segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Os Presidentes e a História

 


Como era previsto por toda a gente, as eleições presidenciais de 2021 foram um plebiscito ao primeiro mandato de Marcelo Rebelo de Sousa que o Presidente passou com grande facilidade, como aliás aconteceu com todos os presidentes eleitos que o antecederam, desde Ramalho Eanes.

Como Ortega Y Gasset ensinou, cada indivíduo é ele próprio e a sua circunstância mas, para lá disso, há ainda quem consegue alterar as suas próprias circunstâncias e com isso ficar na História. Sendo um homem superiormente inteligente, Marcelo é mais do que capaz de se colocar do lado de fora e observar o devir da sua própria história, ele que não pretenderá ser recordado apenas com tendo ocupado o Palácio de Belém durante dez anos de acordo com as circunstâncias. Até porque praticamente não tem outra História executiva senão essa mesma, para além da simbólica presidência da Assembleia Municipal de Celorico de Basto e de uma efémera passagem por um ministério do Governo AD de Francisco Balsemão.

Ramalho Eanes ficou na História não apenas como Presidente da República, aliás o primeiro eleito depois do 25 de Abril. O seu papel determinante na defesa da democracia representativa no 25 de Novembro garantiu-lhe um lugar insubstituível na nossa memória colectiva. Mas também como Presidente marcou e definiu as presidências posteriores, não chegando a triste história do PRD para fazer obscurecer a dignidade, rigor e exigência, quer a nível político, quer pessoal, que colocou ao serviço do seu exercício da presidência.

Decididamente, Mário Soares não ficou na História de Portugal apenas pelo seu exercício da presidência da República. A sua vida política ao serviço dos seus ideais, antes e depois da instauração da Democracia é tão variada e de tão grande importância para o país que a presidência é apenas um dos seus capítulos, o que diz bem da personalidade em causa. Desde ministro a Primeiro-ministro, além de Presidente da República, Mário Soares foi praticamente tudo o que um político profissional pode almejar a ser, marcando de forma indelével o regime e o país.

O mesmo não poderei escrever sobre Jorge Sampaio. Antes de ser eleito Presidente da República derrotando Cavaco Silva, em termos de acção política a nível executivo tinha apenas sido presidente da Câmara Municipal de Lisboa, com a nota picante de ter vencido como adversário na eleição autárquica precisamente Marcelo Rebelo de Sousa. Da sua presidência da Câmara não haverá muito a recordar, tal como do exercício da presidência da República apenas ficou como momento relevante o uso da «bomba atómica» da demissão do Parlamento, enviando Santana Lopes para casa e abrindo a porta à era Sócrates.

Cavaco Silva exerceu os seus mandatos presidenciais durante os governos de Sócrates e de Passos Coelho e, em ambos os casos, serviu de apoio discreto às respectivas governações ainda frescas na memória de todos nós, escusando-me de as comentar neste lugar. Mas Cavaco Silva fica com o nome gravado na História essencialmente por ter sido eleito duas vezes sucessivas como Primeiro-ministro com maioria absoluta, facto inédito até hoje. Pesem embora todas as críticas que hoje se possam fazer à sua governação, ela coincidiu com a única altura do actual regime em que Portugal cresceu efectivamente em termos económicos e se aproximou realmente da Europa reformando-se e modernizando-se de uma forma que hoje parece impossível de se conseguir.

Sabendo de tudo isto Marcelo Rebelo de Sousa agora reeleito, também com o meu voto, terá certamente consciência de que não ficará na História pelo seu primeiro mandato. Descrispar o ambiente político e apoiar, orientar e corrigir suavemente o Governo na sua actuação corrente e nas suas falhas mais graves não constituem propriamente feitos que impressionem demasiado a História. Acresce que, durante esses cinco anos, Portugal foi paulatinamente descendo na classificação do ranking económico europeu aproximando-se do último lugar, que provavelmente ocupará durante o novo mandato presidencial. E, mesmo no fim do mandato, Portugal apresenta-se como o pior país do mundo no combate à terrível pandemia que nos assola, aguardando-se ainda pelas consequências a nível económico. Acresce o facto de, pela primeira vez desde a instauração da Democracia, um candidato líder de um partido da extrema-direita obter uma votação de meio milhão de votos.

Marcelo não é uma personalidade que se deixe acorrentar com facilidade por estas circunstâncias que, de forma impressionante, se parecem conjugar para moldar de forma negativa o nosso futuro próximo. O que, aliado à sua legítima e mais que certa vontade de deixar um lugar na História de Portugal que lhe seja favorável, será mais do que suficiente para que o seu segundo mandato seja, logo desde o seu início, marcado pela vontade de o seu nome não vir a ficar ficar ligado às consequências de nenhuma das circunstâncias que acima referi.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra na edição de 1 de Fevereiro de 2021

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