segunda-feira, 13 de maio de 2019

EU, PEDRO, DUQUE DE COIMBRA - II


E as minhas memórias continuam a projectar-se com clareza e rapidez na minha mente. Vem-me à lembrança que me pus a viajar pela Europa, e como durante três anos, entre 1425 e 1428, conheci terras e gentes tão diferentes. Houve até quem dissesse que percorri As Sete Partidas. E devo dizer que o caso não era para menos. De Coimbra fui até Paris, seguindo depois para Inglaterra onde, no meio de grandes festas e magníficas recepções, o meu tio Henrique IV me investiu cavaleiro da Ordem da Jarreteira. Passei à Flandres e, tomando consciência dos diversos atrasos do meu país, de Bruges escrevi uma carta a meu irmão Duarte dando-lhe conselhos para quando fosse Rei. Entre outras ideias para a boa governação, recordei-lhe a má instrução generalizada do clero português e propus-lhe a criação de Colégios na Universidade de Lisboa, à semelhança de Oxford e de Paris. Passei pela Alemanha e fui a Viena, onde com os meus homens ajudei o Imperador Segismundo nas suas guerras contra os turcos com tanto sucesso que me investiu no domínio da Marca Trevisiana com o título de Marquês de Treviso. Depois da paz, segui para Veneza e aí tive a oportunidade de ficar alojado no mais belo palácio que em toda a minha vida me foi dado visitar e onde me ofereceram festas com centenas de pessoas, incluindo belas mulheres com tais trajes e jóias resplandecentes como não imaginava existirem. Claro que da Serenissima passei a Roma, onde o Papa Martinho V me ofereceu uma sagrada relíquia do mártir S. Sebastião que trouxe para Portugal e levei para a Igreja de Santa Maria do Mourão em Tentúgal, nos meus domínios de Montemor-o-Velho. A minha paragem seguinte, antes do regresso a Portugal, foi na cidade ducal de Barcelona. Aí tratei do meu casamento com Isabel, condessa de Urgel, filha do conde Jaime II de Urgel e da infanta Isabel de Aragão, por quem me apaixonei. Infelizmente, o meu irmão Duarte acertou também pela mesma altura o seu casamento com Leonor, filha do Rei de Aragão Fernando I, conhecido por de Antequera, e que era também bisneta do rei Pedro I de Portugal e de Inês de Castro por ser neta da filha deles, Beatriz de Portugal. Como o pai da minha adorada Isabel não tinha aceite a escolha de Fernando de Antequera como Rei de Aragão e por isso foi preso durante muitos anos, as relações entre Isabel e Leonor mulher de meu irmão Duarte nunca foram as melhores.
Lembro a subida do Duarte ao trono em 1433 e de como tantas esperanças pusemos no seu reinado, porque nunca Portugal havia tido um rei tão culto e preocupado com o bem-estar dos seus súbditos. Infelizmente, a peste levou-o apenas cinco anos depois. No seu reinado tivemos a maior tragédia das nossas vidas. O nosso Rei deixou-se levar pela sede de glória juvenil do nosso irmão mais novo Fernando que, apoiado pelo Henrique, o convenceram a preparar um ataque a Tânger para conquistar essa cidade, à semelhança do que tínhamos feito em Ceuta. Eu e o nosso irmão João tudo fizemos para os demover dessa louca ideia, mas nada conseguimos. Eram muitos os que, com espírito guerreiro antigo, queriam a conquista do Norte de África mouro, em vez do que eu e o João defendíamos, que era tentar navegar para Sul, pela costa africana desconhecida. E a derrota em Tânger, em Setembro de 1437, ditou a triste sorte do Fernando que ficou refém dos mouros que exigiram a devolução de Ceuta em troca da sua libertação. Como sofri nesses anos em que defendi, sem sucesso, a devolução de Ceuta que só nos trazia prejuízos de toda a ordem, até à morte do Fernando em 1437.
A morte do Rei D. Duarte em 1438 foi apenas o início das minhas maiores atribulações. O seu filho Afonso, o primeiro Príncipe de Portugal e não apenas filho primogénito herdeiro, era demasiado novo para governar. O falecido Rei tinha dado instruções para que a viúva Rainha D. Leonor fosse regente até à maioridade do Príncipe, mas os meus irmãos Henrique e João, bem como muitos concelhos como o de Lisboa, concordaram comigo em não a encontrar capaz de exercer o cargo. E calhou-me em sorte, por ser o mais velho Tio do Príncipe Afonso, ser escolhido como Regente nas Cortes de Lisboa de Dezembro de 1439.

