Eventualmente devido à pandemia que traz a nossa sociedade tolhida de medo,
Portugal parece ter entrado num modo «faz de conta», de tal forma se parece
fingir que situações graves, que se passam e deviam criar fortes reacções, não
estão de facto a acontecer perante os nossos olhos.
Os dois principais partidos, o PS e o PSD, decidiram entre si avançar para
uma democratização de faz de conta das Comissões de Coordenação e
Desenvolvimento Regional e arranjaram uns colégios eleitorais constituídos por
autarcas para «elegerem» os respectivos responsáveis. Para completar o cenário
da dita democratização, distribuíram previamente entre si os lugares em
disputa: tantos para mim e tantos para ti e agora srs. Autarcas votem em quem
nós já escolhemos. Democracia de faz de conta, pois claro.
Três juízes do Tribunal da Relação de Lisboa foram acusados das mais
diversas tropelias à Lei, cometidas enquanto aplicavam a mesma aos cidadãos que
lá tinham a desdita de cair. Os factos de que vão acusados passaram-se durante
anos, sem que as instâncias de Justiça superiores tivessem capacidade ou vontade
da acabar com a situação que seria do conhecimento de grande parte dos
funcionários judiciais que lá trabalhavam. No caso de os acusados do processo
Lex virem a ser ser condenados, abre-se a possibilidade de centenas de cidadãos
afectados por decisões judiciais da responsabilidade do Juiz Rangel poderem
requerer revisão dos respectivos processos que, em vez de justiça, podem ter
trazido injustiça às suas vidas. Entre essas decisões, uma referente ao processo
que já levou um ex-primeiro Ministro a prisão preventiva durante meses há seis
anos, fingindo o país não reparar na gravidade de tal situação e no facto de
ainda se aguardar pelo despacho de pronúncia ou não.
Entretanto, enquanto apresenta um suposto pacote para combater a corrupção
que não é mais que uma mão cheia de nada, o Governo tem na AR uma proposta que
visa substituir por convites directos a regra dos concursos para contratação
pública e, neste caso, espero mesmo que o país não finja que não se passa nada.
O Governo pede a um cidadão respeitado e respeitável, a quem o
primeiro-Ministro chama poeta-engenheiro, que elabore sozinho uma “visão” de
recuperação pós-pandemia para orientar a aplicação de mais de uma dezena de
milhar de milhões de euros da União Europeia e o país não mostra sinais de
perceber a confissão pública de falta de estratégia nacional que isto denuncia.
Os portugueses continuam a ouvir a lenga-lenga de que a troica só veio para
Portugal com o seu rol de austeridade e sacrifícios porque uns partidos
malvados não aprovaram o PEC IV que lhe traria a recuperação sem necessidade
daqueles problemas. E, já agora, sem necessidade de empréstimo de 78 mil
milhões. Após isso, o governo andou 5 anos a afirmar que o crescimento de
Portugal era superior à média europeia e o país fingia acreditar que sim e que
não via que, ano após ano, íamos descendo um lugar no ranking europeu da
produção de riqueza. E que, nos últimos 20 anos, o nosso crescimento médio foi
de uns míseros 0,5%, sem que isso traga quaisquer dores de cabeça aos portugueses
em geral e, principalmente, a quem o prazer de os governar.
O país dorme ou finge não ver que se está a preparar uma solução energética
para o país, substituindo o gás natural por hidrogénio que será três ou quatro
vezes mais caro. Tal como já aconteceu com as eólicas que nos impingiram com os
portugueses a pagar alegremente uma das electricidades mais caras da Europa,
porque estão na linha da frente da “descarbonização”, vejam lá a satisfação.
Satisfação essa que obriga a sua maioria a não conseguir aquecer as casas no
Inverno por causa da conta da electricidade.
O país finge igualmente não ver que, depois de duas auditorias a um banco
que está a funcionar de portas abertas e que chegaram basicamente às mesmas
conclusões, os responsáveis políticos, com o líder do maior partido da oposição
à cabeça, pedem ainda outra auditoria a fazer agora, imagine-se, pelo Tribunal
de Contas. Como se a oposição política se deva dirigir à gestão de um banco e
não à governação do país. O que não nos deveria admirar quando se dispensa um
primeiro-Ministro de ir quinzenalmente ao parlamento explicar-se e prestar
contas, passando a fazê-lo de dois em dois meses lá está, porque coitado, tem
mais que fazer.
Um país de fingidores, é aquilo em que Portugal se
está a tornar.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Setembro de 2020