Ouvimos frequentemente dizer que a solidão mental é muito pior do que a solidão física. E, de facto, sentimo-nos-muitas vezes mais sozinhos no meio de uma multidão do que quando temos, por exemplo apenas a companhia de um livro ou de uma peça de música. Há situações de solidão física, como será a de prisão como castigo judicial, ou a dos navegadores solitários que são, apesar de tudo, susceptíveis de ser compreendidas por qualquer pessoa. E depois, há situações de solidão que podemos considerar limite, que estão para lá do que podemos considerar compreensível.
No próximo mês de Julho passam 50 anos sobre a
primeira ida do Homem à Lua. A missão Apollo 11 transportou os astronautas Neil
Armstrong e Buzz Aldrin que, no histórico dia 20 de Julho de 1969, pisaram solo
lunar após a descida no Módulo Lunar Eagle, proporcionando ao primeiro que o
fez, Neil Armstrong, a célebre frase: “um pequeno passo para homem, um salto
gigantesco para a humanidade”. E, de facto, a descida na Lua, as 22 horas que
lá passaram, o regresso ao Módulo de Comando e o definitivo regresso à Terra
constituíram algo de surpreendente e grandioso que desde então povoa o
imaginário de quem teve a oportunidade de seguir a saga em directo pela
televisão a preto e branco, como foi o meu caso.
Mas, nessa missão, houve mais uma experiência
sentida pela primeira vez por um ser humano e que raramente é referida quando
se lembra a Apollo 11. Naquela missão havia um terceiro homem, Michael Collins
que pilotou sozinho o Módulo de Comando Columbia enquanto os dois companheiros
levavam a cabo os seus trabalhos na superfície lunar, que incluíram a recolha
de mais de 20 Kg de amostras do solo que trouxeram para a Terra. Durante todo
esse tempo, Collins orbitou a Lua por diversas vezes. E em cada uma delas
passou por detrás do nosso satélite natural, ficando com a Lua entre ele e a
Terra. Em consequência, para além de não poder visualizar a Terra, ficou
igualmente sem possibilidade de estabelecer comunicações fosse com quem fosse.
De um lado tinha aquilo a que se costuma chamar o lado oculto da Lua que nunca
se observa da Terra e do outro a profundidade absoluta do infinito. Caso algo
lhe sucedesse a si ou ao Módulo de Comando durante os 47 minutos de duração desses
períodos, estava absolutamente impedido de contactar a Terra ou mesmo os seus
companheiros que com ele contavam para o regresso à Terra. Era a solidão
absoluta e um silêncio total que alguém já qualificou como sinistro, e que
jamais alguém poderia ter sentido antes.
De facto, na missão de exploração de dois meses
antes, a Apollo 10, a nave havia também passado por detrás da Lua, mas nela
viajavam três astronautas não se verificando, portanto, a mesma sensação de
solidão e de responsabilidade que Michael Collins haveria de sentir.
E o relativo “esquecimento” de Michael Collins
relativamente aos seus companheiros de missão é tão mais injusto, quanto este
astronauta era de facto alguém muito especial. Era ele o astronauta encarregado
de pilotar a Apollo 11 até à Lua e regressar, mas também de executar a delicada
operação de acostagem da Eagle à Columbia no regresso da Lua, o que ele seria
capaz de fazer mesmo manualmente, caso falhassem os instrumentos automáticos. A
sua importância decisiva na Apollo 11 manifestou-se até no desenho do símbolo
da missão, uma águia voando sobre a Lua com um ramo de oliveira no bico, que
foi da sua autoria.
Após o regresso à Terra, Collins reconheceu que
não podia negar o sentimento de solidão. Vincou que “assim que passava para
detrás da Lua o contacto rádio com a Terra desaparecia de súbito, ficando
sozinho, verdadeiramente sozinho e absolutamente isolado de qualquer forma de
vida conhecida”.
Cinquenta anos depois, continua a parecer quase
mágico que homens tenham descido na Lua e que outros a tivessem orbitado na
mais completa solidão. Apesar de tudo, um sinal de que a Humanidade é capaz de
se exceder de forma positiva. E de que os seres humanos, na sua
individualidade, são capazes de ultrapassar os medos mais ancestrais através de
demonstrações de coragem e capacidade de enfrentar as situações mais
desafiantes, sejam elas interiores ou exteriores ao ser.
Ouvir: https://youtu.be/FpOEN93LX-E
E ainda: https://youtu.be/KBt36Bw7_8Q
Ouvir: https://youtu.be/FpOEN93LX-E
E ainda: https://youtu.be/KBt36Bw7_8Q
Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 29 de Abril de 2019