segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Um país que faz de conta, ou que é apenas fingidor?

 


Eventualmente devido à pandemia que traz a nossa sociedade tolhida de medo, Portugal parece ter entrado num modo «faz de conta», de tal forma se parece fingir que situações graves, que se passam e deviam criar fortes reacções, não estão de facto a acontecer perante os nossos olhos.

Os dois principais partidos, o PS e o PSD, decidiram entre si avançar para uma democratização de faz de conta das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e arranjaram uns colégios eleitorais constituídos por autarcas para «elegerem» os respectivos responsáveis. Para completar o cenário da dita democratização, distribuíram previamente entre si os lugares em disputa: tantos para mim e tantos para ti e agora srs. Autarcas votem em quem nós já escolhemos. Democracia de faz de conta, pois claro.

Três juízes do Tribunal da Relação de Lisboa foram acusados das mais diversas tropelias à Lei, cometidas enquanto aplicavam a mesma aos cidadãos que lá tinham a desdita de cair. Os factos de que vão acusados passaram-se durante anos, sem que as instâncias de Justiça superiores tivessem capacidade ou vontade da acabar com a situação que seria do conhecimento de grande parte dos funcionários judiciais que lá trabalhavam. No caso de os acusados do processo Lex virem a ser ser condenados, abre-se a possibilidade de centenas de cidadãos afectados por decisões judiciais da responsabilidade do Juiz Rangel poderem requerer revisão dos respectivos processos que, em vez de justiça, podem ter trazido injustiça às suas vidas. Entre essas decisões, uma referente ao processo que já levou um ex-primeiro Ministro a prisão preventiva durante meses há seis anos, fingindo o país não reparar na gravidade de tal situação e no facto de ainda se aguardar pelo despacho de pronúncia ou não.

Entretanto, enquanto apresenta um suposto pacote para combater a corrupção que não é mais que uma mão cheia de nada, o Governo tem na AR uma proposta que visa substituir por convites directos a regra dos concursos para contratação pública e, neste caso, espero mesmo que o país não finja que não se passa nada.

O Governo pede a um cidadão respeitado e respeitável, a quem o primeiro-Ministro chama poeta-engenheiro, que elabore sozinho uma “visão” de recuperação pós-pandemia para orientar a aplicação de mais de uma dezena de milhar de milhões de euros da União Europeia e o país não mostra sinais de perceber a confissão pública de falta de estratégia nacional que isto denuncia.

Os portugueses continuam a ouvir a lenga-lenga de que a troica só veio para Portugal com o seu rol de austeridade e sacrifícios porque uns partidos malvados não aprovaram o PEC IV que lhe traria a recuperação sem necessidade daqueles problemas. E, já agora, sem necessidade de empréstimo de 78 mil milhões. Após isso, o governo andou 5 anos a afirmar que o crescimento de Portugal era superior à média europeia e o país fingia acreditar que sim e que não via que, ano após ano, íamos descendo um lugar no ranking europeu da produção de riqueza. E que, nos últimos 20 anos, o nosso crescimento médio foi de uns míseros 0,5%, sem que isso traga quaisquer dores de cabeça aos portugueses em geral e, principalmente, a quem o prazer de os governar.

O país dorme ou finge não ver que se está a preparar uma solução energética para o país, substituindo o gás natural por hidrogénio que será três ou quatro vezes mais caro. Tal como já aconteceu com as eólicas que nos impingiram com os portugueses a pagar alegremente uma das electricidades mais caras da Europa, porque estão na linha da frente da “descarbonização”, vejam lá a satisfação. Satisfação essa que obriga a sua maioria a não conseguir aquecer as casas no Inverno por causa da conta da electricidade.

O país finge igualmente não ver que, depois de duas auditorias a um banco que está a funcionar de portas abertas e que chegaram basicamente às mesmas conclusões, os responsáveis políticos, com o líder do maior partido da oposição à cabeça, pedem ainda outra auditoria a fazer agora, imagine-se, pelo Tribunal de Contas. Como se a oposição política se deva dirigir à gestão de um banco e não à governação do país. O que não nos deveria admirar quando se dispensa um primeiro-Ministro de ir quinzenalmente ao parlamento explicar-se e prestar contas, passando a fazê-lo de dois em dois meses lá está, porque coitado, tem mais que fazer.

Um país de fingidores, é aquilo em que Portugal se está a tornar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Setembro de 2020

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