segunda-feira, 11 de outubro de 2021

SÃO AS PESSOAS!

 Já tudo se escreveu e disse sobre as eleições autárquicas, sobre quem perdeu e quem ganhou, em termos de partidos. Discussão que interessa muito aos próprios e praticamente nada ao cidadão comum. Aliás, não são precisas grandes explicações para que cada um de nós tenha a percepção nítida de quem perdeu e quem ganhou, bastando observar as expressões e os sorrisos forçados dos dirigentes partidários.

Claro que os portugueses estão hoje habituados a ver que ganhando também se perde e perdendo se pode acabar por ganhar. Isto a nível nacional, já que a legislação eleitoral autárquica tem a particularidade de estipular que o Presidente da Câmara é o primeiro nome da lista mais votada e não o resultado de eventuais posteriores negociações.

É por isso que, diferentemente das eleições nacionais, nas eleições autárquicas é crucial a escolha dos cabeças de lista, isto é, aqui são as pessoas o que verdadeiramente interessa, para além dos partidos que representam e mesmo dos programas eleitorais.

Isso foi particularmente visível nas eleições do passado dia 26 de Setembro, bastando observar dois casos particulares, o de Lisboa e o de Coimbra. Refiro estes dois, porque Lisboa é a capital e o maior município em termos eleitorais e Coimbra porque é a nossa Cidade.


Até ao início da noite eleitoral, Fernando Medina era o presidente certamente reeleito, na continuidade de 14 anos de poder socialista na Câmara de Lisboa. O adversário Carlos Moedas, indicado pelo PSD coligado com o CDS foi permanentemente sub-avaliado, apesar do seu prestígio e experiência pessoal: tinha sido membro do Governo de Passos Coelho e também Comissário Europeu largamente elogiado por todos os quadrantes políticos europeus. Isto em termos políticos, porque em termos profissionais e académicos apresentava também uma carreira de sucesso. Para se candidatar à Câmara de Lisboa, abandonou o conforto do seu lugar na administração da Fundação Calouste Gulbenkian. Apesar de tudo isso, a comunicação social, na senda aliás das mais diversas sondagens e estudos de opinião, nunca o considerou como verdadeiro contendor, falando apenas da vitória certa de Fernando Medina tido como eventual futuro líder do PS, favorito de António Costa à sua sucessão. A última acção de campanha pública de Carlos Moedas decorreu mesmo sem que uma única das cadeias de televisão nacional para aí tivesse deslocado repórteres. Acabou por acontecer com Fernando Medina o que tantas vezes sucede àqueles que se acham naturalmente predestinados ao poder, adoptando uma atitude de clara arrogância no exercício das suas funções e na campanha, esquecendo-se de que, em democracia, só tem o poder quem o povo escolhe. Já Carlos Moedas lutou, pelas suas próprias palavras, contra tudo e contra todos, com tudo o que se sabe e mais o que se adivinha, tendo começado com uma campanha algo indefinida, mas corrigindo para se afirmar como de completa rotura e alternativa clara ao poder socialista da Câmara Municipal de Lisboa representado por Fernando Medina. Foi o cidadão Carlos Moedas, muito mais do que os partidos que o apoiaram, que venceu as eleições em Lisboa.

Coimbra foi um caso diferente, mas com a mesma base: foi o


candidato José Manuel Silva que venceu as eleições. Tal como foi Manuel Machado, mais do que o PS, que as perdeu. Na sequência do resultado obtido pela sua lista independente nas eleições autárquicas anteriores, José Manuel Silva impôs-se aos partidos à direita, para construir uma alternativa ganhadora ao PS e Manuel Machado nestas eleições. O sucesso da estratégia política foi total, não tendo o presidente eleito abdicado nunca da sua independência partidária, antes vincado com frequência essa sua situação, apesar de apoiado e indicado por todas as forças partidárias que constituíram a coligação que liderou, de que o PSD e o CDS eram as mais importantes e notórias. Perante um Manuel Machado que, tal como no caso de Medina contava com sondagens que o favoreciam e apresentando-se também com António Costa ao lado como grande trunfo, José Manuel Silva foi sempre assertivo nas suas propostas, fugindo contudo notoriamente a ataques directos, mesmo os de cariz puramente político. A força da candidatura de José Manuel Silva foi tal que conseguiu obter votação maioritária para a Câmara na importante Freguesia de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades enquanto o PS venceu para a respectiva Assembleia de Freguesia.

Como é evidente em ambos estes casos os partidos, perdedores ou supostos vencedores, ficam subordinados às personalidades dos eleitos. E ainda bem, direi eu, já que se perderam pelos caminhos da falta de ideologia, de princípios e de respeito generalizado pelos eleitores que, grande parte deles, em resposta, nem sequer exercem o seu direito de escolha do futuro, abstendo-se num número insuportável para a Democracia.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Outubro de 2021

Imagens retiradas da internet

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Canavial

 Descida da Universidade de Coimbra para a beira-rio através da mata do Jardim Botânico. Uma maravilha



terça-feira, 5 de outubro de 2021

Nina Simone - Feeling Good

FRACO CRESCIMENTO

 Teodora Cardoso, que não é propriamente de direita, mostra hoje no Público como o nosso marasmo económico, que na prática começou em 1995 isto é, com o fim do cavaquismo e com o início das políticas socialistas, é consequência dessas políticas e não de outra coisa qualquer.


