segunda-feira, 12 de maio de 2025

HÁ 80 ANOS: FIM DA GRANDE GUERRA

 

Quando somos jovens, um ano demora muito tempo a passar e dez anos, esses então, são uma eternidade. Passados uns anos, ou melhor, umas dezenas de anos, essa sensação desaparece e passamos a ter uma noção da passagem do tempo completamente diferente.

Quando nasci tinha passado menos de uma dezena de anos sobre o fim da II Guerra Mundial. Mas, quando na adolescência tomei consciência desse terrível acontecimento, parecia-me que já estava lá para trás, que se tinha passado há muito tempo, tal como a I Grande Guerra. Mesmo quando os meus Pais me contavam sobre a experiência pessoal do racionamento de alimentos essenciais, não tinha nada a ideia de que tudo tinha acontecido há poucos anos. Quando lia sobre a IIGG, o que fazia com sofreguidão, era quase como se fosse um romance, não tendo a noção de quão próximo tudo aquilo tinha acontecido. Até que tomei consciência de que o meu primo mais velho, o Hélder Firmino, tinha nascido em 1 de Setembro de 1939, precisamente o dia em que a guerra começou oficialmente, com a invasão da Polónia pelas tropas nazis.

Desgraçadamente para a Polónia, passadas duas semanas a URSS declarava-lhe igualmente guerra. Por esse tempo, a Alemanha e a URSS eram aliadas, tendo assinado o chamado “Pacto Molotov-Ribbentrop” de que hoje se conhecem os protocolos secretos que mostram a verdadeira aliança estabelecida entre Hitler e Estaline, só conhecidos após o fim da União Soviética, agora publicados em língua portuguesa pela editora “Guerra e Paz”.

Em 1940 a Alemanha nazi invadiu e conquistou a França, a Bélgica e os Países Baixos numa operação relâmpago e ainda a Dinamarca e a Noruega. Não tendo nunca conseguido invadir a Inglaterra, esta tornou-se no único país europeu a verdadeiramente se opor à barbárie nazi.

Para grande surpresa de Estaline, Hitler invadiu a União Soviética em Junho de 1941, assim alastrando a guerra a toda a Europa. A Operação Barbarossa acabaria por ditar, após quatro longos e mortíferos anos de guerra, o fim de Hitler, já que os russos se defenderam de uma forma heroica, derrotando os exércitos alemães no cerco a Leninegrado. Em Dezembro de 1941 a guerra tornou-se mundial quando o Japão, aliado da Alemanha e de Itália no chamado Eixo, atacou a base americana de Pearl Harbour, fazendo os Estados Unidos entrar na guerra.

O fim da guerra na Europa só se começou a perceber pela invasão da Sicília e depois de Itália, e sobretudo com o desembarque aliado na Normandia em 6 de Junho de 1944. Mas a guerra na Europa continuaria ainda com muitas baixas até à conquista final de Berlim, vindos os exércitos aliados de ocidente e as tropas do Exército Vermelho de Leste. Após o suicídio de Hitler, a Alemanha rendeu-se sem quaisquer condições, sendo a data de 8 de Maio de 1945 considerada o fim oficial da guerra na Europa. A Itália já tinha sido tomada antes com a derrota dos fascistas e a morte do ditador Mussolini. Foi, portanto, há oitenta anos que terminou a II Grande Guerra na Europa. A guerra com o Japão continuaria ainda, com o Império a recusar render-se e a prometer lutar até à morte de todos os japoneses. O lançamento de duas bombas atómicas, arma até então desconhecida com consequências horríveis, sobre as cidades de Hiroxima e Nagasaqui, acabou por obrigar o Japão a render-se em 2 de Setembro de 1945.

Sabemos hoje que a II Grande Guerra continuaria pelo século XX fora sob o nome “Guerra Fria”. Mas essa é já outra questão. Ditou a morte de mais de 65 milhões pessoas. Muitas dessas pessoas morreram porque os nazis decidiram que não tinham direito à vida, apenas por serem, sobretudo judeus, mas também homossexuais, deficientes ou apenas diferentes do “ideal de pureza ariana”. Algo que o mundo nunca tinha visto até então. Comemorar o dia 8 de Maio torna-se, assim, numa obrigação civilizacional e numa homenagem aos milhões que caíram sob o mal absoluto do jugo nazi.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Maio de 2025

segunda-feira, 5 de maio de 2025

APAGÃO…DO BOM SENSO

 

Há decisões políticas com consequências pesadas, que só por pura sorte não são trágicas, que relevam muito mais da falta de bom senso dos governantes do que da incompetência que também revelam. A passagem do modelo de produção de energia eléctrica para as energias sustentáveis é um caminho justificado pela necessidade de descarbonização. Contudo, como em tudo na vida, o simples bom senso ditaria que passar de sistema complexo com muitos anos para um completamente novo não deveria ser feita sem extremo cuidado. Quando a política pretende andar à frente da realidade técnica, as probabilidades de algo correr muito mal são muito grandes.

O apagão eléctrico que tivemos no passado dia 28 de Abril não foi causado em Portugal, mas sim em Espanha. Mas nem por isso os portugueses deixaram de ficar sem energia e, consequentemente, sem funcionamento de muitos serviços como as telecomunicações. A vida normal de todos nós foi afectada com grandes prejuízos económicos e um stress generalizado entre os portugueses.