(Segunda de três partes de um pequeno ensaio, em estilo autobiográfico, sobre a vida de D. Pedro, Duque de Coimbra)

Originalmente publicado no Diário de Coimbra, em 13 de Maio de 2019

terça-feira, 7 de maio de 2019

"Agarrem-me senão demito-me"

E é isto mesmo: "Na verdade, a derrota política é normal em democracia. A rendição é que é absolutamente vergonhosa. "

Retirado daqui, a realidade pode doer, mas é a realidade:

https://ionline.sapo.pt/artigo/656055/agarrem-me-senao-demito-me?seccao=Opiniao_i

segunda-feira, 6 de maio de 2019

EU, PEDRO, DUQUE DE COIMBRA - I


Estamos a 20 de Maio de 1449. Chegámos à ribeira de Alfarrobeira, às portas de Lisboa, e vejo a força do exército do Rei D. Afonso V, meu sobrinho e genro, que nos aguarda armado para a batalha. Tenho agora a certeza de que este será o último dia da minha vida. O pequeno exército que reuni para me acompanhar nesta viagem a Lisboa para tentar chegar à fala com o Rei não vai ter a mínima hipótese contra tamanha força e é evidente que o Rei se decidiu pelo partido do meu meio-irmão Afonso, Duque de Bragança, de quem vejo o estandarte bem enquadrado. Desta vez, nem a minha querida filha Rainha Isabel conseguiu suster os ímpetos guerreiros do seu marido. Ao não autorizar o Duque de Bragança a passar com o seu exército de 3.000 homens pelos domínios do meu ducado de Coimbra quando se dirigia para Lisboa há poucas semanas marquei a minha posição como senhor das minhas terras mas percebo que cavei definitivamente um fosso intransponível para a possibilidade de acordo com o Duque Afonso.
Dizem que antes de morrer nos lembramos de tudo o que nos sucedeu ao longo da vida. Será por isso que, ao ver as preparações do ataque do exército do Rei, com tristeza me vêm agora à mente tantas recordações.
Lembro como foram alegres e tranquilos os tempos de brincadeiras com os meus irmãos, principalmente o Duarte com apenas mais um ano que eu mesmo e o pequenino João com as suas travessuras. Do Pai, o Rei João, recordo o carinho com que desde pequenos nos tratou e a preocupação que teve em que eu e os meus irmãos tivéssemos uma educação cuidada e uma formação cultural que nos distinguisse dos demais. Quando éramos adolescentes enviou-nos mesmo, a mim, ao Duarte e ao Henrique para Inglaterra, onde aprendemos muitas coisas e a falar francês, a língua da corte inglesa.
Recordo a doçura de minha Mãe, a Rainha Filipa, para com todos os seus filhos. E de como compreendia o seu papel nestes nossos tempos e como conhecia bem o íntimo de todos nós, rapazes e raparigas. Mesmo estando já tão doente com essa maldita peste que tanto nos aflige, mandou fazer três espadas que entregou aos filhos mais velhos antes da viagem para Ceuta, cada uma delas com diferentes funções dentro das regras da cavalaria. Ao Duarte que seria Rei por ser o mais velho, entregou a espada da Justiça, ao Henrique encomendou todos os senhores, cavaleiros e escudeiros do reino e a mim próprio me encomendou as donas e donzelas por cuidado.

Com as espadas de minha Mãe ali mesmo em Ceuta fomos os três armados cavaleiros depois da conquista da cidade africana, em 21 de Agosto de 1415. Infelizmente, a Rainha Filipa tinha morrido no dia anterior à nossa partida para África.
Quando regressámos de Ceuta, o Rei João fez de mim Duque de Coimbra e de meu irmão Henrique Duque de Viseu numa festa que deu brado. Éramos os dois únicos duques do Reino já que Duarte era destinado a ser Rei. Os meus domínios eram extensos, abrangendo terras de Coimbra, Águeda e Montemor-o-Velho, tendo sido em Coimbra que estabeleci a minha residência, enorme honra visto ter sido a primeira capital do Reino, onde tinham nascido tantos reis e onde se encontra sepultado o meu longínquo Avô Afonso Henriques, o primeiro de todos. Nem esqueço que foi nas Cortes realizadas em Coimbra que meu Pai foi aclamado Rei de Portugal, em 6 de Abril de 1385 com o apoio de João das Regras e de Nuno Álvares Pereira. Ser Duque de Coimbra encheu-me realmente de orgulho e toda a minha vida fiz o que pude pela Cidade e seus habitantes.
Tudo o que em jovem me tinham ensinado e o cuidado com o governo dos meus domínios do ducado de Coimbra levaram-me a escrever a Virtuosa Benfeitoria, tarefa em que Frei João da Verba me deu prestimosa ajuda. Espero bem que, depois de me ir, possa ainda servir de guia a reis e senhores nas suas governanças, percebendo como as nossas sociedades se encontram estruturadas pelas benfeitorias que cada um recebe do elo superior da cadeia, desde Deus até ao mais humilde servo.
  
(Primeira de três partes de um pequeno ensaio, em estilo autobiográfico, sobre a vida de D. Pedro, Duque de Coimbra)

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Maio de 2019.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Passadeiras coloridas e....ilegais

Parece que houve uma Junta de Freguesia lisboeta que aprovou a pintura de passadeiras de peões às cores. Não haverá lá ninguém com carta de condução? Ou já esqueceram o Código da Estrada? Gente estúpida e ignorante.

