Homenagem à mulher tricana no Quebra-Costas, em Coimbra.
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Em Portugal, desde Março até hoje terão morrido 2.018 pessoas por ou com COVID. Contudo, o excesso de óbitos no país relativamente aos anos anteriores é de 7.477. A diferença entre estes dois números é impossível de esconder, por mais especialista em manipulação de números que a ministra da Saúde seja. Se não significa um colapso do SNS, não andará lá longe.
Para melhor compreensão do fenómenos, aqui fica um gráfico elucidativo.
Não se pense que se trata de uma questão menor das nossas vidas. Grandes filósofos e pensadores lhe dedicaram o seu tempo e escrita, havendo historicamente duas escolas sobre o assunto. Em primeiro lugar, porque as palavras têm muitas vezes significados diferentes em função de quem as lê ou as ouve, será conveniente definir o significado da palavra “mentira”. Indo aos dicionários é fácil descobrir que «uma mentira é a afirmação deliberada de uma falsidade com o objectivo de enganar ou iludir um público». Assim sendo, ficam fora da mentira aquelas situações em que se diz uma falsidade inadvertidamente, ou se diz uma falsidade sem saber que quem a ouve irá interpretar como verdadeiro algo que de facto não o é.
Da escola dos que rejeitam a mentira em absoluto, fazem parte Santo Agostinho e Kant, que a consideram uma prática imoral. Santo Agostinho escreveu mesmo dois tratados em que desenvolve a análise da mentira e justifica a sua posição de total rejeição, como posição cristã. Mais simplesmente, Kant defendeu que os indivíduos não têm o direito de mentir. Noutra perspectiva colocam-se outros pensadores que consideram aceitáveis certas mentiras, em função do contexto. Se para Benjamim Constant «devemos dizer a verdade quando o ouvinte tiver direito a ela», já Schopenhauer acreditava que «temos o direito de mentir em determinadas condições». Como se vê, seria o próprio agente que definiria a validação da possibilidade de mentir. Para complicar ainda mais a questão, Oscar Wilde afirmava que a verdade raramente é pura e nunca simples.
Para se perceber mais facilmente as duas posições limite, posso citar o caso de alguém a quem é descoberta uma doença fatal e fulminante. Deverá ser-lhe dada informação completa de imediato? Ou será aceitável, ou mesmo preferível, uma mentira dita piedosa e poupar-lhe o sofrimento mental até ao fim da sua curta vida?
A utilização, tão espalhada, da preposição “de” sugere que a própria narrativa sobre uma falsidade se constitui como “A Mentira”. Diferentemente, ao utilizar a preposição “em” pretendo significar que a mentira transporta em si mesma a verdade. Os destinatários da mensagem mentirosa têm a possibilidade, diria mesmo o dever, de detectar a mentira como tal, denunciando-a. Como o que se passa no espaço público em que as mensagens são submergidas numa onda definida pela comunicação pública dos diversos agentes políticos. Não se trata de um fenómeno exclusivo dos dias de hoje, sempre aconteceu, mas a grande e imediata difusão proporcionada pela internet facilita a emissão e circulação praticamente global das chamadas “fake news” que, como diz o jornalista Carlos Magno se deveriam mais apropriadamente chamar “oax news” por serem puras farsas. A questão que se pode colocar é se, muitas vezes, alguém quer mesmo ver a verdade que se esconde na mentira.
A comunicação começa e acaba nas pessoas, pelo que é em todas e em cada uma delas que a mentira e a verdade se organizam e definem o seu carácter essencial. Por isso mesmo, termino esta crónica com uma citação de “Os Irmãos Karamázov” de Fiódor Dostoiévski:
Há poucos dias houve um «dia da erradicação da pobreza». E o que fez o Governo português? Criou uma Comissão com esse fim. Parabéns. Está feito. Num dia destes criam a comissão de extinção da comissão para erradicar a pobreza. Valente Portugal. Não aprendemos mesmo.