Já tudo se escreveu e disse sobre as eleições autárquicas, sobre quem perdeu e quem ganhou, em termos de partidos. Discussão que interessa muito aos próprios e praticamente nada ao cidadão comum. Aliás, não são precisas grandes explicações para que cada um de nós tenha a percepção nítida de quem perdeu e quem ganhou, bastando observar as expressões e os sorrisos forçados dos dirigentes partidários.
Claro que os portugueses estão hoje habituados a ver que ganhando também se perde e perdendo se pode acabar por ganhar. Isto a nível nacional, já que a legislação eleitoral autárquica tem a particularidade de estipular que o Presidente da Câmara é o primeiro nome da lista mais votada e não o resultado de eventuais posteriores negociações.
É por isso que, diferentemente das eleições nacionais, nas eleições autárquicas é crucial a escolha dos cabeças de lista, isto é, aqui são as pessoas o que verdadeiramente interessa, para além dos partidos que representam e mesmo dos programas eleitorais.
Isso foi particularmente visível nas eleições do passado dia 26 de Setembro, bastando observar dois casos particulares, o de Lisboa e o de Coimbra. Refiro estes dois, porque Lisboa é a capital e o maior município em termos eleitorais e Coimbra porque é a nossa Cidade.
Até ao início da noite eleitoral, Fernando Medina era o presidente certamente reeleito, na continuidade de 14 anos de poder socialista na Câmara de Lisboa. O adversário Carlos Moedas, indicado pelo PSD coligado com o CDS foi permanentemente sub-avaliado, apesar do seu prestígio e experiência pessoal: tinha sido membro do Governo de Passos Coelho e também Comissário Europeu largamente elogiado por todos os quadrantes políticos europeus. Isto em termos políticos, porque em termos profissionais e académicos apresentava também uma carreira de sucesso. Para se candidatar à Câmara de Lisboa, abandonou o conforto do seu lugar na administração da Fundação Calouste Gulbenkian. Apesar de tudo isso, a comunicação social, na senda aliás das mais diversas sondagens e estudos de opinião, nunca o considerou como verdadeiro contendor, falando apenas da vitória certa de Fernando Medina tido como eventual futuro líder do PS, favorito de António Costa à sua sucessão. A última acção de campanha pública de Carlos Moedas decorreu mesmo sem que uma única das cadeias de televisão nacional para aí tivesse deslocado repórteres. Acabou por acontecer com Fernando Medina o que tantas vezes sucede àqueles que se acham naturalmente predestinados ao poder, adoptando uma atitude de clara arrogância no exercício das suas funções e na campanha, esquecendo-se de que, em democracia, só tem o poder quem o povo escolhe. Já Carlos Moedas lutou, pelas suas próprias palavras, contra tudo e contra todos, com tudo o que se sabe e mais o que se adivinha, tendo começado com uma campanha algo indefinida, mas corrigindo para se afirmar como de completa rotura e alternativa clara ao poder socialista da Câmara Municipal de Lisboa representado por Fernando Medina. Foi o cidadão Carlos Moedas, muito mais do que os partidos que o apoiaram, que venceu as eleições em Lisboa.
Coimbra foi um caso diferente, mas com a mesma base: foi o
candidato José Manuel Silva que venceu as eleições. Tal como foi Manuel Machado, mais do que o PS, que as perdeu. Na sequência do resultado obtido pela sua lista independente nas eleições autárquicas anteriores, José Manuel Silva impôs-se aos partidos à direita, para construir uma alternativa ganhadora ao PS e Manuel Machado nestas eleições. O sucesso da estratégia política foi total, não tendo o presidente eleito abdicado nunca da sua independência partidária, antes vincado com frequência essa sua situação, apesar de apoiado e indicado por todas as forças partidárias que constituíram a coligação que liderou, de que o PSD e o CDS eram as mais importantes e notórias. Perante um Manuel Machado que, tal como no caso de Medina contava com sondagens que o favoreciam e apresentando-se também com António Costa ao lado como grande trunfo, José Manuel Silva foi sempre assertivo nas suas propostas, fugindo contudo notoriamente a ataques directos, mesmo os de cariz puramente político. A força da candidatura de José Manuel Silva foi tal que conseguiu obter votação maioritária para a Câmara na importante Freguesia de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades enquanto o PS venceu para a respectiva Assembleia de Freguesia.
Como é evidente em ambos estes casos os partidos, perdedores ou supostos vencedores, ficam subordinados às personalidades dos eleitos. E ainda bem, direi eu, já que se perderam pelos caminhos da falta de ideologia, de princípios e de respeito generalizado pelos eleitores que, grande parte deles, em resposta, nem sequer exercem o seu direito de escolha do futuro, abstendo-se num número insuportável para a Democracia.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Outubro de 2021
Imagens retiradas da internet