segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

The Little Drummer Boy

Pearl Harbour foi há 79 anos

Em  7 de Dezembro de 1941, faz hoje 79 anos, o Japão atacou a base naval norte-americana de Pearl Harbour, no Hawai o que levou os EUA a entrar na II Guerra Mundial.

Há quase três anos escrevi aqui sobre esse acontecimento:

( https://vistodedentro.blogspot.com/2017/01/a-guerra-e-as-escolhas.html)

No passado mês de Dezembro cumpriram-se 75 anos sobre um dos mais célebres episódios militares da História, o ataque japonês a Pearl Harbour na ilha havaiana de Oahu, que ditou a entrada dos EUA na II Guerra Mundial. Neste ataque surpresa foram destruídos vários couraçados, tendo sido severamente danificados vários outros couraçados, contratorpedeiros e cruzadores, e morreram mais de 2.400 americanos. Este episódio tem sido abordado quer na literatura, quer no cinema, sendo hoje bem conhecido, tal como as suas consequências que acabaram por levar à rendição do Japão após o lançamento das bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945.

O ataque a Pearl Harbour teve um estratega, o Almirante japonês Isoroku Yamamoto. Após o ataque, fez um comentário em que referia “recear que apenas tivesse acordado um gigante adormecido”. E Yamamoto sabia do que falava. Apesar de considerado um sucesso, na realidade não estava nenhum porta-aviões americano em Pearl Harbour, os submarinos não foram danificados e os depósitos de combustível também escaparam e ele sabia o que isso significava. Quando jovem Yamamoto foi para os EUA onde estudou na Universidade de Harvard então, como hoje, uma das universidades mais prestigiadas. Aí, a sua percepção do mundo mudou certamente da visão imperialista e fechada da filosofia medieval da “honra” dos samurais para uma abertura cosmopolita, mudança que terá sido ainda acentuada pelas suas funções posteriores de Adido Naval em Washington.

Por tudo isso era um opositor declarado à entrada do Japão em guerra com os EUA. Além de que, sendo um profundo conhecedor desse país onde vivera tantos anos, sabia exactamente o que significaria para o Japão entrar em conflito militar com os EUA. Por causa dessas suas posições, a sua vida ficou mesmo em perigo junto da clique militarista que rodeava o Imperador pelo que, se a nomeação como Comandante-chefe da Frota Combinada foi uma boia de salvação momentânea, colocou-o também na posição de responsável estratégico pela preparação do início da guerra com os EUA. E planeou um ataque de forma a infligir o máximo de estragos à Marinha Americana no Pacífico de uma só vez, prevendo a utilização de centenas de aviões transportados em porta-aviões, numa tática moderna até aí não utilizada. Os militares americanos falharam aqui redondamente porque, por um lado acreditaram que não haveria ataque sem prévia declaração de guerra e, por outro lado, não acautelaram devidamente a hipótese de ataque aero-naval combinado à distância que, no entanto, tinha sido previsto e analisado em pormenor pelo próprio Yamamoto enquanto fazia a sua preparação na América.
Yamamoto sabia que o ataque a Pearl Harbour, celebrado como uma grande vitória no Japão, havia sido um fracasso estratégico. Tal veio a confirmar-se seis meses depois num dos piores desastres navais da História, a batalha naval de Midway, em que quatro porta-aviões japoneses foram afundados pela Marinha Americana utilizando precisamente os seus porta-aviões que tinham escapado ao ataque de Pearl Harbour e que, mais uma vez, Yamamoto tentava destruir. O poderio naval japonês ficou praticamente anulado comprometendo definitivamente as aspirações de domínio do Pacífico pelo Império do Sol Nascente e colocando o Japão ao alcance dos aviões americanos. Em Abril de 1943, Yamamoto seria vítima de uma missão da aviação americana designada apropriadamente “vingança” que visou deliberadamente o abate do avião em que se deslocava quando fazia uma visita às Ilhas Salomão.
Antes de Pearl Harbour Yamamoto tinha avisado o governo japonês de que, depois de entrar em guerra com os EUA, estes demorariam entre seis meses a um ano a virar a sorte da guerra contra o Japão. Não conseguindo demover o seu governo, trabalhou depois para conseguir o máximo de eficácia naval com vista a obrigar os americanos a negociar a paz. Foi assim que delineou o ataque a Pearl Harbour e, depois às Ilhas Midway para eliminar a Marinha Americana e conseguir um domínio sobre todo o Pacífico.

