como simples ajuda entre amigos, tão “natural”.
Mas há muitas outras atitudes do dia-a-dia que denunciam este nosso comportamento e que, eventualmente por lidarmos quotidianamente com elas, quase não damos pela sua existência.
Quando vemos ruas em que os passeios estão ocupados por carros estacionados, estamos perante um exemplo dessa atitude. O passeio é de todos e destina-se aos peões. Não faz sentido que estes tenham que ir pelo meio da rua a fugir dos automóveis e muitas vezes a levar com água e lama, só porque o comodismo de uns tantos automobilistas os leva a apropriar-se do que é de todos.
A noção de que o dinheiro com que lidam é sagrado, porque vem dos impostos (um sacrifício de todos os cidadãos), também é demasiadas vezes ignorada por quem, pelas suas funções, tem que gerir dinheiros públicos e acha que eles estão ali para gastar como entende.
O grande problema (de carácter quase esquizofrénico) dos dias de hoje é que os portugueses continuam a referir-se aos representantes eleitos como “eles”, tendo-se disseminado a ideia de que existe uma justiça para poderosos e outra para pobres. Em consequência, “eles” que são todos iguais que se arranjem, enquanto nós por cá tratamos da nossa vidinha como pudermos.
Aprender a ter respeito por aquilo que é público, como sendo de todos, é muito mais do que uma atitude cívica; é essencial para a saúde da sociedade e mesmo para a efectiva consolidação do regime.

Publicado no Diário de Coimbra em 23 de Novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Um início auspicioso

Finalmente a União Europeia tem nomes para a representar nos meetings internacionais.
Presidente da UE: Herman Van Rompuy
Alta representante para a Política Externa da UE: Catherine Ashton.
Alguém os conhece? Para os altos cargos a UE continua a preferir personalidades que gerem consensos.....porque não existem politicamente.
Depois admirem-se por americanos, chineses e indianos não nos ligarem nenhuma.
Ah! E ainda outro pormenor (ou maior, não sei): foram escolhidos e não eleitos. O Tratado de Lx começa bem, não há dúvida.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

REFERENDOS

Peço imensa desculpa pela pergunta. Mas se houver referendo sobre o "casamento gay" e ganhar o sim, passa a ser aceitável por todos, ou é apenas instrumental?

JUSTIÇA (??)

Alguém sabe o que se passa com o caso "Casa Pia"? Ou continua toda a gente a ir lá uma vez por mês picar o ponto?

Tensão

O actual clima à volta do PGR faz-me lembrar a situação estranha e extrema para o regime democrático que se viveu em Dezembro de 1980, aquando da morte de Sá Carneiro. Muita gente levantava a hipótese de atentado que, a generalizar-se, poderia ter gravíssimas consequências, estando os espíritos exaltados como estavam, na altura. Freitas do Amaral e muitos responsáveis da AD vieram deitar água na fervura, pondo de lado a hipótese de atentado. Muitas dessas pessoas estariam intimamente convencidas de que foi atentado, mas negaram-no publicamente, para proteger o país.


Evangelho do dia

(Lc 19, 1-10) Naquele tempo, Jesus entrou em Jericó e começou a atravessar a cidade. Vivia ali um homem rico chamado Zaqueu, que era chefe de publicanos. Procurava ver quem era Jesus, mas, devido à multidão, não podia vê-l’O, porque era de pequena estatura. Então correu mais à frente e subiu a um sicómoro, para ver Jesus, que havia de passar por ali. Quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa». Ele desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria. Ao verem isto, todos murmuravam, dizendo: «Foi hospedar-Se em casa dum pecador». Entretanto, Zaqueu apresentou-se ao Senhor, dizendo: «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais». Disse-lhe Jesus: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido».

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

SNS

Na campanha das últimas eleições, o Serviço Nacional de Saúde foi utilizado como arma de arremesso, nas piores maneiras possíveis. Não devia: é uma área demasiado importante e sensível, a precisar de urgentes reformas. O SNS não é só uma sigla, é um sistema que providencia cuidados de saúde a todos os cidadãos. Os seus custos globais ultrapassam hoje 10% do PIB, dos quais mais de 7% são gastos pelo Ministério da Saúde.

A reforma dos últimos anos traduziu-se no encerramento de uma série de equipamentos descentralizados, com base numa tentativa de racionalização da oferta de serviços públicos. Estas mudanças compreendem-se tanto pelas limitações de recursos como pela exigência de qualidade. Evidentemente, reconhecemos que houve exageros, que levaram a situações absurdas como o nascimento de bebés portugueses no país vizinho, por falta de maternidades nacionais.

No entanto, o maior erro da reforma efectuada não foi esse episódio, e sim a falta de reforço dos hospitais que passaram a receber doentes de serviços encerrados. Também nesses imperou a regra de poupar, muitas vezes à custa de reduções de pessoal.

Integrado nos HUC, existe um serviço que é um exemplo para todo o SNS, e que, incompreensivelmente, não é replicado por todo o país. Refiro-me ao Centro de Cirurgia Cardiotorácica, dirigido pelo Prof. Manuel Antunes. Há poucos meses, tive oportunidade de lhe ouvir uma explicação sobre o funcionamento desse “Centro de Responsabilidade Integrada”, numa iniciativa da Acege - Coimbra.

Os resultados obtidos pelo Centro de Cirurgia Cardiotorácica, desde o seu início, são bem a prova de que um serviço de saúde bem dirigido, organizado em regime de autonomia com a necessária responsabilidade, pode conseguir níveis de produtividade e qualidade a níveis de excelência mundial. Naturalmente, os níveis de exigência praticados naquele Centro são também pouco vulgares entre nós, de dedicação e sacrifício ímpares.

Quiseram as circunstâncias da vida que há poucos dias eu tivesse sido operado neste Centro. Felizmente, a garantia da excepcional competência das equipas de cirurgiões é um dado adquirido, e muito ajuda à confiança com que os doentes se submetem aos tratamentos. Mas o que verdadeiramente mais me impressionou foi algo que infelizmente rareia cada vez mais nos hospitais públicos. A dedicação aos doentes por parte de todos os profissionais, o carinho mesmo com que todos são tratados desde que entram até que saem do Centro, é exemplar. Ultrapassa em muito o dever de exercer as funções de cada um com competência e dedicação, desde auxiliares a cirurgiões, passando pela equipa de enfermagem: corresponde a uma atitude que é resultado da escolha adequada de pessoas, de organização e de um espírito colectivo que se constrói. Verifiquei, por exemplo, que não existem naquele serviço períodos em que os doentes se sintam menos acompanhados. O serviço responde sempre às necessidades dos doentes, sem a menor negligência.

Hoje, o Centro de Cirurgia Cardiotorácica de Coimbra prova que, dentro do SNS, é possível obter soluções com produtividade e qualidade, que promovam a humanização do tratamento dos doentes, combatendo ineficiências e desperdícios, que tão caros nos ficam a todos.

Publicado no Diário de Coimbra em 16 de Novembro de 2009