segunda-feira, 1 de setembro de 2025

1 de Setembro 1939

 

Passam hoje 86 anos sobre a invasão nazi à Polónia, data que assinala o início formal da Segunda Guerra Mundial dado que, dois dias depois, a Inglaterra e a França declararam guerra à Alemanha. O motivo próximo invocado por Hitler para a invasão foi a recusa polaca em entregar à Alemanha parte do seu território, a que a Alemanha nazi se achava com direito. Na realidade. Hitler apenas continuava a levar a cabo, contra a opinião dos seus próprios generais, a sua política expansionista facilitada pela assinatura, em 23 de Agosto, do “Pacto Germano-Soviético”, também conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop. Duas semanas depois, ainda no cumprimento do mesmo pacto, foi a vez de a União Soviética invadir a Polónia pelo Leste.

O expansionsmo nazi já se tinha manifestado antes com a anexação da Áustria em1938 e da Checoslováquia em1939. Os líderes europeus, com o PM inglês Neville Chamberlain à cabeça, esforçaram-se ingenuamente a tentar “apaziguar” o líder nazi nomeadamente através do Acordo de Munique. Apenas para verem Hitler violar todos os acordos e acabar a invadir a Polónia com as consequências trágicas que conhecemos que só terminaram em 1945 depois da morte de mais de 70 milhões de pessoas em todo o mundo.

Isto passou-se há cerca de 90 anos e devia servir de exemplo para a actualidade. Após o fim da “guerra fria” e da dissolução da União Soviética, muitos dos países subjugados pela Rússia comunista viram a oportunidade de escolher o seu caminho em liberdade. Foi o caso de vários países da Europa de Leste que acabaram mesmo por entrar na União Europeia e ainda os países bálticos.

A Ucrânia aproveitou também a oportunidade e declarou a sua independência em 1 de Dezembro de 1991. Dado que na Ucrânia estavam depositadas muitas armas nucleares da ex-União Soviética que a tornavam mesmo na terceira potência nuclear, colocou-se a questão do destino a dar àquele arsenal nuclear. Chegou-se a um acordo pelo qual a Ucrânia transferiria as armas nucleares para a Rússia a fim de serem desmanteladas. Em troca, seriam respeitadas a soberania e a integridade da Ucrânia, abstendo-se os países signatários de uso de força contra o novo país. Entre os principais signatários do “Memorando de Budapeste” contavam-se a Rússia, os EUA e o Reino Unido. Tratando-se de um memorando político não tinha força legal, mas era um compromisso internacional que levou a Ucrânia a largar mão do poderio nuclear e da correspondente garantia real de protecção.

Mas a chegada de Putin à liderança da Federação Russa alterou tudo. Para este antigo oficial KGB o fim da URSS foi a maior tragédia do sec. XX, tendo adoptado uma postura beligerante com o Ocidente e de regresso às velhas pretensões imperialistas russas. A Rússia entrou em diversas guerras desde então, na Chechénia, na Geórgia, na Síria e, principalmente, na Ucrânia que considera ser parte integrante da Rússia. Logo em 2014 anexou a Crimeia e em 2022 invadiu mesmo a Ucrânia numa guerra que dura desde então. Putin não admite que a Ucrânia tenha pretensões a integrar a União Europeia, embora seja um país soberano. Com a sua experiência pessoal das duas antigas Alemanhas comunista e ocidental ele sabe bem as consequências da vizinhança de regimes diferentes no que respeita às liberdades e quem acaba por ficar a perder com o tempo. Por isso mantém uma guerra de invasão a um país soberano levada a cabo de forma selvática e assassina.

A comparação da actual situação com a de há noventa anos é inevitável. Quer nas razões apresentadas para a guerra, quer na existência de líderes “ingénuos” que com o seu pacifismo apenas servem os interesses dos imperialistas, quer nos que no meio de tudo apenas pretendem tirar vantagens financeiras.