 A batalha de Midway ainda hoje é estudada pelos oficiais de marinha e, embora os comandantes americanos chefiados pelo Almirante Nimitz tenham tido uma acção notável, não pode deixar de se pensar que a sorte teve também um papel essencial no resultado.
E Yamamoto ficou igualmente na História como um militar excepcional que, no entanto, colocou toda a sua competência e conhecimento ao serviço de uma política infame, com a qual aliás nem concordava, ligando a sua sorte ao destino dos criminosos imperialistas japoneses.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Sá Carneiro - 40 anos

 Passam hoje 40 anos sobre a morte de Sá Carneiro . Raramente falo nele porque me irritam todos os que se tentam colocar num pedestal à sua custa, de uma maneira ou de outra. Costumo dizer que nunca fui XXXXista, fosse de quem fosse. Na verdade, se não o fui com Sá Carneiro nunca o poderia ser com qualquer outro político da área política, depois dele.

Aproveito apenas o dia para lembrar que faz hoje 40 anos estava Oficial de Dia à Flotilha de Patrulhas na Base do Alfeite. Depois de jantar estava a ver a RTP e veio a notícia arrasadora. Para mim. Porque para os os outros dois homens que estavam de serviço comigo, um 1º Tenente e um Sargento Ajudante, foi uma festa. Desataram aos saltos e abraços de contentamento e a mim não me restou mais nada que sair para o ar frio exterior do Alfeite, enquanto me vinham lágrimas aos olhos. 

E foi assim. E Portugal est assim como está.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A legalidade, a aritmética e a Confiança

 

A minha última crónica foi motivo para diversas críticas (todas amáveis e bem vindas) sobre o aspecto concreto da formação de governos por partidos que não foram os mais votados em eleições.

Não sendo constitucionalista, nem sequer jurista, a minha visão sobre o assunto pode e terá, certamente, erros de perspectiva técnico-jurídica, mas já aprendi há muitos anos que nestas matérias é fácil suceder que o bom senso e a perspectiva do simples cidadão não fiquem a perder às doutrinas jurídico-filosóficas.

Feita esta introdução e agradecendo que me sejam relevados erros na matéria, explico as minhas razões para abordar de novo o assunto, porque estou convencido de que tem repercussões na forma como é entendida a democracia e no próprio funcionamento da sociedade. Até porque uma nova normalidade substitui uma anterior, sem que entretanto tenha havido alteração do contexto jurídico, seja constitucional, seja na lei eleitoral comum.

Para melhor explicar o raciocínio, não há como colocar um exemplo concreto que não andará longe da realidade possível. Imagine-se que um partido obtém um resultado à volta dos 39%, próximo da maioria absoluta mas sem lá chegar, e que quatro dos outros partidos andam todos à volta dos 10-12%. Podem estes juntar-se depois das eleições e formar eles próprios governo, não interessando para o caso se são de direita ou de esquerda. Será que há respeito pela vontade popular? Na minha opinião, não há!

E, no entanto, Portugal entrou nesta nova normalidade em 2015. Já não interessa quem vence as eleições, e sim que maiorias se podem formar depois delas na Assembleia da República.

Esquece-se que a Democracia é muito mais que aritmética. E que, para além da simples negociação de votos entre os partidos nesta ou naquela matéria, há todo um formalismo respeitoso da comunidade que, quando é abandonado, coloca a nu fragilidades e hipocrisias do sistema. É para mim evidente que o simples somatório de votos na Assembleia não pode substituir a convergência coerente de ideias e de programas, sob pena de o país estagnar ou retroceder nos mais diversos domínios. Coloco aqui um pequeno exemplo, mas bem significativo do que quero significar: pode a discussão de um Orçamento Geral de Estado assemelhar-se a um “bar aberto”, como sucedeu nestas últimas semanas com o OGE para 2021? Como se viu, poder pode, mas não devia.