BRIGADA DO REUMÁTICO?

Dos jornais:

"As Forças Armadas da Venezuela (FAV) confirmaram esta quinta-feira a sua lealdade ao Presidente de facto Nicolás Maduro, durante um ato no Forte de Tiúna, a principal base militar de Caracas, em que participaram, segundo fontes governamentais, 4.500 oficiais."

O que é que isto me faz lembrar?

segunda-feira, 29 de abril de 2019

SOLIDÕES


Ouvimos frequentemente dizer que a solidão mental é muito pior do que a solidão física. E, de facto, sentimo-nos-muitas vezes mais sozinhos no meio de uma multidão do que quando temos, por exemplo apenas a companhia de um livro ou de uma peça de música. Há situações de solidão física, como será a de prisão como castigo judicial, ou a dos navegadores solitários que são, apesar de tudo, susceptíveis de ser compreendidas por qualquer pessoa. E depois, há situações de solidão que podemos considerar limite, que estão para lá do que podemos considerar compreensível.
No próximo mês de Julho passam 50 anos sobre a primeira ida do Homem à Lua. A missão Apollo 11 transportou os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin que, no histórico dia 20 de Julho de 1969, pisaram solo lunar após a descida no Módulo Lunar Eagle, proporcionando ao primeiro que o fez, Neil Armstrong, a célebre frase: “um pequeno passo para homem, um salto gigantesco para a humanidade”. E, de facto, a descida na Lua, as 22 horas que lá passaram, o regresso ao Módulo de Comando e o definitivo regresso à Terra constituíram algo de surpreendente e grandioso que desde então povoa o imaginário de quem teve a oportunidade de seguir a saga em directo pela televisão a preto e branco, como foi o meu caso.
Mas, nessa missão, houve mais uma experiência sentida pela primeira vez por um ser humano e que raramente é referida quando se lembra a Apollo 11. Naquela missão havia um terceiro homem, Michael Collins que pilotou sozinho o Módulo de Comando Columbia enquanto os dois companheiros levavam a cabo os seus trabalhos na superfície lunar, que incluíram a recolha de mais de 20 Kg de amostras do solo que trouxeram para a Terra. Durante todo esse tempo, Collins orbitou a Lua por diversas vezes. E em cada uma delas passou por detrás do nosso satélite natural, ficando com a Lua entre ele e a Terra. Em consequência, para além de não poder visualizar a Terra, ficou igualmente sem possibilidade de estabelecer comunicações fosse com quem fosse. De um lado tinha aquilo a que se costuma chamar o lado oculto da Lua que nunca se observa da Terra e do outro a profundidade absoluta do infinito. Caso algo lhe sucedesse a si ou ao Módulo de Comando durante os 47 minutos de duração desses períodos, estava absolutamente impedido de contactar a Terra ou mesmo os seus companheiros que com ele contavam para o regresso à Terra. Era a solidão absoluta e um silêncio total que alguém já qualificou como sinistro, e que jamais alguém poderia ter sentido antes.
De facto, na missão de exploração de dois meses antes, a Apollo 10, a nave havia também passado por detrás da Lua, mas nela viajavam três astronautas não se verificando, portanto, a mesma sensação de solidão e de responsabilidade que Michael Collins haveria de sentir.
E o relativo “esquecimento” de Michael Collins relativamente aos seus companheiros de missão é tão mais injusto, quanto este astronauta era de facto alguém muito especial. Era ele o astronauta encarregado de pilotar a Apollo 11 até à Lua e regressar, mas também de executar a delicada operação de acostagem da Eagle à Columbia no regresso da Lua, o que ele seria capaz de fazer mesmo manualmente, caso falhassem os instrumentos automáticos. A sua importância decisiva na Apollo 11 manifestou-se até no desenho do símbolo da missão, uma águia voando sobre a Lua com um ramo de oliveira no bico, que foi da sua autoria.
Após o regresso à Terra, Collins reconheceu que não podia negar o sentimento de solidão. Vincou que “assim que passava para detrás da Lua o contacto rádio com a Terra desaparecia de súbito, ficando sozinho, verdadeiramente sozinho e absolutamente isolado de qualquer forma de vida conhecida”.
Cinquenta anos depois, continua a parecer quase mágico que homens tenham descido na Lua e que outros a tivessem orbitado na mais completa solidão. Apesar de tudo, um sinal de que a Humanidade é capaz de se exceder de forma positiva. E de que os seres humanos, na sua individualidade, são capazes de ultrapassar os medos mais ancestrais através de demonstrações de coragem e capacidade de enfrentar as situações mais desafiantes, sejam elas interiores ou exteriores ao ser.

Ouvir:  https://youtu.be/FpOEN93LX-E

E ainda:  https://youtu.be/KBt36Bw7_8Q

Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 29 de Abril de 2019