Da imensa confusão
decorrente do “Brexit” Theresa May surgiu como primeira-
ministra do Reino
Unido, após a demissão de David Cameron. Ninguém, de entre os conservadores defensores
da saída do Reino Unido da União Europeia, conseguiu resistir às lutas intensas
que se seguiram ao resultado algo surpreendente do referendo de 23 de Junho de
2016. O extravagante antigo Mayor de Londres Boris Johnson, líder do grupo
conservador que pretendia a saída, viu afundarem-se as suas expectativas de ser
escolhido primeiro –ministro quando o seu companheiro de longa data e suposto
apoiante Michael Gove informou avançar ele próprio com a candidatura por achar
Johnson incapaz para exercer esse cargo. Claro que ficaram ambos pelo caminho,
abrindo a porta a Theresa May que, curiosamente, tinha declarado a sua opção
pela manutenção do Reino Unido na EU, embora com algumas nuances no que
respeita à imigração.
Theresa May foi em
tempos uma crítica da substituição de Tony Blair por Gordon Brown sem recurso a
eleições gerais pelo que, a bem da coerência, deverá convocar eleições dentro
de menos de um ano.
Até porque os trabalhistas estão a atravessar uma das
maiores crises de sempre do seu partido, com grande maioria dos seus
parlamentares a exigir a saída imediata do líder Jeremy Corbyn que consideram
der totalmente incapaz para o cargo. Corbyn recusa-se a sair porque argumenta
com outro facto real, que é o apoio da maioria dos militantes trabalhistas e,
entretanto, o histórico partido Trabalhista arrisca-se a desaparecer da cena
política, dado que as dissensões são, na realidade, profundamente políticas e
não apenas de personalidades. O outro político que se distinguiu no apoio à
saída, Nigel Farage do Partido da Independência, resolveu desaparecer da cena
política, depois de declarar ter conseguido aquilo por que lutou durante quase
vinte anos, isto é, a saída do reino Unido da União Europeia.
Parece assim que
Theresa May não deverá ter grandes dificuldades em obter êxito. A não ser…
A não ser que qualquer
uma das grandes questões que enfrenta lhe tragam dificuldades insuperáveis. Ou
mesmo todas juntas, de acordo com o princípio de Peter. E elas são muitas.
Desde logo a que a levou ao cargo de primeira-ministra. A saída da União
Europeia deverá mesmo acontecer, ao contrário de alguns que imaginam que tal
poderá ser evitado. E a saída da U.E. terá que seguir as regras do Tratado de
Lisboa (o tal do “porreiro pá”), designadamente o estabelecido no seu agora
famoso Artº 50 que se pensava nunca vir a ser utilizado. E os termos finais da
saída não são estabelecidos pelo Estado que abandona e sim pelo voto dos
Estados que ficam (entre eles, lembra-se, estão a Polónia, a Roménia, a Hungria
e os estados bálticos que não deixarão de zelar pelos seus interesses). A
escolha de Boris Johnson para responsável dos Negócios Estrangeiros pode
parecer uma jogada brilhante mas, muito provavelmente, funcionará ao contrário.
O novo secretário dos N. Estrangeiros é de opinião que uma saída num estatuto
semelhante ao da Noruega será a melhor solução, mas o erro não poderá ser maior.
A Noruega paga para ter acesso ao mercado único e o reino Unido já foi avisado
de que não haverá negociações prévias à invocação do Artigo 50 e, mais
importante ainda, sem circulação de pessoas não haverá circulação de bens. A
U.E. nunca permitirá ao Reino Unido ter as vantagens que pretende sem ter os
custos inerentes. A posição da Escócia pode ser outro imbróglio, dado não
pretender abandonar a União Europeia, podendo mesmo abandonar o Reino Unido,
apesar do referendo de 2014, porque muitos escoceses escolheram permanecer no Reino
Unido no pressuposto deste se manter na União Europeia. Para não falar da
Irlanda, devendo-se recordar que o Acordo da Sexta Feira Santa de 1998 que
trouxe a paz à Irlanda do Norte teve um grande papel da União Europeia. Além de
que repor fronteiras entre as duas Irlandas não seria uma grande iniciativa
para a Ilha da Irlanda. Por outro lado, começa agora a ter-se uma noção mais
clara do desastre económico para o Reino Unido, consequência da saída da U.E.
Ao voto do Reino
Unido pela saída da União Europeia seguiu-se um vendaval de manifestações de
desejo de realização de referendos nos mais variados países, por parte dos
eurocépticos de sempre, sejam de extrema-esquerda, sejam de extrema-direita.
Tudo isto será tido em conta nas posições dos negociadores europeus que não
deverão facilitar a vida a Theresa May e ao seu governo, por mais que ela seja
conhecida como uma negociadora dura. No fim de contas, foi o Reino Unido que
resolveu sair, contra a vontade mais que manifesta por todos os outros países
da União Europeia.