segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Coimbra, menina e moça



“Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava”
Bernardim Ribeiro em “Menina e Moça”

Certamente não por acaso, Coimbra tem um efeito algo estranho em muitos dos que nela vivem. Por vezes quase parece mesmo uma relação amor/ódio.
Não deve haver muitas cidades em que durante a maior parte do tempo os moradores digam tão mal dela, como Coimbra. Desde que me conheço que ouço a mesma ladainha do parado no tempo, do fim das indústrias, dos malvados shoppings onde todos acabam por ir, da velha universidade, da comparação negativa com as outras cidades da região, etc. etc.
Depois, repentinamente, surgem picos do que parece ser um acrisolado amor, como quando surge algum ranking a colocar a Universidade de Coimbra como a melhor portuguesa, o que até acontece quase todos os anos, mas esses entusiamos são de curta duração, logo se passando à mesma lamúria de sempre.
Conheço na nossa cidade pessoas que são do melhor que há, tanto em termos de capacidade profissional, como de espírito livre e disponibilidade para participar em tudo o que possa ajudar a um futuro melhor. Isto independentemente de opções ideológicas e mesmo partidárias. Um certo realismo e até experiência de vida, diz-nos que uma adequada e profícua gestão do dia-a-dia integrada numa visão estratégica exige dos intervenientes ideias claras em termos de opções políticas, mas também uma experiência e formação profissional que permitam ultrapassar a floresta de dificuldades que a complexa organização social e política hoje apresenta.
Claro que, como em todo o lado, também cá há muita gente que em vez de assimilar aqueles dois aspectos, apenas consegue fazer vincar apenas um deles, seja o político ou o técnico. É assim que vemos pessoas com grandes capacidades profissionais, mas sem a mínima ideia do que é uma intervenção política. E há também o oposto, que ainda é mais notório, através de intervenções políticas algo estridentes, mas qualquer continuidade no tempo, para além dos tais picos muito conspícuos.
A proximidade das escolhas das candidaturas autárquicas provoca muitos frémitos de emoção e necessidade de picar o ponto na comunicação social. Nada que nos deva espantar ou chocar, porque todos têm direito aos seus desejos e às suas ambições políticas. A sociedade, incluindo partidos, deve é ter consciência de que boa parte destas atitudes não são mais do que provas de vida, já que durante todo o resto do tempo os seus autores tratam calmamente das suas vidas, não se lhes detetando qualquer resquício de intervenção social ou política.
Coimbra dispensa bem aquela atitude que Bernardim Ribeiro tão bem descrevia no seu romance, de paixões amorosas a necessitar dos tratamentos ou remédios de amor prescritos por Ovídio na sua “arte de amar”. Ao contrário, necessita muito mais de quem sabe, quer e trabalha.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Notícias de (o) Eucaliptal




Quem viaja hoje pelo norte de Portugal, seja pelo litoral, seja pelo interior, não pode deixar de se impressionar com a  enorme superfície ocupada pela plantação de eucaliptos. Se ainda não se pode dizer que se trata de uma monocultura, já não anda muito longe disso. Nas últimas dezenas de anos o eucalipto tem vindo a substituir paulatinamente o pinheiro bravo como paisagem habitual das nossas zonas florestais.
O eucalipto tem características que o diferenciam das outras espécies arbóreas a que estamos habituados. Em primeiro lugar, é claramente uma espécie exótica. Isto é, o seu plantio em larga escala traduz uma alteração profunda nos nossos ecossistemas, o que inclui não só a área vegetal, mas também tudo o que respeita aos animais que vivem nas florestas, desde os insectos, às aves e mamíferos, sendo a biodiversidade prejudicada através do empobrecimento dos ecossistemas locais. Daqui resulta que a sua monocultura é muito prejudicial para o equilíbrio ecológico do país, com profundas implicações futuras, inclusive económicas.
Depois, trata-se de uma espécie que cresce muito depressa, pelo que consome muita água.
Por outro lado, curiosamente, o eucalipto é aquela espécie vegetal que mais beneficia com os incêndios que, desgraçadamente, todos os verões faz desaparecer boa parte das nossas manchas florestais. Após os incêndios, os eucaliptos nascem espontaneamente nas áreas ardidas, ocupando cada vez mais espaço que anteriormente era de outras espécies.
Muitos ecologistas começam hoje em dia a deixar de atacar o plantio de eucaliptos ou mesmo a defendê-lo ainda que de forma algo tímida, mas significativa pela mudança de posição. De facto, com o aquecimento global, o maior problema ecológico que se põe hoje à escala global terá a ver com o excesso de anidrido carbónico na atmosfera. Sendo assim, o aumento de área de florestas e, fundamentalmente, a escolha de espécies de crescimento rápido que proporcionam um grande sequestro de carbono durante o seu crescimento o que é o caso, precisamente, do eucalipto, será uma necessidade contemporânea.
Estamos no mesmo país em que uma árvore é protegida, e bem: o sobreiro. Só que neste caso se vai ao extremo de fazer depender de despacho ministerial o corte de uma pequena árvore solitária que surge no meio do caminho de uma estrada para um serviço público de reconhecido interesse.
Como em tudo na vida, um equilíbrio ponderado será a melhor solução que deverá respeitar sempre a sustentabilidade, isto é, não deverá colocar o futuro em causa.
Num momento em que se fala na liberalização do plantio de eucalipto em Portugal, é caso para dizer: já chega; limite-se é com veemência a plantação de novos eucaliptais. Não é preciso ser muito observador nem um grande cientista de biologia para perceber que o eucalipto está hoje em dia prestes a ser uma monocultura florestal em Portugal, transformando o país num gigantesco “eucaliptal”. Não se questiona o interesse económico do eucalipto. O que já começa a estar em causa é o próprio equilíbrio ecológico nacional e esse é um valor que todos temos obrigação de preservar para as gerações futuras.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra

