segunda-feira, 11 de maio de 2020

E AGORA, EUROPA?


A decisão tomada a semana passada pelo Tribunal Constitucional Alemão (TCA) foi um duche de água fria nos voluntarismos europeus para encontrar rapidamente meios de apoio comunitários às consequências económicas da pandemia COVID-19. Embora a decisão não tenha sido contrária às medidas previstas pelo Banco Central Europeu (BCE), contudo o TCA solicitou ao BCE explicações sobre o programa de compra de activos (quantitative easing) aplicado desde 2015. Cabe aqui referir que, sem este programa, Portugal nunca teria tido as facilidades de financiamento de que dispôs nos últimos seis anos, já que a nossa dívida externa nunca o permitiria. Pela sentença tomada por sete votos contra um, o TCA vem requerer ao BCE que demonstre, nos próximos três meses, que o programa «quantitative easing» não viola o princípio da proporcionalidade previsto nos tratados europeus o qual, no entanto, foi considerado conforme às regras comunitárias pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em 2018.
Surgem, aqui, duas questões. A primeira é verificar se, de facto, as acções de apoio da Comissão Europeia e do BCE aos diversos países em causa, incluindo Portugal, ao longo dos últimos 6 anos, encontram o devido respaldo nos tratados europeus. Depois, é a própria estrutura organizativa da União Europeia que está em causa, já que a entrega voluntária de soberania dos países para a EU significa que as instituições nacionais se devem submeter às comunitárias, de acordo com os tratados incluindo, claro, as alemãs; acresce que o BCE foi constituído com uma independência própria, precisamente à imagem e semelhança do próprio Banco Central Alemão, o Bundesbank.
A questão é grave, dado que no Bundesbank está parqueado um quarto das dívidas compradas pelo BCE e, caso não obtenha resposta satisfatória, o TCA ameaça ordenar ao Bundesbank que abandone o «quantitative easing» e que recoloque no mercado os 534 mil milhões de euros de activos adquiridos no âmbito do programa.
Há uma noção generalizada de que, efectivamente, as instituições europeias, perante as crises dos diversos países desde 2010 até hoje, terá andado a adiar reformas necessárias e urgentes na sua organização, tarefa política difícil e muito complicada de levar a cabo pela dimensão que hoje tem a União Europeia e os diversos interesses nacionais e regionais, preferindo fechar os olhos ao estrito cumprimento dos tratados relembrem-se, por exemplo, as regras referentes ao défices e dívidas públicas.
As respostas a estas questões ditarão o futuro da União Europeia da qual, convém lembrar, já saiu o Reino Unido abrindo o caminho a outras saídas.
Há um conjunto de países que nem podem ouvir falar em sair da União e/ou do Euro, que são aqueles cuja saída, em função da falta de competitividade e elevadas dívidas, os atiraria para uma tragédia sem descrição possível. Entre eles está precisamente Portugal, acompanhado pela Espanha, Itália e Grécia. Do lado oposto estão a Alemanha e a Holanda que, ao contrário daqueles, criaram excedentes comerciais consideráveis o que lhes permite agora dedicar uma percentagem apreciável do PIB aos apoios às suas economias pela crise económica consequência da pandemia. Enquanto Portugal prevê destinar 4,4% do PIB em políticas de crédito e orçamentais e a Espanha 8%, a Alemanha prevê para o mesmo fim 29,8% do seu PIB, o que irá agravar ainda mais o fosso entre os países ricos do Norte e os endividados do Sul, se não houver uma política comunitária de redistribuição justa.
No passado dia 8 de Maio passaram 75 anos sobre a capitulação alemã marcando o fim da Segunda Grande Guerra na Europa. Não deve haver na História europeia um período de tempo tão alargado sem guerra, o que é um activo humano de valor incalculável. A União Europeia surgida no caminho, alargamento e aprofundamento da Comunidade Económica Europeia-CEE encontra-se numa encruzilhada provocada agora, não pelo Homem, mas pela Natureza que desde sempre foi enviando uns vírus para nos pôr à prova e o fez agora de novo.
Claro que, ao contrário do que aconteceu com as palhaçadas dos ministros da Holanda, agora, entre nós, impera um silêncio gritante mostrando que o respeitinho é muito bonito e é fácil ter voz grossa com os pequenos e fininha com os fortes. Sinal de que, desta vez, a questão é mesmo séria e todos devemos ter consciência disso.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 11 de Maio de 2020

