segunda-feira, 5 de maio de 2025

APAGÃO…DO BOM SENSO

 

Há decisões políticas com consequências pesadas, que só por pura sorte não são trágicas, que relevam muito mais da falta de bom senso dos governantes do que da incompetência que também revelam. A passagem do modelo de produção de energia eléctrica para as energias sustentáveis é um caminho justificado pela necessidade de descarbonização. Contudo, como em tudo na vida, o simples bom senso ditaria que passar de sistema complexo com muitos anos para um completamente novo não deveria ser feita sem extremo cuidado. Quando a política pretende andar à frente da realidade técnica, as probabilidades de algo correr muito mal são muito grandes.

O apagão eléctrico que tivemos no passado dia 28 de Abril não foi causado em Portugal, mas sim em Espanha. Mas nem por isso os portugueses deixaram de ficar sem energia e, consequentemente, sem funcionamento de muitos serviços como as telecomunicações. A vida normal de todos nós foi afectada com grandes prejuízos económicos e um stress generalizado entre os portugueses.

Todos nós procurámos informação sofregamente na comunicação social para tentar perceber as razões do que se passou. Foi assim que soubemos que, na altura do apagão, estávamos a importar de Espanha cerca de 30% da energia eléctrica que estávamos a consumir. Significa isso que o mercado eléctrico ibérico, o MIBEL, estava a trabalhar como normalmente. Mas esse facto levou a que importássemos também o problema.

A duração do apagão poderia ser maior, como inicialmente se temeu, mas também poderia e deveria ter sido muito menor do que foi. Na realidade, descobrimos agora que Portugal apenas dispõe de duas centrais de arranque sem apoio energético externo, as chamadas “black start”, na Tapada do Outeiro e em Castelo do Bode. Neste último caso, até foi necessário ir buscar um gerador que não estava no local. Quer isto dizer que, quando o governo de António Costa decidiu fechar as centrais de Sines e do Pego não cuidou de instalar sistemas de “black start” noutras para garantir uma capacidade mínima de reposição do sistema energético nacional. Claro que foi avisado por técnicos, mas a falta de bom senso, muito mais do que a incompetência, levou como habitualmente a que se seguisse em frente de olhos fechados.

Em consequência, na segunda-feira passada os técnicos da REN viram-se aflitos para voltar a colocar a rede em funcionamento. A potência inicial era muito reduzida, as centrais ligavam e desligavam e foi necessária muita capacidade técnica para ir encontrando soluções que, lentamente, fossem alargando a rede funcional a partir das duas centrais, até se cobrir todo o território nacional.

As quase dez horas sem electricidade mostraram muitas das nossas fragilidades. Felizmente, os geradores dos hospitais funcionaram, mas descobriu-se que alguns não tinham os depósitos cheios de gasóleo, enquanto outros não tinham capacidade para um período de funcionamento tão longo. Mas as críticas à ministra respectiva não tardaram como se aqueles aspectos não fossem da responsabilidade das administrações dos hospitais. E, de novo, perante uma emergência nacional como nos fogos de 2017, lá voltámos a ouvir falar de falhas do malfadado SIRESP.

O que mais impressionou neste apagão foi a falta de telecomunicações e de televisão, o que, não fora a velha e fiável rádio, nos teria deixado sem quaisquer hipóteses de saber o que realmente se passava. Bem hajam os velhos sistemas analógicos que continuam a funcionar mesmo quando toda a panóplia digital se apaga. Este apagão acabou por ser um teste que mostrou fragilidades de cuja existência não se desconfiava, muito fruto de investimentos públicos não executados. Haja esperança de que os responsáveis tenham o bom senso de prevenir futuras situações semelhantes, fazendo agora o que já devia estar feito para nossa segurança.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Maio de 2025

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