Na Assembleia da República reside um dos pilares fundamentais da Democracia. Mas como são escolhidos os Deputados que a compõem? Não me refiro às eleições em que os cidadãos escolhem as listas partidárias que lhes são propostas, mas antes, quais são os procedimentos partidários para definição dessas listas? Durante as primeiras décadas que se seguiram ao 25 de Abril, era evidente uma preocupação dos partidos em irem procurar, nos seus quadros ou na sociedade, personalidades cuja capacidade profissional ou pessoal os colocava acima da média garantindo, pelo menos, uma consciência das consequências das opções tomadas. Do PCP ao CDS, podia-se discordar das diversas posições, mas nos diferentes partidos havia quem soubesse perfeitamente o que defendia, porquê e para quê, muito para além da mera barganha de votos.

O sistema foi evoluindo e, em boa verdade, numa direcção que não é a melhor, não se vendo quem esteja na disposição de pretender alterar as coisas. Já se sabe que as organizações concelhias dos partidos servem para aceder aos executivos municipais e as distritais, por sua vez, às listas de deputados da Assembleia da República. Os resultados não têm sido os melhores provocando um distanciamento entre os eleitores e os seus representantes que é cada vez maior. O leitor consegue identificar os deputados do seu círculo eleitoral? Provavelmente nem sabe os nomes dos eleitos da lista em que votou!

Para piorar a situação, a progressiva deslocação da população do interior para o litoral tem também, além das outras, consequências eleitorais. Entre um deputado eleito em Lisboa e outro e outro no interior, por exemplo Portalegre, pode existir uma diferença de um para três em número de eleitores necessários para o eleger.

Mas qualquer alteração que se possa imaginar para alterar esta situação, com método de Hondt modificado ou através da criação de um círculo nacional, esbarra nos interesses imediatos dos partidos.

Sendo o respeito pela vontade popular expressa pelo voto a essência da democracia representativa, há outro aspecto crucial a ter em conta: A CONFIANÇA. E a confiança tem de começar pelos partidos, que têm de a merecer pela sua prática no poder e fora dele. Sob pena de doenças graves se instalarem, como a abstenção e o populismo, como já é visível entre nós.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Novembro de 2020

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

PILOTOS F1

 

 Vale o que vale, mas uma análise às carreiras e resultados ponderados a diversos factores, como outros pilotos e carros, dá a seguinte classificação:

 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Verão é sempre que me apetecer ouvir isto

Sinais dos Açores

 


Um conhecimento dos Açores com alguma profundidade foi um dos bons resultados da minha passagem pela Armada Portuguesa no cumprimento do Serviço Militar Obrigatório que aconteceu com Portugal em paz, isto é, depois do 25 de Abril. Posso, pois, afirmar que conheço todas e cada uma das nove ilhas do arquipélago e que guardo para a vida algumas das experiências por que lá passei, desde comer um verdadeiro cozido das Furnas, o que hoje já não sucede, até apanhar uma tempestade no mar entre o Faial e as Flores, daquelas mesmo a sério, com ondas de mais dez metros. Conhecimento que me transformou num verdadeiro apaixonado pelas ilhas do meio do Atlântico sabendo contudo que, se os Açores são uma maravilha da Natureza, a vida lá pode tornar-se muito difícil.

Nos últimos dias falou-se muito dos Açores, mas por motivos que têm pouco a ver com as paisagens e sim com as opções políticas dos açorianos nas últimas eleições regionais. O PS governou os Açores nos últimos 24 anos, que se seguiram a um período em que o PSD governou durante 20 anos. Nestas eleições regionais de 2020, o PS foi o partido mais votado mas, estranhamente, não tentou formar governo e submetê-lo à aprovação da AR como seria natural. Foi o PSD-Açores que tratou de formar governo por coligação com o CDS e PPM regionais e apoio parlamentar da Iniciativa Liberal e do Chega. Parece que, depois da geringonça de 2015, deixou de ser natural respeitar a vontade dos eleitores ao votarem mais nuns partidos do que noutros, para os parlamentos encontrarem soluções maioritárias sem ligarem a esse aspecto crucial na democracia.

