segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Inacção por complexos de culpa?

 

Agora é em Moçambique. Na senda dos talibans do Afeganistão, do Daesh no Iraque e não só, continuam ali os assassínios públicos. Na aldeia de Muatide no norte de Moçambique os islamitas lá do sítio, que pretendem estabelecer outro «estado islâmico», decapitaram há poucos dias 50 pessoas num campo de futebol transformado em campo de execução, incluindo homens, mulheres e crianças. Há já três anos que um “grupo radical islâmico” traz em terror a população da província de Cabo Delgado no norte de Moçambique, estimando a Amnistia Internacional que mais de 700.000 pessoas necessitam de ajuda humanitária. Ajuda essa que o Bispo da diocese de Pemba D. Luiz Fernando Lisboa pede com insistência, perante a mais completa incapacidade do Estado moçambicano para resolver a situação que se salda hoje em pelo menos 2.000 mortos e 400.000 pessoas deslocadas.

Várias organizações humanitárias que estão no terreno têm chamado a atenção para o que se passa, tal como a ONU que estará consciente da situação. A União Europeia também já manifestou intenção de ajudar. Mas ninguém mostra qualquer interesse em enviar tropas especializadas para ajudar Moçambique, sem o que o problema continuará certamente a existir ou mesmo a piorar. Nem Portugal se mostrou até agora capaz, ou mesmo com vontade, de suscitar apoios para uma missão militar internacional que vá ajudar aquele povo nosso irmão, quando mantemos tropas no Mali, por exemplo.

Claro que as notícias de assassinatos na Europa enchem sempre muito mais os telejornais, até pela possibilidade dos directos imediatos. Lembramo-nos todos do ataque à revista «Charlie Hebdo» em 7 de Janeiro de 2015, em Paris, de que resultaram doze pessoas mortas e cinco feridas gravemente. Ou do ataque no teatro Bataclan, em 13 de Novembro do mesmo ano onde os terroristas islâmicos fuzilaram várias pessoas provocando 89 mortos. Ou dos atentados em Barcelona em 17 de Agosto de 2017, quando um terrorista islâmico entrou com uma carrinha na Rambla cheia de pessoas a passear como é habitual, matando logo 13 delas e ferindo mais de cem.


Desde 2017, só em França houve 32 ataques deste tipo. Há poucas semanas foi assassinado e decapitado o professor de História francês Samuel Paty que ousou discutir as gravuras de Maomé na aula. E à porta da catedral de Nice foi há poucos dias morto o seu sacristão e duas mulheres, uma delas quase decapitada. A propósito, não deveremos esquecer a fatwa lançada contra Salman Rushdie pelos ayatollahs iranianos em 1989 na sequência da publicação da obra «Versículos Satânicos», que ainda hoje está em vigor, obrigando o escritor a viver escondido desde então.

Embora seja muito fácil designar responsáveis para estes atentados, porque as testemunhas, quando as há sobreviventes, referem sempre ouvir as palavras «Alá é grande» gritadas em árabe pelos perpetradores dos assassínios, na realidade a comunicação social raramente associa o adjectivo islâmico aos atentados e seria bom saber-se exactamente porque é que isso acontece. Não será a razão única, mas o que parece é que temos uma espécie de complexo de culpa perante as acções de gente que mais parece ter parado na evolução civilizacional há muitas centenas de anos.

Exemplo acabado dessa atitude é a reacção do Bispo do Porto D. Manuel Linda que escreveu no twitter depois do atentado na catedral de Nice: «O atentado de ontem, na catedral de Nice, não é luta do Islão contra o Cristianismo, é o resultado dos preconceitos daqueles europeus que não só não fomentam o diálogo intercultural e inter-religioso como estão sempre de dedo em riste a acusar as religiões». Pois é, Sr. Bispo. Se calhar uma conversa com o Bispo de Pemba seria conveniente para perceber algumas coisas. Em primeiro lugar os europeus não têm culpa nenhuma da barbárie que os terroristas islâmicos estão a praticar em Moçambique. Por outro lado, as guerras religiosas entre cristãos e muçulmanos já acabaram há centenas de anos, como o Sr. Bispo muito bem sabe, não havendo razões para os cristãos terem hoje quaisquer sentimentos de culpa em relação a isso, muito menos complexos. Já agora, nunca reparou que são os ditos combatentes islâmicos, do Daesh por exemplo, que estão sempre a levantar o dedinho quando fazem as suas ameaças ao resto do mundo?

Portugal foi o último país europeu a descolonizar em África, tal como tinha sido o primeiro a colonizar. As nossas antigas colónias lutaram pela sua independência, tal como os nossos antepassados lutaram, várias vezes, pela independência do nosso país. Foi um sacrifício de ambos os lados, hoje ultrapassado, existindo uma fraternidade entre os povos que se espera dure durante muitas gerações futuras. Mas é precisamente por já não haver lugar a sentimentos colonialistas que os complexos opostos também não têm lugar. E quando alguém está em dificuldades os irmãos são sempre os primeiros a irem ajudar. Ajudemos Moçambique neste transe horrível por que está a passar.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Novembro de 2020

16 de Novembro 2020

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

 Correm por aí teorias da conspiração inconcebíveis em que, inexplicavelmente, muita gente vai na conversa.

O virus do Covid ser uma treta usada pelos governos para dominar o mundo é uma delas.

A outra é a vitória de Trump nas eleições de 2020.