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Anti-parlamentarismo

É cada vez mais frequente assistir a tomadas de posição anti-parlamentares. Em vez de se criticar politicamente opções políticas com que se discorda, atira-se directamente à Assembleia da República como instituição.
Mal. Isso é atirar à Democracia. Claro que, como todas as instituições, os parlamentos têm defeitos de funcionamento. Mas as vantagens superam esses problemas.
O resumo do anti-parlamentarismo está aqui:
«Eu sou de facto, profundamente anti-parlamentar, porque detesto os discursos ocos, palavrosos, as interpelações vistosas e vazias, a exploração das paixões não à volta de uma grande ideia, mas de futilidades, de vaidades, de nadas sob o ponto de vista nacional…»
Esta é a transcrição de parte de  uma entrevista de Salazar a António Ferro em 1932. Impressiona ver tanta gente hoje em dia, a repetir estas palavras, sem fazer a mínima ideia do seu significado profundo e das consequências de serem levadas à prática.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

JORNAIS


Não ligamos muito a cada um deles. De tal forma que, depois de lido, vai para a reciclagem. Muitas vezes, irritamo-nos com o que lá vem escrito. Mas é como se passa com os velhos amigos: discute-se, anima-se a conversa e, no fim, venha de lá aquele abraço. Na realidade, a vida seria diferente, para pior, se não existissem.
A existência dos jornais tem passado pelas mais diversas dificuldades, desde que surgiu o primeiro jornal em papel, na China, há mais de mil anos, desde censuras a concorrência de outros meios como sucede hoje com a internet.
Jornal é sinónimo de Liberdade. Liberdade de opinião, desde logo. Mas também liberdade de associação e económica. Em conjunto, é a Liberdade de Imprensa, cujo dia mundial se celebrou precisamente no dia de ontem.
A presente crise constitui também uma ameaça aos jornais. Desde logo, pela queda abrupta da actividade económica que dita uma diminuição equivalente de receitas de publicidade, essenciais para a sua sobrevivência económica. Depois, porque a prevalência de um assunto de notícias durante um prolongado período de tempo, cansa os leitores, diminuindo o interesse pela leitura dos jornais. Acresce algo que se está a passar de forma avassaladora, que é a partilha de jornais e revistas pela internet, essencialmente pelo WhatsApp. Já não é a partilha de artigos, que todos fazemos de uma ou de outra maneira, que até poderá será vantajosa para as respectivas publicações ao indicar-se a origem, mas de publicações inteiras. Sei que grandes publicações estão a ser gravemente afectadas por este fenómeno que se reflecte de imediato, imagine-se em quê? Em reduções no que pagam aos seus colaboradores, para além da dispensa de outros. Estimado leitor, pense nisto antes de partilhar publicações: há alguém que sofre por causa disso.
Uma das medidas governamentais de apoio à actividade económica consiste na compra de publicidade nos jornais no montante de uns 15 milhões de euros. Trata-se, evidentemente, da maneira mais fácil de fazer chegar o necessário dinheiro às publicações periódicas, mas será a pior possível. Por duas razões imediatas: por um lado a publicidade institucional cria dependência política; por outro lado, é de imediato favorecido o partido governamental do momento que, como é bem sabido, e seja ele qual for, só por o ser ocupa de imediato uma imensidão de organismos e dependências do Estado por todo o país, instituições essas objecto da publicidade paga pelo Governo.
Dentro do universo dos jornais, há alguns que têm um interesse suplementar por uma característica muito própria: são os jornais locais ou regionais. Há quase 15 anos que tenho a honra de poder colaborar semanalmente num dos mais notáveis jornais locais de Portugal, o Diário de Coimbra. O DC está a celebrar o seu 90º aniversário, já que o seu primeiro número foi para as bancas em 24 de Maio de 1930, tendo o seu número zero saído no anterior mês de Abril. Nesse número se dava a justificação para o seu surgimento, em defesa da Região das Beiras e da cidade de Coimbra, «dotando-a de um jornal destinado a pugnar pelos interesses da “malfadada região”, em cuja extraordinária importância os poderes políticos nunca atentaram como deviam». 
Como todos sabemos, mas não é demais recordar, foi fundado por Adriano Lucas tendo, a partir de 1950, a sua Direcção sido assumida pelo filho Eng. Adriano Lucas, até ao seu falecimento em 2011. Durante o regime autoritário e não-democrático auto-nomeado Estado Novo a sua publicação esteve suspensa durante um ano por se opor à censura e depois, restituída a Liberdade em 74, o Eng. Adriano Lucas foi voz activa e determinante para que a Lei de Imprensa significasse de facto aquilo por que lutara toda a vida. Caso único entre os jornais diários portugueses, o DC mantém-se na propriedade da família do seu fundador, garantia de que as suas preocupações editoriais de sempre se mantêm como farol indicador do seu rumo, ao contrário de tantos jornais nacionais que foram referência e se transformaram em algo incaracterístico ao serem comprados por quem nada tinha a ver com a sua História.
Também o Diário de Coimbra está a sofrer com as consequências económicas da pandemia que atingiu o mundo. A importância da sua subsistência não está na sua História, certamente importante mas passado, antes no que nos poderá ainda dar no futuro. É por isso que, hoje, é crucial lermos o Diário de Coimbra e assiná-lo ou comprá-lo para o efeito.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Maio de 2020