Em consequência, a atenção mediática voltou-se para o facto de o PSD ter negociado com o Chega o apoio parlamentar para garantir a governação da Região Autónoma dos Açores. E, na verdade, trata-se de um aspecto crucial da vida política nacional, já que anuncia a possibilidade de um acordo futuro semelhante, a nível nacional. Pessoalmente, nunca concordei com a formação de governos liderados por partidos que ficam em segundo lugar nas eleições. É perfeitamente legal, mas deita para o lixo a vontade expressa nas urnas pelos eleitores. E, se tive essa posição nos inícios de 2016, mantenho-a agora. Como vimos em Portugal nos últimos 5 anos as consequências políticas deste tipo de governos são óbvias já que a pura manutenção no poder substitui a governação de fundo. Por outro lado a discussão pública foi aprisionada por uma retórica populista esquerdista, enquanto o país se foi paulatinamente empobrecendo em relação aos outros países da União, dependendo cada vez mais de fundos europeus para tudo resolver como se vê pela fraca resposta do Estado aos problemas sanitários e económicos da pandemia: não há dinheiro!

Além da discordância de princípio, resta o acordo com o Chega. O facto de o PS se ter metido nas mãos do PCP e do BE não serve de justificação para o PSD ir fazer o mesmo com o Chega. Os partidos de centro, sejam de esquerda ou de direita, não devem misturar-se com partidos populistas, sob pena de degradarem a democracia, dado que os discursos desses partidos deixam de ser tidos como extremistas, passando a ser integrados na discussão política normal, com consequências futuras nefastas para a democracia. É a isto que se pode chamar, com toda a propriedade, chocar o ovo da serpente.

A discussão sobre diminuir radicalmente o Rendimento Social de Inserção nos Açores é, sob este ponto de vista, exemplar. A percentagem de beneficiários RSI relativamente à população residente com mais de 15 anos é de 10,2%, enquanto no Continente é de 3%. Mas estigmatizar quem recebe RSI que é uma faixa de população pobre é um erro, além de ser uma política indecente, porque não é origem do problema e sim consequência. É preciso olhar para as pessoas e criar condições para que o RSI não seja necessário. Podia antes referir-se que o nº de pessoas por médico é, nos Açores, 278 quando em Portugal é de 186. Ou que o PIB per capita é de 17.514 e em Portugal de 19.827 e que o poder de compra é 87,3% do de Portugal. Devemos também notar que a percentagem de alunos com 15 ou mais anos sem ensino secundário é de 70% contra 58% em Portugal; que a taxa equivalente com ensino superior é de 11% contra 20% em Portugal e ainda que a taxa de abandono escolar precoce é de 27% contra 11% em Portugal como um todo.

É nestes aspectos que têm a ver com a boa ou má governação que o PSD deveria centrar as suas preocupações e não nos desgraçados que recebem RSI autorizando que um partido como o Chega influencie as suas políticas, pelo menos na linguagem. O simples facto de acordar com o Chega a diminuição do RSI é uma cedência inadmissível para um partido social-democrata, por se tratar de uma questão populista e por trazer para a governação um resultado de políticas e não as suas causas.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Novembro de 2020

Bom dia e boa semana

sábado, 21 de novembro de 2020

GOVERNOS

 Fotografia da apresentação do governo da Holanda.

Não, não pretendo fazer uma comparação do nº de ministros com o governo de Portugal, porque sei bem a diferença entre qualidade e quantidade.

Chamo a atenção para um pormenor. O vice primeiro-ministro e ministro da Saúde usa uns sapatos estranhos e...made in Portugal, para nosso orgulho.


Cortesia de Rentes de Carvalho no seu blogue TEMPO CONTADO


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Inacção por complexos de culpa?

 

Agora é em Moçambique. Na senda dos talibans do Afeganistão, do Daesh no Iraque e não só, continuam ali os assassínios públicos. Na aldeia de Muatide no norte de Moçambique os islamitas lá do sítio, que pretendem estabelecer outro «estado islâmico», decapitaram há poucos dias 50 pessoas num campo de futebol transformado em campo de execução, incluindo homens, mulheres e crianças. Há já três anos que um “grupo radical islâmico” traz em terror a população da província de Cabo Delgado no norte de Moçambique, estimando a Amnistia Internacional que mais de 700.000 pessoas necessitam de ajuda humanitária. Ajuda essa que o Bispo da diocese de Pemba D. Luiz Fernando Lisboa pede com insistência, perante a mais completa incapacidade do Estado moçambicano para resolver a situação que se salda hoje em pelo menos 2.000 mortos e 400.000 pessoas deslocadas.

