Na campanha das últimas eleições, o Serviço Nacional de Saúde foi utilizado como arma de arremesso, nas piores maneiras possíveis. Não devia: é uma área demasiado importante e sensível, a precisar de urgentes reformas. O SNS não é só uma sigla, é um sistema que providencia cuidados de saúde a todos os cidadãos. Os seus custos globais ultrapassam hoje 10% do PIB, dos quais mais de 7% são gastos pelo Ministério da Saúde.
A reforma dos últimos anos traduziu-se no encerramento de uma série de equipamentos descentralizados, com base numa tentativa de racionalização da oferta de serviços públicos. Estas mudanças compreendem-se tanto pelas limitações de recursos como pela exigência de qualidade. Evidentemente, reconhecemos que houve exageros, que levaram a situações absurdas como o nascimento de bebés portugueses no país vizinho, por falta de maternidades nacionais.
No entanto, o maior erro da reforma efectuada não foi esse episódio, e sim a falta de reforço dos hospitais que passaram a receber doentes de serviços encerrados. Também nesses imperou a regra de poupar, muitas vezes à custa de reduções de pessoal.
Integrado nos HUC, existe um serviço que é um exemplo para todo o SNS, e que, incompreensivelmente, não é replicado por todo o país. Refiro-me ao Centro de Cirurgia Cardiotorácica, dirigido pelo Prof. Manuel Antunes. Há poucos meses, tive oportunidade de lhe ouvir uma explicação sobre o funcionamento desse “Centro de Responsabilidade Integrada”, numa iniciativa da Acege - Coimbra.
Os resultados obtidos pelo Centro de Cirurgia Cardiotorácica, desde o seu início, são bem a prova de que um serviço de saúde bem dirigido, organizado em regime de autonomia com a necessária responsabilidade, pode conseguir níveis de produtividade e qualidade a níveis de excelência mundial. Naturalmente, os níveis de exigência praticados naquele Centro são também pouco vulgares entre nós, de dedicação e sacrifício ímpares.
Quiseram as circunstâncias da vida que há poucos dias eu tivesse sido operado neste Centro. Felizmente, a garantia da excepcional competência das equipas de cirurgiões é um dado adquirido, e muito ajuda à confiança com que os doentes se submetem aos tratamentos. Mas o que verdadeiramente mais me impressionou foi algo que infelizmente rareia cada vez mais nos hospitais públicos. A dedicação aos doentes por parte de todos os profissionais, o carinho mesmo com que todos são tratados desde que entram até que saem do Centro, é exemplar. Ultrapassa em muito o dever de exercer as funções de cada um com competência e dedicação, desde auxiliares a cirurgiões, passando pela equipa de enfermagem: corresponde a uma atitude que é resultado da escolha adequada de pessoas, de organização e de um espírito colectivo que se constrói. Verifiquei, por exemplo, que não existem naquele serviço períodos em que os doentes se sintam menos acompanhados. O serviço responde sempre às necessidades dos doentes, sem a menor negligência.
Hoje, o Centro de Cirurgia Cardiotorácica de Coimbra prova que, dentro do SNS, é possível obter soluções com produtividade e qualidade, que promovam a humanização do tratamento dos doentes, combatendo ineficiências e desperdícios, que tão caros nos ficam a todos.
Publicado no Diário de Coimbra em 16 de Novembro de 2009
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