Para não falar da Terra achatada, claro.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Barracas

 


A Câmara Municipal de Coimbra decidiu colocar umas tendas na Praça da República para proteger as esplanadas ali existentes. Fez bem, fez mal? Governar é fazer escolhas. A Autarquia entendeu ser prioritário proteger as esplanadas utilizadas quase exclusivamente por estudantes universitários nos seus tempos livres. Claro que as tendas fazem falta em muitos outros locais onde cidadãos têm que estar na via pública sujeitos aos agentes meteorológicos como vento e chuva enquanto aguardam ser atendidos em organismos públicos.

De novo digo que governar é escolher. A Câmara escolheu proteger as esplanadas e está no seu direito. Como outras pessoas, incluindo partidos da oposição estão no direito de achar que a escolha feita é errada! Não devem é os elementos do Executivo com responsabilidades pretender que os cidadãos não podem discordar das escolhas feitas. Em democracia é necessário perceber que fazer escolhas traz responsabilidades associadas.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Recordando o tempo em que os filhos eram crianças

Do estado do país

 


Na semana passada o Governo deu orientações aos hospitais do SNS para suspenderem durante o mês de Novembro a actividade assistencial não urgente que não implique risco de vida para os doentes. Lê-se e não se quer acreditar, mas é verdade. Se em Março e Abril todos fomos de alguma forma surpreendidos pela pandemia e assustados com as suas características e consequências, a medida semelhante que então foi tomada parecia fazer sentido.

Entretanto, passaram sete meses e, se todos nós cidadãos comuns fomos aprendendo alguma coisa sobre a pandemia, os responsáveis políticos certamente aprenderam muito mais, tal como médicos, cientistas e restante pessoal da saúde obviamente avançaram no conhecimento e capacidades de tratamento. Ou, para falar mais rigorosamente, deveriam ter aprendido.

Desde o início da pandemia, as consequências económicas, sociais e sanitárias têm sido devastadoras

No final de Outubro o Instituto Nacional de Estatística informou-nos que entre 2 de Março e 18 de Outubro se registaram “mais 7936 óbitos do que a média, em período homólogo, dos últimos cinco anos”. Tendo-se verificado nesse período 2918 mortos por Covid-19, ficam por explicar um excesso de cerca de 5.000 mortes. Por outro lado, o próprio Governo informa, na nota explicativa que consta da proposta de Orçamento de Estado para 2021 que prevê terminar o ano com menos um milhão e meio de consultas e menos 152 mil cirurgias relativamente ao ano 2019. Já o Tribunal de Contas, no seu «relatório sobre COVID 19 – Impacto na Actividade e no Acesso ao SNS, realizado entre Março e Julho» divulgado na semana passada, relativo à gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde, veio alertar para que «um dos maiores desafios actuais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é o de equilibrar a resposta à segunda fase de maior incidência da pandemia Covid-19 com a garantia de assistência aos doentes não-Covid sem o aumento acentuado dos tempos de espera».O Tribunal de Contas «considera que a recuperação da actividade não realizada terá de ocorrer num contexto de cuidados adicionais na prática clínica, com o risco de a capacidade instalada no SNS não ser suficiente para fazer face a este aumento de procura sem o aumento acentuado dos tempos de espera».

Face a tudo o que se vai sabendo, incluindo informação prestada pelas entidades oficiais mais variadas, resulta surpreendente que, perante a segunda vaga da pandemia em curso, esperada por todos, a resposta do ministério da Saúde seja decidir de novo pela descida drástica da oferta de serviços por parte do Serviço Nacional de Saúde.


É evidente não ter sido preparado um plano de resposta à segunda vaga que surge em época de frio, acumulando com as doenças típicas desta altura do ano que já tradicionalmente entopem as urgências dos hospitais. É mesmo inacreditável que não tenha sido preparado um plano de integração massiva da capacidade hospitalar particular e social que evitasse duas coisas: excesso de procura por doentes covid-19 e falta de capacidade para tratar todas as outras doenças. Se se pretendia demonstrar que o SNS não estava à altura para responder às necessidades dos portugueses não se poderia fazer melhor. As consequências estão à vista com os números acima apresentados (todos oficiais) a que acresce o facto de os portugueses acorrerem a fazer seguros de saúde privados que já são mais de 3 milhões, que acrescem às centenas de milhar de número de funcionários públicos com ADSE que não utilizam o SNS.

Provavelmente, esta situação é consequência de algo que os responsáveis políticos têm escondido dos portugueses e que é a falta aflitiva de dinheiro com que o país se defronta. A queda da produção económica é brutal, não vai recuperar nos próximos meses e a quebra de recolha de impostos segue em paralelo. As medidas políticas de apoio a sacrificados pela economia, sejam trabalhadores ou as próprias empresas são por definição transitórias, apenas adiam os problemas, na esperança de que a pandemia passe e se possa recuperar o caminho anterior. Por outro lado, embora Portugal seja o país da EU que menos gastou em apoios pela pandemia em função do PIB, os custos desses apoios são grandes para as nossas possibilidades. 


A dívida pública gigantesca que foi crescendo todos estes anos é um obstáculo a que o Estado se possa financiar lá fora para fazer frente a estas necessidades inesperadas. E a famosa «bazuca» da União Europeia tarda em chegar. Às notícias trágicas sobre subida repentina de desemprego e atrasos nos apoios por parte da Segurança Social virão em breve juntar-se as consequências das moratórias bancárias.

Seria bom que, por uma vez, os responsáveis políticos, do Presidente da República ao Governo e aos líderes partidários, todos eles, esclarecessem os portugueses sobre a real situação do país e o que fazer efectivamente para lhe fazer face antes de um violento choque com a realidade, já previsível, em vez de voltarem a falar de TGV´s.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Novembro de 2020