domingo, 9 de setembro de 2012

César das Neves ao "i"


Os bancos dizem que têm dinheiro...
Mas têm medo. O terceiro elemento é a própria economia, que está muito frágil. Num momento em que há muita desconfiança internacional sobre a banca, muita desconfiança específica sobre Portugal, têm medo de emprestar. Mas um aspecto novo, que já aconteceu mas que está a voltar e num clima completamente diferente, é o que me preocupa mais: temos outra vez a banca no bolso do Estado. Resultado do último consulado Sócrates – e é preciso ver que o sistema português cabe num táxi, qualquer dia até o banco de trás do táxi chega –, as empresas desses grupos, sendo algumas indiscutivelmente privadas, como o Banco Espírito Santo, emprestaram dinheiro ao Estado porquê? Porque é que o BES emprestou tanto, se sabia que era uma estupidez? Esta nova influência política, descarada numa altura em que o mundo é completamente diferente, em que a Europa está toda aberta financeiramente, assusta-me.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

21 Julho 1969, 02:56 GMT



O momento em que Neil Armstrong poisou o pé na superfície lunar fica para sempre registado na História da Humanidade como um dos mais importantes e significativos.
Tinham passado oito anos desde que John Kennedy havia estabelecido o objectivo de levar um homem à Lua e trazê-lo são e salvo para a Terra, antes que a década de 60 terminasse, cumprindo-se assim a promessa feita pelo presidente americano perante o Congresso.
Não foi fácil fazê-lo. Custou muito dinheiro e exigiu o trabalho de mais de 400.000 pessoas durante anos a fio, sem os meios tecnológicos, essencialmente os informáticos, de que se dispõe hoje. Após a Apollo 11, houve ainda várias missões que levaram homens à Lua, sendo a última a Apollo 17 em Dezembro de 1972, faz este ano 40 anos!
Foram feitas muitas comparações com as viagens marítimas dos portugueses, inclusive pelos próprios astronautas que tiveram aquela sensação assustadora de partir para o desconhecido sem ter o regresso por certo. A comparação é ainda mais acertada porque, ao contrário do que muitos ainda hoje pensam, as viagens portuguesas foram meticulosamente preparadas, exigiram muitos esforços e grande capacidade organizativa, além da utilização intensiva de todo o conhecimento científico disponível à época.
Aquela noite de Julho de 1969 é também uma recordação pessoal gravada indelevelmente na memória. A transmissão da televisão durou muitas horas e ainda bem novo fiquei acordado à espera do momento crucial da saída de Armstrong e Aldrin para a superfície lunar, o que sucedeu já bem depois das 3 da madrugada, altura em que acordei todo o resto da família. Foi uma viagem vista em directo por todo o mundo. Desde o lançamento do gigantesco foguetão Saturno V em 16 de Julho, até à descida no Oceano Pacífico em 24 de Julho, passando pelo passeio de mais de duas horas na superfície lunar, centenas de milhões de pessoas tiveram a oportunidade de seguir a viagem pela televisão.
Sabemos hoje dos pormenores da descida do Módulo Lunar “Eagle” desde a separação do Módulo de Comando “Columbia” onde ficou Collins a observar e a aguardar o regresso dos dois companheiros de viagem. Neil Armstrong pilotou o “Eagle” na descida e antes que o combustível acabasse teve de encontrar um local seguro para poisar, enquanto os computadores de bordo emitiam sinais aflitivos de mau funcionamento, que lhe provocaram mais de 156 batidas do coração. Foi um momento chave em que a experiência e formação excepcional de piloto de Armstrong salvaram toda a missão. A frase que proferiu quando pisou a Lua e que ficou célebre (um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade) terá vindo à sua cabeça precisamente naqueles momentos de aflição antes do pouso do “Eagle” na superfície lunar e é de uma felicidade espantosa na sua simplicidade.
Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a Lua. Morreu agora. Foi um exemplo, não só pela coragem, sangue frio e determinação em momentos de tensão extrema, mas também pela humildade com que viveu todo o resto da sua vida, recusando honrarias e exposições mediáticas, salientando sempre que, além dele, muitos contribuíram para o sucesso da missão.
Depois da Apollo 17, nunca mais nenhum homem voltou a pisar a Lua. Grandes progressos científicos, inclusivamente na astronáutica se verificaram depois disso, mas o facto é que as novas gerações nunca tiveram a experiência de olhar para o nosso satélite natural, com a consciência de haver lá homens a trabalhar e a representar toda a Humanidade em missões exclusivamente científicas e de paz. Sensação estranha mas simultaneamente propiciadora de esperança no futuro da Humanidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Setembro de 2012

