O comandante do
navio bem dava ordens de rumo ao marinheiro do leme, mas havia sempre alguém a
dizer-lhe que a derrota andava bem longe da que devia ser, embora as condições
meteorológicas até fossem as habituais naquele mar. Temia, aliás, que o
soberano que tinha as suas próprias antenas a bordo começasse a desconfiar que
algo estivesse a correr mal na navegação que pudesse colocar em causa que o fim
da viagem fosse o destino marcado na carta de navegação.
Resolveu chamar os dois
imediatos para fazer uma análise da situação e decidir quais as melhores ordens
a dar, porque ainda não estando percorrida nem metade da viagem, o navio
parecia ter alguns problemas não habituais. Claro que não gostava nada de ter
dois imediatos, mas quando o soberano lhe havia dito não ser ele a primeira
escolha para comandar aquele grande navio, não teve outra hipótese senão fazer
aquela partilha de comando, confiando que os imediatos o acompanhariam empenhadamente
até ao fim da viagem.
Quando se reuniram
à volta da mesa das cartas na ponte, não percebeu a carta que lá estava e
perguntou de onde tinha vindo, porque era muito diferente das habituais onde
ele tinha aprendido a trabalhar e que sempre lhe tinham servido para preparar a
navegação. Um dos imediatos respondeu-lhe de imediato que as cartas velhas
tinham sido atiradas ao mar, que hoje já não serviam por os tempos serem outros
e não se poder estar a seguir as regras ditadas por almirantados estrangeiros caducos,
que colocavam em causa a soberania.
As velhas coordenadas estavam calculadas em
função de critérios obsoletos e levavam sempre aos mesmos resultados definidos
por outrem, que não estavam de acordo com os novos objectivos definidos. O
comandante ficou atrapalhado, mas logo se recompôs. Afinal, tinha muita
experiência e não era por uns novatos o querem levar pelos seus próprios
caminhos que se iria perder. Lembrando-se dos seus velhos cálculos logo ali
decidiu, sem o comunicar, seguir o seu caminho sem informar os imediatos do
facto; para tal, bastava ir ao computador e fazer a simples transformação de
coordenadas, que a navegação depressa iria para o rumo que ele próprio
pretendia, sem os imediatos perceberem nada.
No entanto,
passados uns dias, um marujo de comunicações que estabelecia mais directamente contactos
com o soberano, veio informá-lo de que aquele continuava nervoso, convicto que
estava de que o rumo do navio continuava a afastar-se do que estava
estabelecido. Que diabo pensou o comandante com os seus botões, sempre receoso
das reacções do soberano que a qualquer momento podia chamar por alguém que o
substituísse no comando. Lá mandou vir outra vez os imediatos à ponte e tentou
perceber a razão da continuação do desvio da rota traçada com tanto cuidado. As
coordenadas lá continuavam com os respectivos erros compensados da forma que
havia calculado, mas havia ainda algo que não batia certo.
Foi quando o outro
imediato o informou sobre a agulha. Na realidade, ao largarem do porto tinha
mexido na agulha giroscópica porque, tal como o outro imediato no que dizia
respeito às coordenadas geográficas, entendia que o norte pré-definido estava
errado. Acrescentou que os rumos definidos para aquela viagem necessitavam de
um referencial próprio que não tinha nada a ver com uma estrela escolhida há
séculos por gente atrasada que, se calhar, ainda pensava que o Sol rodava em
volta da Terra.
O comandante mais
uma vez se serviu da sua célebre capacidade de resolução de problemas e,
manifestando a sua total concordância com os princípios definidos pelos seus
imediatos, lembrou-se da velha bússola magnética e tratou de calcular com discrição
o erro da giro e de proceder à respectiva compensação.
Claro que, com o
tempo entretanto decorrido, a rota seguida tinha-se desviado tanto do ponto de
chegada e o navio tinha dado tantas voltas em círculos, que o combustível
estava quase acabado e o porto de chegada parecia que tinha fugido para o outro
hemisfério. Não valia a pena acenar com o sucesso finalmente conseguido de
acertar com o rumo. Esse, embora fundamental, era apenas um instrumento para
atingir o destino e, finalmente, o navio teve que encostar no porto mais
próximo.