A evolução a longo prazo das sociedades é algo que escapa ao voluntarismo de atitudes e mesmo acções, por mais bem intencionadas que elas sejam. O mesmo acontece com as Cidades. Neste caso, o planeamento é crucial para impedir grandes males, mas é frequentemente incapaz de promover evolução num ou noutro sentido, havendo inevitabilidades a que não se consegue fugir, por mais ilógicas e injustas que pareçam ser. As últimas décadas foram particularmente infelizes no que toca ao desenvolvimento das nossas cidades, que muitos frequentemente confundem com crescimento. Isto apesar de nunca se ter falado tanto de Planos, seja a nível local, regional ou mesmo nacional. O que é facto é que as cidades cresceram sem limites, criando enormes manchas de ocupação nova e abandonando os seus centros antigos. Isso reflectiu-se na própria vivência dos seus habitantes. As viagens casa-trabalho e casa-lazer ou mesmo para compras tornaram-se mais longas e obrigaram à utilização do automóvel para tudo. Foi assim que os centros comerciais se tornaram atractivos, principalmente porque facilitam o acesso automóvel aos seus clientes; Claro que, para além disso, apresentaram outros aspectos, como a novidade de lojas de cadeias até então inexistentes nessas cidades, o tratamento de ar criando um ambiente artificial mas agradável durante todo o ano, o conceito de lojas âncora, etc.
Em paralelo, os centros urbanos foram perdendo atractividade, com consequências na perda de valor dos edifícios existentes, na rarefacção de moradores, na consequente degradação económica e social e, no fim, no afundamento do comércio de rua. Para isso é hoje evidente que contribuíram igualmente uma pedonalização excessiva e mal estudada dos centros urbanos, mais virada para o turismo do que para a comodidade dos moradores e comerciantes, bem como as leis das rendas, antigas e actual, desadequadas a uma utilização socialmente eficiente do edificado existente.
Não há hoje dúvidas de que a aposta nacional na construção civil através do crescimento urbano se reflectiu no abandono dos centros urbanos, através de uma relação entre reabilitação do edificado e construção nova que de tão baixa que é, constitui caso único na Europa (7% entre nós, contra um média europeia de 36%). É ainda certo que boa parte da nossa dívida externa está enterrada nessa construção civil nova das últimas décadas, verdadeiramente absurda.
Felizmente, os centros urbanos começam hoje a suscitar uma atenção nova por parte dos diversos intervenientes, sinal seguro de uma mudança que trará novos tempos que só poderão ser melhores. Desde logo, a própria crise económica que vivemos favorecerá a mudança do paradigma da construção nova para a renovação urbana. A alteração do clima de consumismo para hábitos de maior poupança leva a que muitos consumidores evitem os centros comerciais que facilitam as compras desnecessárias. Os agentes económicos estão também a mudar os seus comportamentos. Para além de já não apresentarem o carácter de novidade para os compradores, os centros comerciais terão atingido entre nós o nível de saturação de área de oferta, começando a apresentar muitos espaços de lojas fechadas. A nova preferência de alguns retalhistas pelo comércio de rua em vez dos centros comerciais é já um facto nas principais cidades e deverá alastrar às cidades médias, "puxando" pelo comércio já instalado que deverá, obviamente, acompanhar a qualificação da sua oferta. Cabe agora nestas novas circunstâncias, às entidades públicas, aos comerciantes e suas associações darem as mãos e aproveitar este clima com respostas conjuntas para uma revificação dos centros urbanos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Agosto de 2011