terça-feira, 28 de agosto de 2012

REGRESSOU A TROIKA


Regressou a Troika.
Para verificar se continuamos a empobrecer de acordo com as regras.
E para me lembrar sempre de agradecer todos os dias a quem os chamou, 



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Construir uma Cidade com História


Brasília foi construída do nada nos anos 50 e 60 do século passado, sob o impulso do Presidente Kubitschek de Oliveira, segundo um plano urbanístico de Lúcio Costa e tendo os edifícios mais marcantes a assinatura de Oscar Niemeyer.
Há poucos exemplos de cidades construídas assim apenas a partir de uma ideia e de um terreno vazio. Teoricamente, têm tudo para dar certo. Quem já foi a Brasília sabe que isso não é verdade. Para além do artificialismo e mesmo de um formalismo demasiado pesado, para uma cidade com menos de 100 anos, aparece-nos surpreendentemente velha e gasta. Mesmo os edifícios governamentais que aparecem tão bonitos nas fotografias surgem já, quando vistos mais de perto, com um ar sujo e pouco brilhante.
O que se dirá de uma cidade como Coimbra? Que é muito mais que o resultado do sonho de um homem. Coimbra não nasceu ontem. Antes de o ser já era Aeminium. Isso muito antes de um jovem rebelde ter resolvido pegar na História com as suas mãos e, mal ou bem, ter separado para sempre o Condado Portucalense da Galiza virando-se para Sul para construir um País, conquistando-o aos mouros.
O jovem que se fez Rei começando por lutar contra a própria Mãe, fez de Coimbra a primeira capital do seu Reino e foi nesse preciso momento que a História da nossa Cidade se começou a confundir com a História de um Portugal então nascente.
Nós, os que cá estamos hoje, tenhamos ou não responsabilidades públicas, somos apenas um momento fugaz na história da nossa Cidade. Isso não diminui o nosso papel, antes pelo contrário. Torna-nos responsáveis por um legado antiquíssimo que temos que transmitir aos que haverão de vir depois de nós. Da forma como o melhorarmos ou não dependerá a qualidade de vida das futuras gerações de conimbricenses.
Caímos muitas vezes na tentação de dizer que vamos definir o futuro, falamos mesmo demasiadas vezes num “homem novo”, temos a arrogância de imaginar que, com o poder, poderemos construir uma cidade nova.
Nada de mais errado, convenhamos, pelos desgraçados exemplos históricos que conhecemos. Mas cair na posição contrária não é melhor. Uma veneração estática do passado tantas vezes consequência de um conhecimento aprofundado pelo estudo universitário, mas acompanhada por uma incapacidade de provocar mudança e evolução, equivale a parar no tempo, transformando a cidade num museu de pedras mortas.
Isto é, construir uma cidade como Coimbra nos dias de hoje, exige, para além de um respeito pelo passado baseado num conhecimento histórico estruturado, uma compreensão do mundo actual e, fundamentalmente, uma grande vontade de acompanhar as mudanças e capacidade para “Fazer”.
Coimbra nem pode ter vergonha de si mesma e do seu passado, nem pode deixar de ter capacidade de se afirmar de uma forma orgulhosa por tudo o que de bom e progressivo possui nos dias de hoje, impondo-se numa grande região beirã que só espera isso mesmo de nós.
Aqui está a chave para a resolução de todos e cada um dos problemas sectoriais da nossa Cidade, quer na área da Cultura e do Turismo, quer na área do desenvolvimento sócio-económico, quer na gestão do território. O facto de todo o país atravessar um momento particularmente difícil, só nos pode encorajar a utilizar de forma consequente o legado do passado com os meios do presente, encontrando novas soluções para problemas velhos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Agosto de 2012

sábado, 25 de agosto de 2012

Neil Armstrong

Há quarenta anos fiquei agarrado à televisão para ver os primeiros homens na Lua. Neil Armstrong faz parte do meu "eu" e morreu hoje.