Como era previsto por toda a gente, as
eleições presidenciais de 2021 foram um plebiscito ao primeiro mandato de
Marcelo Rebelo de Sousa que o Presidente passou com grande facilidade, como
aliás aconteceu com todos os presidentes eleitos que o antecederam, desde
Ramalho Eanes.
Como Ortega Y Gasset ensinou, cada indivíduo
é ele próprio e a sua circunstância mas, para lá disso, há ainda quem consegue
alterar as suas próprias circunstâncias e com isso ficar na História. Sendo um
homem superiormente inteligente, Marcelo é mais do que capaz de se colocar do
lado de fora e observar o devir da sua própria história, ele que não pretenderá
ser recordado apenas com tendo ocupado o Palácio de Belém durante dez anos de
acordo com as circunstâncias. Até porque praticamente não tem outra História
executiva senão essa mesma, para além da simbólica presidência da Assembleia
Municipal de Celorico de Basto e de uma efémera passagem por um ministério do
Governo AD de Francisco Balsemão.
Ramalho Eanes ficou na História não apenas
como Presidente da República, aliás o primeiro eleito depois do 25 de Abril. O
seu papel determinante na defesa da democracia representativa no 25 de Novembro
garantiu-lhe um lugar insubstituível na nossa memória colectiva. Mas também
como Presidente marcou e definiu as presidências posteriores, não chegando a
triste história do PRD para fazer obscurecer a dignidade, rigor e exigência,
quer a nível político, quer pessoal, que colocou ao serviço do seu exercício da
presidência.
Decididamente, Mário Soares não ficou na História
de Portugal apenas pelo seu exercício da presidência da República. A sua vida
política ao serviço dos seus ideais, antes e depois da instauração da
Democracia é tão variada e de tão grande importância para o país que a
presidência é apenas um dos seus capítulos, o que diz bem da personalidade em
causa. Desde ministro a Primeiro-ministro, além de Presidente da República,
Mário Soares foi praticamente tudo o que um político profissional pode almejar
a ser, marcando de forma indelével o regime e o país.
O mesmo não poderei escrever sobre Jorge Sampaio.
Antes de ser eleito Presidente da República derrotando Cavaco Silva, em termos
de acção política a nível executivo tinha apenas sido presidente da Câmara
Municipal de Lisboa, com a nota picante de ter vencido como adversário na
eleição autárquica precisamente Marcelo Rebelo de Sousa. Da sua presidência da
Câmara não haverá muito a recordar, tal como do exercício da presidência da
República apenas ficou como momento relevante o uso da «bomba atómica» da
demissão do Parlamento, enviando Santana Lopes para casa e abrindo a porta à
era Sócrates.
Cavaco Silva exerceu os seus mandatos presidenciais
durante os governos de Sócrates e de Passos Coelho e, em ambos os casos, serviu
de apoio discreto às respectivas governações ainda frescas na memória de todos
nós, escusando-me de as comentar neste lugar. Mas Cavaco Silva fica com o nome
gravado na História essencialmente por ter sido eleito duas vezes sucessivas
como Primeiro-ministro com maioria absoluta, facto inédito até hoje. Pesem
embora todas as críticas que hoje se possam fazer à sua governação, ela
coincidiu com a única altura do actual regime em que Portugal cresceu
efectivamente em termos económicos e se aproximou realmente da Europa
reformando-se e modernizando-se de uma forma que hoje parece impossível de se
conseguir.
Sabendo de tudo isto Marcelo Rebelo de Sousa
agora reeleito, também com o meu voto, terá certamente consciência de que não
ficará na História pelo seu primeiro mandato. Descrispar o ambiente político e
apoiar, orientar e corrigir suavemente o Governo na sua actuação corrente e nas
suas falhas mais graves não constituem propriamente feitos que impressionem
demasiado a História. Acresce que, durante esses cinco anos, Portugal foi
paulatinamente descendo na classificação do ranking económico europeu
aproximando-se do último lugar, que provavelmente ocupará durante o novo
mandato presidencial. E, mesmo no fim do mandato, Portugal apresenta-se como o
pior país do mundo no combate à terrível pandemia que nos assola, aguardando-se
ainda pelas consequências a nível económico. Acresce o facto de, pela primeira
vez desde a instauração da Democracia, um candidato líder de um partido da
extrema-direita obter uma votação de meio milhão de votos.
Marcelo
não é uma personalidade que se deixe acorrentar com facilidade por estas
circunstâncias que, de forma impressionante, se parecem conjugar para moldar de
forma negativa o nosso futuro próximo. O que, aliado à sua legítima e mais que
certa vontade de deixar um lugar na História de Portugal que lhe seja
favorável, será mais do que suficiente para que o seu segundo mandato seja,
logo desde o seu início, marcado pela vontade de o seu nome não vir a ficar
ficar ligado às consequências de nenhuma das circunstâncias que acima referi.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra na edição de 1 de Fevereiro de 2021