domingo, 3 de maio de 2020

Minha Mãe

Gerações

 Há várias semanas que uso um relógio em ouro herdado de meu Pai, que eu e as minhas irmãs lhe oferecemos quando fez 50 anos (financiados por nossa Mãe) e sinto uma ligação efectiva e física com ele que já nos deixou há 14 anos.
Hoje resolvi, para o fazer trabalhar, ir buscar o Speedmaster que será (ele ainda não sabe, mas os pais sim) do meu neto aos 18 anos. Não sei porquê, senti esta ligação, também física, com alguém que o irá usar quando eu já cá não estiver.
Há dias assim.

PCP nos papéis de patrão e partido político

Há muitos anos que me surpreende a aceitação da atitude do PCP perante os seus eleitos e responsáveis de estrutura/dirigentes. Aparecem todos como funcionários do partido. Embora não encontre explicações para isso, deduzo que os ordenados que recebem do Estado, sejam presidentes de câmara, vereadores, deputados, etc. sejam entregues ao partido que depois lhes pagará o que acertarem, já como seus funcionários. Há aqui um evidente desvirtuar das regras democráticas mas, como se costuma dizer, é lá com eles, se os eleitos aceitam a situação, reduzindo a sua situação de eleitos pelo povo a simples funcionários do partido. Como é evidente, isto não poderia durar para sempre. E agora assiste-se à situação caricata de o partido ser tratado como entidade laboral pelos tribunais, e bem, mas não aceitando o partido a situação como todas as empresas, que têm de cumprir as leis laborais. E, historicamente,  a actividade política principal do PCP tem precisamente a ver com as leis do Trabalho, daí o seu papel na Intersindical.
O que eu não percebo é porque é que a questão de fundo, da relação do PCP para com os seus eleitos, não é colocada em lado nenhum. Do que conheço, ninguém dos outros partidos aceitaria aquela situação.

 https://expresso.pt/politica/2020-05-02-Caso-Casanova.-Tribunal-lembra-PCP-que-esta-sujeito-a-lei.-Comunistas-acham-intoleravel?fbclid=IwAR3hTjIsAS7thIvNygJyJORyclgcDbz5xVT1TWCYk2YSANVnt_NOJe6ggXY

Hoje lembrei-me desta história