A ética na política é uma questão tão antiga que
já Aristóteles, na obra sobre a Ética que dedicou a seu filho Nicómaco se debruçou
sobre ela. Perguntava-se o filósofo se um político pode ter sucesso (ganhar
eleições) e exercer o poder, qualquer que seja o tipo de poder, e ser
simultaneamente “boa pessoa”. Trata-se da eterna questão de os meios
justificarem os fins ou, em termos actuais, o bem conhecido “rouba, mas faz”. Já
Maquiavel foi direito ao assunto, atacando os moralistas que nos querem fazer
crer que os líderes devem ser generosos, agradecidos e fiéis como os que nos
dias de hoje nos querem fazer crer que os líderes políticos devem ser, acima de
tudo bonzinhos, simpáticos e fazerem o que aqueles que têm acesso aos meios
dizem que é bom.
Claro que a ética só pode ser pessoal, a sua
definição tem variado ao longo dos tempos e desenvolve-se para cada qual de
forma diferente, não podendo ser imposta por alguém que se coloque no alto de
um pedestal que imagine conferir-lhe uma superioridade moral sobre os outros
cidadãos.
A ética na política surge em dois planos
diferenciados, mas que se interpenetram, por os actores serem frequentemente os
mesmos, o plano intra-partidário na actuação que leva à conquista do poder
dentro dos partidos e no plano mais público através da governação da coisa
pública que se segue às eleições. Não podemos imaginar que, quem dentro dos
partidos tem a sua “virtude” aristotélica caracterizada de uma determinada
maneira vá, posteriormente, alcançar a sua “felicidade” pelo uso do poder, de
forma essencialmente diferente.
A corrupção na vida partidária manifesta-se pelo caciquismo
da compra de sindicatos de votos, a inscrição de amigos aos magotes cuja única
actividade política é irem votar, o pagamento de quotas por atacado, o
transporte de militantes aos locais de voto, o controlo visual dos votantes à
porta das secções de voto, etc. Este etc. contém ainda outras e mais graves
actividades do que as antes descritas que, apesar de tudo, são mais ou menos
visíveis para quem quiser ver. Abrange o mundo subterrâneo da montagem e
propagação de mentiras sobre os adversários, colocar toupeiras nas listas dos
mesmos adversários ou roubar-lhe elementos à lista e outras coisas ainda menos
confessáveis que normalmente se encontram nos livros de John Le Carré e não em
manuais de ciência política. A juntar a tudo isto só falta mesmo clamar por
mais ética.
Existindo actividades destas no interior dos
partidos, ninguém se pode admirar que, quando no poder, alguns políticos
desenvolvam formas mais ou menos obscuras de relacionamento com o mundo
empresarial onde também se movem personagens com idêntica visão do mundo. O
caso do antigo Primeiro Ministro Sócrates a contas com a Justiça juntamente com
aquele que era até há poucos anos o epítome da finança Ricardo Salgado e os
gestores premiados de grandes empresas como os da PT é apenas a parte à vista
do grande iceberg que é a corrupção na política em Portugal. E, embora agora dê
jeito a muitos não lembrar isso, nenhum daqueles célebres arguidos trabalhou
sozinho nas suas áreas da governação, da finança e da economia. Recordo, aliás,
como tanta gente se baixava reverentemente à importância e poder desses
personagens dignos de um verdadeiro “ancien régime” transportado para o Séc.
XXI numa demonstração grotesca de subserviência generalizada ao poder e ao
dinheiro, dificilmente aceitáveis numa democracia plena. Não muito longe disto anda
também a recente eleição de um presidente de Câmara depois de estar preso
durante alguns anos, precisamente por ter sido condenado por corrupção no
exercício dessas mesmas funções, em anterior mandato.
Como é evidente, estas situações não se resolvem com apelos à ética que, perante
a gravidade do que se passa em Portugal, mais parecem nuvens de fumo e que,
ainda por cima, muito facilmente se viram contra os próprios. O que todos
precisamos é de uma Justiça independente e forte a todos os níveis, que proteja
os simples cidadãos honestos pagantes de impostos dessa calamidade que é a
corrupção.