De novo me vejo obrigado a citar Aldous Huxley:

"(…) Que os homens não aprendem muito com as lições da História é a mais importante de todas as lições que a História tem para ensinar (…)”

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Setembro de 2025 

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Portugal a arder

A dimensão dos fogos que neste Verão têm atingido Portugal, mas essencialmente as Beiras, não permite que se passe ao lado do assunto. Não do ponto de vista do especialista, que não sou, mas de um simples cidadão beirão que pessoalmente se viu envolvido neste problema, em vários aspectos.

A questão dos fogos tem, desde logo, duas componentes e uma envolvente: é evidente que as novas características climatéricas do nosso país criam um novo contexto que condiciona a prevenção e a resposta a dar aos incêndios.

As altas temperaturas durante muitos dias seguidos, bem como os ventos fortes que as acompanham facilitam a rápida e poderosa propagação dos incêndios. Ainda que não aconteçam muitas ignições como tem acontecido, as que acontecem ganham rapidamente dimensões de difícil combate. Principalmente quando esse combate não se faz logo no início, com muita força. O que exigiria uma dispersão de meios pelo território, previamente ao surgimento das ignições, para além da utilização dos meios de detecção que a evolução tecnológica permite. Esta uma prevenção imediata que exige, para além da capacidade de detecção tecnológica e humana, meios de ataque robustos de que os meios aéreos são uma parcela decisiva. As previsões meteorológicas que hoje são muito precisas devem ser tidas permanentemente em conta, sem quaisquer facilitismos. Por um motivo: nesta, como noutras matérias, o que pode correr mal, vai ser certamente correr mal. É por esta simples razão não solicitar todo o apoio de meios aéreos que se possa ter logo no início dos fogos é uma falha política que, ainda que baseada em opiniões “técnicas”, não é aceitável. Tal como é incompreensível que, ao fim de todos estes anos, o país não disponha de meios aéreos próprios de ataque a incêndios, incluindo pesados.

Não vale a pena imaginar que o abandono do nosso interior vai ser revertido. Não vai, e isso tem de ser um dado do problema. Já a proibição absoluta de construções fora dos núcleos urbanos das aldeias e vilas deve ser tomada com urgência e vertida para os PDM’s. As autarquias têm de ser responsabilizadas pela existência de espécies vegetais propícias à propagação de incêndios nas proximidades das edificações. A eliminação da continuidade vegetal em quilómetros de extensão tem de ser realizada e garantida no tempo.

A estratégia do ataque aos incêndios rurais e o desenho do respectivo dispositivo tem de ter uma componente de decisão final política, para além da técnica. À semelhança do que acontece com a Defesa Nacional em que os técnicos aconselham, mas as decisões finais são sempre políticas. Nem se compreenderia que fosse ao contrário, por que razão nesta área é assim? A decisão de pedir ajuda à União Europeia é política e a simples prudência deveria aconselhar a tomá-la assim que a propagação das chamas se revelou difícil.

O Governo reconheceu ter havido “descoordenações momentâneas”, mas todos tivemos oportunidade de as ver em directo nas televisões quando bombeiros junto dos locais eram impedidos à distância de agir de imediato face a situações fáceis de resolver. Situações que minutos depois se tornavam incontroláveis.

Todos percebemos que, depois dos mais de cem mortos de 2017, as prioridades foram alteradas, e bem se compreende, para defesa prioritária das casas e dos seus habitantes. Mas tal não pode ser conseguido à custa de incêndios totalmente descontrolados, ficando os bombeiros limitados a esperar com as mangueiras nas estradas e junto das casas que as chamas aí cheguem. Aldeias e mais aldeias ficam assim expostas a que frentes de dezenas de quilómetros de fogo progridam e as coloquem em perigo, apenas para serem salvas “in extremis” pelos próprios moradores ou pelos bombeiros, sempre valorosos e prontos a ajudar o próximo.

