Na guerra de
Tróia, perante a impossibilidade de ocupar aquela cidade com os meios bélicos
de que dispunham, os Gregos usaram de um estratagema. Fingindo que levantavam o
cerco, afastaram-se deixando um grande cavalo de madeira para trás. Os troianos
convenceram-se de que estavam finalmente salvos, trazendo o cavalo para dentro
das muralhas e celebrando a vitória com abundante utilização de álcool.
Enquanto descansavam dos festejos, soldados gregos saíram do cavalo, abriram os
portões da cidade e permitiram finalmente a entrada do exército grego que assim
destruiu Tróia.
Há cerca de uma
semana, as eleições gregas alteraram profundamente a correlação de forças
políticas no país. O Syriza, um bloco radical formado por diversas tendências
de extrema esquerda, à semelhança do português “Bloco de Esquerda”, obteve
36,3% dos votos expressos, quando em 2012 tinha obtido 26,9%. O partido Socialista
Grego chamado PASOK que em 2009 tinha mais de 40% dos votos, depois de ter
estado anos a fio no poder e se ter visto forçado a chamar a Troika, viu-se
agora reduzido à quase extinção, com 4,7% dos votos, depois de ter tido 12,3%
em 2012. O partido de centro direita “Nova Democracia” passou de 29,7% em 2012
para 27,8% nestas eleições. A abstenção teve um valor superior ao dos votos no
Syriza. As alterações eleitorais mais expressivas têm portanto a ver com a
subida do Syrisa em quase 10%, a descida a pique do partido Socialista PAZOK em
quase 8% e numa grande abstenção.
Claro que, quando
há eleições democráticas, a Democracia ganha sempre. Ao contrário do que se viu
por toda a comunicação social e nos comentários à esquerda mas
surpreendentemente também à direita, não é por o Syriza ter ganho as eleições
que a Democracia venceu; nas eleições anteriores também ganhou e ganhará nas
próximas eleições qualquer que seja o resultado, se as houver, claro.
O Syriza ganhou, propondo
aos gregos um programa chamado anti-austeridade, que basicamente atira para o
caixote do lixo todos os compromissos assumidos anteriormente pela Grécia, com
vista a levar os índices das suas finanças públicas para dentro dos limites
determinados pela União Europeia, em termos essencialmente de dívida pública e
de défice orçamental. Entre as promessas do Syriza, contavam-se o aumento do
salário mínimo de 580 para 751 euros, a abolição de taxas na saúde, a
electricidade gratuita para 300.000 lares, a recontratação de 10.000
funcionários públicos, reposição de subsídios aos pensionistas, etc. Claro que
ainda incluíam o perdão substancial da dívida pública grega, sujeitando o
pagamento da restante ao crescimento económico, a inclusão de um período de
carência no pagamento da dívida, a exclusão do investimento público das
restrições do pacto de estabilidade e crescimento, etc. Estas últimas não
dependem, obviamente do governo grego e sim dos parceiros europeus que teriam
de pagar todo esse dinheiro para a Grécia voltar a ter a “qualidade” de vida
que tinha antes da negociação com a Troika lhe ter levado a austeridade.
Relembra-se que a Grécia já beneficiou de dois resgates que ascendem a 240 mil
milhões de euros, beneficia das taxas de juro mais baixas de toda a periferia e
obteve um corte de metade da dívida pública detida por entidades privadas.
Apesar do estranho
sistema eleitoral grego que “oferece” 50 deputados ao partido mais votado, o
Syriza não conseguiu uma maioria no parlamento, pelo que rapidamente se
entendeu com outro partido, o “Anel” para atingir a maioria e formar governo. O
Anel é considerado como um partido de extrema-direita, sendo o seu líder que
ocupou o cargo de ministro da Defesa um conhecido xenófobo, homofóbico e
antissemita.
A coligação a que
muitos amigos do Syriza entre nós consideraram uma prova de “pragmatismo” não é
mais do que a forma de levar a Grécia a sair do Euro e mesmo da União Europeia,
atirando com a responsabilidade dessa saída para a própria união, para os
neo-liberais, mercados, etc. De facto, a coligação tem um cimento, que é a luta
contra o Euro e a União Europeia e tudo o que significam. A chantagem que já
começaram a fazer à União só poderá ter o fim que todos adivinhamos, já que os
restantes europeus não aceitariam a injustiça de se sacrificarem para o
conforto dos gregos: por exemplo, nós os portugueses teríamos que pagar cada um
mais de 500 euros para o perdão da dívida grega assumida por Portugal.
O actual governo
Grego constitui-se num verdadeiro cavalo de Tróia na União Europeia e o seu fim
é abrir a porta à destruição da União. Os gregos têm todo o direito a decidir o
seu futuro, que pode passar por sair da União Europeia, se assim o desejarem.
Não têm é o direito de amarrar o futuro de toda a União europeia aos seus
desejos.