 




































segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A VIDA É MARAVILHOSA

  


Escrevo esta crónica a 1 de Outubro. Crónica que se me impôs e obrigou a guardar para outra oportunidade aquilo que contava escrever esta semana. Ao dar hoje o passeio matinal com o fiel companheiro de quatro patas, passei por uma senhora jovem que levava o seu menino para a escola pela mão. O garoto ia contente e seguro, mas o que me chamou a atenção foi que a mãe trazia outra criança na barriga, embora a gravidez ainda não fosse muito avançada. Lembrei-me de quando eu próprio ia para a escola em criança, lembrei-me dos meus filhos e também das netas e neto de quem, graças à internet, quase todos os dias tenho a felicidade de receber fotografias das suas idas para a escola. Poucos metros depois, passei por outra senhora grávida, duas heróicas mulheres que contribuem para anular a dramática falta de nascimentos dos dias de hoje.

E foi aqui que esta crónica se me impôs. Sem qualquer razão, apercebi-me que o tempo estava fresco, mas agradável. À minha volta, pessoas e muitos jovens entre elas, deslocavam-se para o trabalho ou para as aulas. De repente parecia haver algo no ar que transpirava felicidade, a pandemia aparentemente esquecida. E, sem que possa imaginar a razão, dei por mim a cantar interiormente uma música. E a música era «Gracias a la vida» da Violeta Parra que, apesar do seu destino triste, nos deixou esta mensagem maravilhosa: «Gracias a la vida que me ha dado tanto - Me ha dado la risa y me ha dado el llanto - Así yo distingo dicha de quebranto».


E dei por mim a tomar consciência de que o primeiro de Outubro é o Dia Mundial da Música que, por tantas cidades do mundo é motivo de celebrações festivas em concertos de salas, mas também pelas ruas, quem dera que por cá acontecesse o mesmo.


E tive vontade de partilhar aqui a particular felicidade que foi assistir ao concerto fantástico que teve lugar, há dois dias, no cenário espectacular das ruínas de Conimbriga, contextualizado de forma brilhante pelo Físico Carlos Fiolhais que também apresentou os compositores e as obras que se iam ouvir. O programa, pelo menos no que me diz respeito, dificilmente poderia ser melhor, já que todas e cada uma das peças apresentadas me diz intimamente qualquer coisa. Não tendo eu, com grande pena, formação musical, não deixa de ser surpreendente como o cérebro guarda por completo obras musicais de forma a ir reconhecendo todas as passagens, mas também os contextos e situações em que anteriormente foram ouvidas. O programa incluiu, e espero não me esquecer de nada, a «Fanfarra para o homem comum» de Aaron Copland, a «Rhapsody in blue» de George Gershwin, as «Polovtsian Dances» do Pince Igor de Borodin, a «Balada de Sacco e Vanzetti» de Enio Morricone e Joan Baez, o «Va pensiero» conhecido como o coro dos escravos hebreus da ópera Nabucco de Verdi e, a fechar, a «Abertura 1812» de Tchaikovsky. O leitor que me perdoe por lhe ter, eventualmente, feito criar água na boca ao expor o programa, mas se não foi ao concerto a responsabilidade é inteiramente sua, já que foi anunciado e o acesso até foi gratuito. E o público apreciou e delirou mesmo com o concerto que foi realizado pela Orquestra Clássica do Centro aqui dirigida pelo Maestro Sérgio Alapont, tendo Miguel Borges Coelho sido o pianista solista interpretando Gershwin, contando ainda com o excelente coro Coimbra Vocal nas obras de Morricone e de Verdi.

Neste recomeço da vida «normal» depois de ano e meio de vivência colectiva estranha devido à pandemia, realço o facto de a Orquestra Clássica do Centro ressurgir com uma qualidade que a coloca seguramente ao lado das melhores orquestras portuguesas, demonstrando ainda capacidade organizativa e logística para montar um espectáculo como o apresentado em Conímbriga. Não sei se Coimbra merece ou não albergar em si tal instituição, o facto é que desta forma se coloca ao nível das cidades europeias que não prescindem dessa oferta cultural. Vantagem enorme em termos de candidatura a Capital Europeia da Cultura, disso me parece não haver qualquer dúvida.

E é por a vida ser maravilhosa e merecer ser vivida na sua plenitude que a cultura, abrangendo música e poesia, pode e deve ser uma arma poderosa contra a apatia e mesmo desesperança que tanto tempo de confinamento e esfriamento de relacionamentos provocou. Basta lembrar Manuel Alegre cantado por Adriano:

Mas há sempre uma candeia dentro da própria desgraça
Há sempre alguém que semeia canções no vento que passa
Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Outubro de 2021