segunda-feira, 6 de maio de 2019

EU, PEDRO, DUQUE DE COIMBRA - I


Estamos a 20 de Maio de 1449. Chegámos à ribeira de Alfarrobeira, às portas de Lisboa, e vejo a força do exército do Rei D. Afonso V, meu sobrinho e genro, que nos aguarda armado para a batalha. Tenho agora a certeza de que este será o último dia da minha vida. O pequeno exército que reuni para me acompanhar nesta viagem a Lisboa para tentar chegar à fala com o Rei não vai ter a mínima hipótese contra tamanha força e é evidente que o Rei se decidiu pelo partido do meu meio-irmão Afonso, Duque de Bragança, de quem vejo o estandarte bem enquadrado. Desta vez, nem a minha querida filha Rainha Isabel conseguiu suster os ímpetos guerreiros do seu marido. Ao não autorizar o Duque de Bragança a passar com o seu exército de 3.000 homens pelos domínios do meu ducado de Coimbra quando se dirigia para Lisboa há poucas semanas marquei a minha posição como senhor das minhas terras mas percebo que cavei definitivamente um fosso intransponível para a possibilidade de acordo com o Duque Afonso.
Dizem que antes de morrer nos lembramos de tudo o que nos sucedeu ao longo da vida. Será por isso que, ao ver as preparações do ataque do exército do Rei, com tristeza me vêm agora à mente tantas recordações.
Lembro como foram alegres e tranquilos os tempos de brincadeiras com os meus irmãos, principalmente o Duarte com apenas mais um ano que eu mesmo e o pequenino João com as suas travessuras. Do Pai, o Rei João, recordo o carinho com que desde pequenos nos tratou e a preocupação que teve em que eu e os meus irmãos tivéssemos uma educação cuidada e uma formação cultural que nos distinguisse dos demais. Quando éramos adolescentes enviou-nos mesmo, a mim, ao Duarte e ao Henrique para Inglaterra, onde aprendemos muitas coisas e a falar francês, a língua da corte inglesa.
Recordo a doçura de minha Mãe, a Rainha Filipa, para com todos os seus filhos. E de como compreendia o seu papel nestes nossos tempos e como conhecia bem o íntimo de todos nós, rapazes e raparigas. Mesmo estando já tão doente com essa maldita peste que tanto nos aflige, mandou fazer três espadas que entregou aos filhos mais velhos antes da viagem para Ceuta, cada uma delas com diferentes funções dentro das regras da cavalaria. Ao Duarte que seria Rei por ser o mais velho, entregou a espada da Justiça, ao Henrique encomendou todos os senhores, cavaleiros e escudeiros do reino e a mim próprio me encomendou as donas e donzelas por cuidado.

Com as espadas de minha Mãe ali mesmo em Ceuta fomos os três armados cavaleiros depois da conquista da cidade africana, em 21 de Agosto de 1415. Infelizmente, a Rainha Filipa tinha morrido no dia anterior à nossa partida para África.
Quando regressámos de Ceuta, o Rei João fez de mim Duque de Coimbra e de meu irmão Henrique Duque de Viseu numa festa que deu brado. Éramos os dois únicos duques do Reino já que Duarte era destinado a ser Rei. Os meus domínios eram extensos, abrangendo terras de Coimbra, Águeda e Montemor-o-Velho, tendo sido em Coimbra que estabeleci a minha residência, enorme honra visto ter sido a primeira capital do Reino, onde tinham nascido tantos reis e onde se encontra sepultado o meu longínquo Avô Afonso Henriques, o primeiro de todos. Nem esqueço que foi nas Cortes realizadas em Coimbra que meu Pai foi aclamado Rei de Portugal, em 6 de Abril de 1385 com o apoio de João das Regras e de Nuno Álvares Pereira. Ser Duque de Coimbra encheu-me realmente de orgulho e toda a minha vida fiz o que pude pela Cidade e seus habitantes.
Tudo o que em jovem me tinham ensinado e o cuidado com o governo dos meus domínios do ducado de Coimbra levaram-me a escrever a Virtuosa Benfeitoria, tarefa em que Frei João da Verba me deu prestimosa ajuda. Espero bem que, depois de me ir, possa ainda servir de guia a reis e senhores nas suas governanças, percebendo como as nossas sociedades se encontram estruturadas pelas benfeitorias que cada um recebe do elo superior da cadeia, desde Deus até ao mais humilde servo.
  
(Primeira de três partes de um pequeno ensaio, em estilo autobiográfico, sobre a vida de D. Pedro, Duque de Coimbra)

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Maio de 2019.

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