Com os sacrifícios generalizados que agora começam a ser mais evidentes em
alturas de pagamentos de IRS, de férias sem subsídios e de níveis de desemprego
nunca vistos, Portugal lá vai prosseguindo na tarefa difícil de tentar
recuperar a credibilidade internacional para se poder financiar por si próprio.
Entretanto, a nossa comunicação social parece ter entrado em pura
esquizofrenia, abandonando a realidade e saltando alvoroçadamente da Ongoing
para a Impresa, do Freeport para o FaceOculta, das agências de rating para o
bispo incendiário das Forças Armadas, do vaticanleaks para o Euro 2012, das
Secretas que temos para o Público e por aí fora.
Bem pode o Tribunal de Contas vir agora dizer que o SNS aumentou a dívida
em 117% entre 2008 e 2010 com a simpática ministra Ana Jorge, que isso não
interessa para nada, nem sequer que esse aumento fosse apenas devido a
contratos e parcerias e não a melhoria dos serviços prestados. Bem pode o
Tribunal de Contas aprovar relatórios, por unanimidade, sobre as parcerias
publico privadas rodoviárias denunciando que lhe foram escondidas despesas de
700 milhões de euros, que isso não interessa para nada, face à “notícia” do
“aparecimento” de relatórios inexistentes de um juiz desconhecido em cacifos de
deputados da Assembleia da República, imagine-se. Bem pode “descobrir-se” que
Portugal comprou créditos de CO2 por dezenas de milhões de euros, que não fazem
falta nenhuma, que isso não é notícia.
Que todos os sacrifícios que os portugueses fazem tenham já como resultado
que, segundo o INE, a Procura Interna esteja pela primeira vez há dezenas de
anos a praticamente coincidir com o PIBpm, numa evolução drástica desde meados
de 2011 com tudo o que isso significa em termos de base para a nossa recuperação
económica, também não é notícia.
Mas, pior que tudo, também não é notícia o que se passa na União Europeia a
que pertencemos. Quem ler a nossa imprensa pensará que tudo se resumirá a uma
questão: os que querem o bem do povo defendem o crescimento e os que querem o seu
mal, defendem a austeridade. A esta simplicidade se resume, entre nós, a
discussão sobre o futuro da Europa.
Isto quando, de facto, o tempo se esgota para a Europa tomar decisões
cruciais. O mapa da cise europeia parece o dos fogos de verão que alastram por
todo o sul, desde a Grécia à Península Ibérica. Ou a Europa do Euro se afunda,
o que sucederá se não se fizer nada, isto é, se se continuar a tentar resolver
os problemas dos países um a um, ou muda de caminho com decisão. Não nos venham
convencer com mais “compromissos para crescimento e emprego” e mentiras
semelhantes ao célebre “compromisso de Lisboa”. Não chega fornecer dinheiro aos
bancos a boas condições como o BCE fez de forma maciça em Dezembro e Fevereiro,
apenas aliviando os sintomas do mal de forma temporária. Não basta pedir
eurobonds, é preciso avançar com determinação pela integração orçamental e
fiscal mínimas que sustentem uma resposta europeia, que incluirá naturalmente
as obrigações de dívida comuns. O atraso nessa resposta está a fazer subir os
custos da solução a níveis que um dia destes serão absolutamente
incomportáveis. A Directora do FMI Christine Lagarde já propõe que se fechem os
políticos numa sala até que concordem num plano, recordando o que J.P. Morgan
fez com os colegas banqueiros em 1907, até acertarem todos numa solução.
O medo generalizado e justificado de um “super-estado” tem tolhido os
responsáveis políticos europeus, impedindo-os de avançar um pouco que seja no
caminho da federalização mínima necessária, continuando-se a meio do caminho da
criação do euro, erro original que está na base de tudo o que se passa.
Mas chegou-se a um ponto em que ou se avança na federalização, com perda
voluntária de mais soberania, inclusive por parte da Alemanha, ou se assistirá
em breve ao desmantelamento do euro, que ninguém imagine que possa ocorrer de
forma coordenada e pacífica. Residirá, porventura, no medo de partilha de
soberania por parte da Alemanha, a razão de ser da falta de apoio de Merkel ao
caminho da federalização, ainda que mitigada, como deverá ser. Sucede que os
povos do sul começam a sentir esse medo doutra maneira, isto é, como vontade
imperialista de impor regras, o que, atendendo à História dos últimos cem anos
até compreende facilmente. E isso poderá impedir definitivamente uma solução
justa e duradoura.
A Europa está
na encruzilhada e tem de optar. Urgentemente.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Junho de 2012