Um aspecto da vida democrática que frequentemente me provoca alguma perplexidade tem a ver com o relacionamento que os eleitores adoptam individual ou mesmo colectivamente com os políticos que se apresentam a eleições. Muito para além dos aspectos exclusivamente políticos, sejam ideológicos, de classe ou outros, os cidadãos formam os seus juízos de forma que mais parecem resultar de afectos claros ou escondidos.
A mediação da comunicação social no espaço público tem muito a ver com estas formulações de juízo. Não se trata já de ajuda na construção individual de caracterização das opções políticas dos candidatos, mas de uma verdadeira construção de personalidade planeada pelas chamadas “agências de comunicação”. É frequente ver candidatos mudarem radicalmente de maneira de estar e de se afirmar politicamente, antes e durante as campanhas, num artificialismo mais que evidente, resultado do trabalho das agências.
A sociedade do espectáculo em que vivemos mergulhados e que veio substituir quase por inteiro as manifestações artísticas e a própria informação apanhou também os agentes políticos transformando-os em actores obrigados a desempenhar os papéis que lhes são pré-designados. Tal como os actores de telenovelas ou de cinema que, pelo excesso de exposição nas televisões, a certa altura parecem já pertencer á nossa família. Por isso se estabelecem laços de ligação que, não nos deixemos enganar, são apenas de um sentido e nunca biunívocos. Na realidade, os actores políticos de âmbito nacional estão lá longe, não têm nada a ver com os cidadãos comuns e a familiaridade que parecem ter é completamente artificial. São políticos que, na esmagadora maioria dos casos nunca conheceremos pessoalmente.
Coisa muito diversa acontece com os políticos locais, dos municípios ou das freguesias com quem, pela simples proximidade geográfica, será difícil que os cidadãos não se tenham já cruzado pessoalmente pelo menos uma vez. Seja por motivos profissionais, de vizinhança ou outro, a formação da perspectiva pessoal sobre esses políticos não depende tanto, ou mesmo nada, da mediação da comunicação social.
A proximidade permite construir imagens e fazer juízos de valor sobre a personalidade dos candidatos de uma forma mais verdadeira e rigorosa. É por isso que as opções ideológicas surgem na política local muito atenuadas. Ajuda igualmente a circunstância de o exercício do poder local ser muito diferente da política nacional, não havendo grandes diferenças entre exercício político de esquerdas e direitas. É muito mais importante a capacidade de fazer e a competência do que o exercício de discursos. Por isso mesmo os partidos responsáveis devem ter muito cuidado na escolha das suas propostas políticas locais, já que o carácter das personalidades é do domínio público, não sendo possível mascará-lo com artificialismos comunicacionais, por mais elaborados que sejam.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Abril 2025
Sem comentários:
Enviar um comentário