Várias organizações humanitárias que estão no terreno têm chamado a atenção para o que se passa, tal como a ONU que estará consciente da situação. A União Europeia também já manifestou intenção de ajudar. Mas ninguém mostra qualquer interesse em enviar tropas especializadas para ajudar Moçambique, sem o que o problema continuará certamente a existir ou mesmo a piorar. Nem Portugal se mostrou até agora capaz, ou mesmo com vontade, de suscitar apoios para uma missão militar internacional que vá ajudar aquele povo nosso irmão, quando mantemos tropas no Mali, por exemplo.

Claro que as notícias de assassinatos na Europa enchem sempre muito mais os telejornais, até pela possibilidade dos directos imediatos. Lembramo-nos todos do ataque à revista «Charlie Hebdo» em 7 de Janeiro de 2015, em Paris, de que resultaram doze pessoas mortas e cinco feridas gravemente. Ou do ataque no teatro Bataclan, em 13 de Novembro do mesmo ano onde os terroristas islâmicos fuzilaram várias pessoas provocando 89 mortos. Ou dos atentados em Barcelona em 17 de Agosto de 2017, quando um terrorista islâmico entrou com uma carrinha na Rambla cheia de pessoas a passear como é habitual, matando logo 13 delas e ferindo mais de cem.


Desde 2017, só em França houve 32 ataques deste tipo. Há poucas semanas foi assassinado e decapitado o professor de História francês Samuel Paty que ousou discutir as gravuras de Maomé na aula. E à porta da catedral de Nice foi há poucos dias morto o seu sacristão e duas mulheres, uma delas quase decapitada. A propósito, não deveremos esquecer a fatwa lançada contra Salman Rushdie pelos ayatollahs iranianos em 1989 na sequência da publicação da obra «Versículos Satânicos», que ainda hoje está em vigor, obrigando o escritor a viver escondido desde então.

Embora seja muito fácil designar responsáveis para estes atentados, porque as testemunhas, quando as há sobreviventes, referem sempre ouvir as palavras «Alá é grande» gritadas em árabe pelos perpetradores dos assassínios, na realidade a comunicação social raramente associa o adjectivo islâmico aos atentados e seria bom saber-se exactamente porque é que isso acontece. Não será a razão única, mas o que parece é que temos uma espécie de complexo de culpa perante as acções de gente que mais parece ter parado na evolução civilizacional há muitas centenas de anos.

Exemplo acabado dessa atitude é a reacção do Bispo do Porto D. Manuel Linda que escreveu no twitter depois do atentado na catedral de Nice: «O atentado de ontem, na catedral de Nice, não é luta do Islão contra o Cristianismo, é o resultado dos preconceitos daqueles europeus que não só não fomentam o diálogo intercultural e inter-religioso como estão sempre de dedo em riste a acusar as religiões». Pois é, Sr. Bispo. Se calhar uma conversa com o Bispo de Pemba seria conveniente para perceber algumas coisas. Em primeiro lugar os europeus não têm culpa nenhuma da barbárie que os terroristas islâmicos estão a praticar em Moçambique. Por outro lado, as guerras religiosas entre cristãos e muçulmanos já acabaram há centenas de anos, como o Sr. Bispo muito bem sabe, não havendo razões para os cristãos terem hoje quaisquer sentimentos de culpa em relação a isso, muito menos complexos. Já agora, nunca reparou que são os ditos combatentes islâmicos, do Daesh por exemplo, que estão sempre a levantar o dedinho quando fazem as suas ameaças ao resto do mundo?

Portugal foi o último país europeu a descolonizar em África, tal como tinha sido o primeiro a colonizar. As nossas antigas colónias lutaram pela sua independência, tal como os nossos antepassados lutaram, várias vezes, pela independência do nosso país. Foi um sacrifício de ambos os lados, hoje ultrapassado, existindo uma fraternidade entre os povos que se espera dure durante muitas gerações futuras. Mas é precisamente por já não haver lugar a sentimentos colonialistas que os complexos opostos também não têm lugar. E quando alguém está em dificuldades os irmãos são sempre os primeiros a irem ajudar. Ajudemos Moçambique neste transe horrível por que está a passar.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Novembro de 2020