Perante o que vemos, ouvimos e lemos, de algo podemos estar certos: com a actual organização da Protecção Civil, dos Bombeiros e da estratégia relativa aos fogos florestais não conseguiremos melhores resultados.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Agosto de 2025 

 

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Anjos, ou nem assim tanto

 

Não há Verão que não tenha a sua parte de “silly season”. Mesmo no “Verão quente” de 1975, passam agora 50 anos, houve cenas que apelavam mais para o disparate inconsequente do que para a seriedade do que se passava no país. Já neste Verão de 2025 temos o julgamento do processo que opõe a dupla de cantores constituída pelos irmãos Rosado sob a designação “Anjos” e a humorista Joana Marques.

Quando soube da queixa nem queria acreditar, julgando que se tratava de mais uma das formas de publicidade que para aí abundam, com o objectivo de obter os tais “cinco minutos de fama” que garantissem mais casas cheias ao grupo. Como a minha ignorância sobre certas formas de música é muito grande, pensei que a banda “Anjos” até fosse constituída por dois jovens, que é o habitual entre bandas de irmãos. Mas não, os irmãos Rosado são dois homens maduros que assim ganham a vida, e fazem eles bem, que a dita vida está difícil para toda a gente.

Contudo, a força das notícias sobre o tal processo judicial foi de tal impacto que fui fazer o que julgo ter feito a maioria dos portugueses: procurei informar-me sobre o caso. E ainda mais espantado fiquei. Os “Anjos” processavam a humorista por causa de um vídeo por ela publicado em que fazia o que lhe é habitual: expunha o ridículo de algo. No caso, uma actuação obviamente falhada do duo cantor na interpretação do hino nacional antes de uma prova desportiva de motos, no Algarve. Dois anos antes da causa em Tribunal.

Dois motivos se me apresentaram para justificar a ida a Tribunal por causa de tal matéria. Desde logo, algo muito próximo de litigância de má-fé, utilizando os “Anjos” a Justiça com o objectivo de prejudicar a humorista, daí tentando retirar lucros financeiros pedindo uma indemnização de mais de um milhão de euros por supostos prejuízos sofridos. Claro que a banda canora tem toda a liberdade para se queixar na justiça, mas não me parece que o Tribunal vá nesta conversa, por mais queixas de acne que apresentem. É apenas ridículo.

Mas há outra possível razão e esta será mais séria. É claramente perceptível na sociedade portuguesa uma intolerância crescente. Nota-se isso no comportamento de demasiadas pessoas, seja na rua, em restaurantes ou na circulação automóvel. À mínima situação que normalmente provocaria apenas alguma manifestação de desagrado, salta imediatamente uma violência verbal desmedida, quando não mesmo física. Claro que, nas redes sociais, isso é mesmo o dia-a-dia provocando um acantonamento social que, cada vez mais, isola as pessoas nos seus grupos políticos, sociais ou familiares, na prática impedindo qualquer debate ou mesmo conversa séria.

A intolerância à crítica é uma das consequências deste comportamento que se generaliza na nossa sociedade. Chega mesmo a raiar a vontade de censurar toda e qualquer manifestação de opinião própria desfavorável, pior ainda se essa crítica se revestir de humor. Devemos reconhecer que Portugal viveu durante muito tempo num ambiente fechado, desfavorável à liberdade de expressão. Durante uns três séculos a Inquisição zelou para que isso fosse habituando os portugueses a encontrar processos escondidos para encontrar caminhos diferentes da norma oficial. Na primeira metade do sec. XX o Estado Novo também não foi capaz de encontrar outra maneira de impor a sua “verdade” que não pela censura oficial.

Nos últimos 50 anos todos fomos aprendendo a viver democraticamente, aceitando opiniões diversas e a viver pacificamente com a crítica. De vez em quando os humoristas lá tinham algum percalço no caminho, mas apenas quando se metiam com alguma instituição mais fechada. Nunca por criticarem as actuações de artistas, fossem músicos, pintores ou escritores. Esta situação que agora se nos depara é nova e, claramente, tem como objectivo coartar a liberdade de expressão, no caso concreto através do humor. Só podemos esperar que o Tribunal assim entenda porque os portugueses não querem voltar atrás.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Agosto de 2025