Todos nós procurámos informação sofregamente na comunicação social para tentar perceber as razões do que se passou. Foi assim que soubemos que, na altura do apagão, estávamos a importar de Espanha cerca de 30% da energia eléctrica que estávamos a consumir. Significa isso que o mercado eléctrico ibérico, o MIBEL, estava a trabalhar como normalmente. Mas esse facto levou a que importássemos também o problema.

A duração do apagão poderia ser maior, como inicialmente se temeu, mas também poderia e deveria ter sido muito menor do que foi. Na realidade, descobrimos agora que Portugal apenas dispõe de duas centrais de arranque sem apoio energético externo, as chamadas “black start”, na Tapada do Outeiro e em Castelo do Bode. Neste último caso, até foi necessário ir buscar um gerador que não estava no local. Quer isto dizer que, quando o governo de António Costa decidiu fechar as centrais de Sines e do Pego não cuidou de instalar sistemas de “black start” noutras para garantir uma capacidade mínima de reposição do sistema energético nacional. Claro que foi avisado por técnicos, mas a falta de bom senso, muito mais do que a incompetência, levou como habitualmente a que se seguisse em frente de olhos fechados.

Em consequência, na segunda-feira passada os técnicos da REN viram-se aflitos para voltar a colocar a rede em funcionamento. A potência inicial era muito reduzida, as centrais ligavam e desligavam e foi necessária muita capacidade técnica para ir encontrando soluções que, lentamente, fossem alargando a rede funcional a partir das duas centrais, até se cobrir todo o território nacional.

As quase dez horas sem electricidade mostraram muitas das nossas fragilidades. Felizmente, os geradores dos hospitais funcionaram, mas descobriu-se que alguns não tinham os depósitos cheios de gasóleo, enquanto outros não tinham capacidade para um período de funcionamento tão longo. Mas as críticas à ministra respectiva não tardaram como se aqueles aspectos não fossem da responsabilidade das administrações dos hospitais. E, de novo, perante uma emergência nacional como nos fogos de 2017, lá voltámos a ouvir falar de falhas do malfadado SIRESP.

O que mais impressionou neste apagão foi a falta de telecomunicações e de televisão, o que, não fora a velha e fiável rádio, nos teria deixado sem quaisquer hipóteses de saber o que realmente se passava. Bem hajam os velhos sistemas analógicos que continuam a funcionar mesmo quando toda a panóplia digital se apaga. Este apagão acabou por ser um teste que mostrou fragilidades de cuja existência não se desconfiava, muito fruto de investimentos públicos não executados. Haja esperança de que os responsáveis tenham o bom senso de prevenir futuras situações semelhantes, fazendo agora o que já devia estar feito para nossa segurança.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Maio de 2025

ELEITORES E CANDIDATOS

 

Um aspecto da vida democrática que frequentemente me provoca alguma perplexidade tem a ver com o relacionamento que os eleitores adoptam individual ou mesmo colectivamente com os políticos que se apresentam a eleições. Muito para além dos aspectos exclusivamente políticos, sejam ideológicos, de classe ou outros, os cidadãos formam os seus juízos de forma que mais parecem resultar de afectos claros ou escondidos.

A mediação da comunicação social no espaço público tem muito a ver com estas formulações de juízo. Não se trata já de ajuda na construção individual de caracterização das opções políticas dos candidatos, mas de uma verdadeira construção de personalidade planeada pelas chamadas “agências de comunicação”. É frequente ver candidatos mudarem radicalmente de maneira de estar e de se afirmar politicamente, antes e durante as campanhas, num artificialismo mais que evidente, resultado do trabalho das agências.

A sociedade do espectáculo em que vivemos mergulhados e que veio substituir quase por inteiro as manifestações artísticas e a própria informação apanhou também os agentes políticos transformando-os em actores obrigados a desempenhar os papéis que lhes são pré-designados. Tal como os actores de telenovelas ou de cinema que, pelo excesso de exposição nas televisões, a certa altura parecem já pertencer á nossa família. Por isso se estabelecem laços de ligação que, não nos deixemos enganar, são apenas de um sentido e nunca biunívocos. Na realidade, os actores políticos de âmbito nacional estão lá longe, não têm nada a ver com os cidadãos comuns e a familiaridade que parecem ter é completamente artificial. São políticos que, na esmagadora maioria dos casos nunca conheceremos pessoalmente.

Coisa muito diversa acontece com os políticos locais, dos municípios ou das freguesias com quem, pela simples proximidade geográfica, será difícil que os cidadãos não se tenham já cruzado pessoalmente pelo menos uma vez. Seja por motivos profissionais, de vizinhança ou outro, a formação da perspectiva pessoal sobre esses políticos não depende tanto, ou mesmo nada, da mediação da comunicação social.

A proximidade permite construir imagens e fazer juízos de valor sobre a personalidade dos candidatos de uma forma mais verdadeira e rigorosa. É por isso que as opções ideológicas surgem na política local muito atenuadas. Ajuda igualmente a circunstância de o exercício do poder local ser muito diferente da política nacional, não havendo grandes diferenças entre exercício político de esquerdas e direitas. É muito mais importante a capacidade de fazer e a competência do que o exercício de discursos. Por isso mesmo os partidos responsáveis devem ter muito cuidado na escolha das suas propostas políticas locais, já que o carácter das personalidades é do domínio público, não sendo possível mascará-lo com artificialismos comunicacionais, por mais elaborados que sejam.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  28 de Abril 2025