segunda-feira, 6 de outubro de 2025

NOBEL DA PAZ

 

Um dos cinco prémios que Alfred Nobel estabeleceu nas suas últimas vontades é o destinado anualmente àqueles que “fizeram o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”. É o Prémio Nobel da Paz. Alfred Nobel deixou indicações para que o galardoado com este prémio seja seleccionado pelo Comité Norueguês do Nobel com cinco membros nomeado pelo Parlamento da Noruega. É entregue anualmente numa cerimónia em Oslo sendo, assim, o único não entregue em Estocolmo, na Suécia.

O Presidente dos EUA tem vindo a afirmar, insistentemente, que merece mais do que ninguém receber o Prémio Nobel da Paz. Apresenta como justificação o ter resolvido vários conflitos globais, incluindo os que se verificam entre a Tailândia e o Camboja, Israel e o Irão, o Ruanda e a República Democrática do Congo, a Índia e o Paquistão, a Sérvia e o Kosovo, e entre o Egito e a Etiópia. Deixo à consideração dos leitores a verificação da exactidão desta alegação, absolutamente fantasiosa. De fora fica a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, essa sim verdadeira há mais de três anos e que Trump garantia, ao ser eleito, conseguir resolver em três dias.

Tal é o seu desejo de ser Prémio Nobel da Paz que considerou mesmo, perante centenas de Generais e Almirantes americanos, que “será um insulto para os Estados Unidos se não receber o prémio Nobel da Paz”.

Não me recordo de alguém fazer uma campanha pessoal para receber um Nobel, seja ele qual for. Claro que há propostas, há os respectivos defensores, mas que o próprio exija desta forma um Nobel que considera dele, é completamente inaudito. O que merece alguma reflexão, tentando perceber as raízes de tal vontade.

A linguagem nunca substituiu a realidade, mas dá indícios claros sobre o rigor de quem se pronuncia. Há quem considere que a Paz como sugere Trump, é a ausência de guerra mas, nada de mais errado: não era por não ter guerra no seu interior que a França de Vichi estava em paz. Tal como há responsáveis educativos que afirmam correntemente que o objectivo do sistema educativo são os alunos; não é, é sim a educação desses alunos. Ou quem diga calmamente que o interesse dos hospitais são os doentes quando é, isso sim, a saúde deles. Tudo coisas muito diferentes.

O movimento MAGA de Donald Trump que se está a substituir ao antigo Partido Republicano tem um ódio de estimação: o antigo Presidente Barak Obama. E dá-se o caso de Obama ter sido Prémio Nobel da Paz em 2009. Tal como o foram anteriormente os presidentes Roosevelt em 1906, Wilson em 1919 e Carter em 2002.

Residirá nesta circunstância a explicação para o desejo estranhamente acerbado de Donald Trump para ser, a todo o custo, Prémio Nobel da Paz, provindo de alguém que, recentemente substituiu a designação da “Secretaria da Defesa” por “Secretaria da Guerra”. Estranha maneira de promover a Paz. Faria todo o sentido que alguém lhe transmitisse o ensinamento de Mahatma Gandhi: “Não há caminho para a paz, a paz é o caminho”.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Outubro de 2025 

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Trump e o mundo

 

Neste ano que corre para o fim o mundo parece ter entrado numa fase de aceleração que nos merece atenção e, sobretudo, muita preocupação. No centro desta espécie de tornado político está o Presidente dos EUA que tomou posse em 20 de Janeiro, há apenas oito meses, período que nos parece muito mais longo do que na realidade é.

A actuação de um responsável político de um determinado país é, por princípio, apenas uma questão da política interna desse país. Mas tal afirmação não se pode aplicar a Donald Trump pela simples razão de que se trata dos EUA, o país mais poderoso do mundo que, além do mais, é o membro mais influente de uma aliança militar a que também pertencemos, a NATO. Essa circunstância, conjuntamente com a existência de uma guerra de um país europeu, atribui à actuação de Donald Trump uma importância global, com particular incidência na Europa a que pertencemos.

Depois de décadas de paz na sequência da II Guerra Mundial, os países europeus foram ampliando a sua cooperação económica e política, imaginando que essa paz seria eterna, preocupando-se apenas com o crescimento e o bem-estar das suas populações. Essa atitude deveu-se, em boa parte, ao facto de a NATO constituir um guarda-chuva militar e que, no fundo, a Europa continuaria a ter a certeza do apoio militar americano em caso de conflito militar. No fundo, que sucederia o mesmo que nas duas grandes guerras do sec. XX. Erro crasso, como agora se vê. O velho imperialismo reaccionário russo voltou e resolveu atacar a Europa, não só territorialmente, mas também ou sobretudo em tudo o que o Ocidente representa em termos civilizacionais. A invasão da Ucrânia e a guerra subsequente está aí para demonstrar esta realidade. Mas isto será apenas o princípio: nos últimos dias Putin entretém-se a testar a resposta ocidental com drones sobre a Polónia, sobrevoo da Estónia com caças e ataques cibernéticos generalizados.

Infelizmente, do outro lado do Atlântico está alguém que resolveu sonhar com um prémio Nobel da Paz! E, na prática, abandonou os seus velhos aliados europeus e passou a receber Putin no território americano com passadeira vermelha e a bater palmas. Na realidade, todas as suas acções internacionais se explicam apenas por uma razão: negócio. As tarifas, há tanto tempo abandonadas por serem um disparate que se paga mais tarde de forma trágica, a venda de armas à Europa para esta ajudar a Ucrânia e, cereja em cima do bolo, o desejo de construir uma Riviera em Gaza. Nem sequer tenta esconder o negócio puro e duro sem quaisquer limites com algum princípio moral ou de pretender que é um mal menor necessário em função de um futuro melhor.

As consequências da acção de Donald Trump a nível internacional resumem-se numa palavra: caos. E do caos não sai nada de positivo, como se vê pelas fotografias recentes em Xangai dos líderes russo, chinês e coreano do Norte com sorrisos largos perante a perspectiva da nova ordem mundial que afanosamente preparam, sendo todos eles ditadores.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de  22 Setembro 2025

sábado, 20 de setembro de 2025

A regulação é necessária e fundamental

 

No meio das notícias sobre outros assuntos que tomaram a primazia na comunicação social, passou praticamente despercebida uma decisão do Tribunal Constitucional, talvez porque se pensou que com essa decisão o assunto ficara morto e enterrado. Refiro-me, claro está, à recusa daquele Tribunal em reverter a anulação das coimas impostas pela Autoridade da Concorrência (AdC) aos bancos no âmbito do chamado processo do “Cartel da Banca”.

Recordo que os factos a que se refere este processo ocorreram entre os anos 2002 e 2013, portanto há mais de doze anos e teve início com uma denúncia de um dos bancos participantes, o Barclays, que já não tem actividade em Portugal. Ficou provado que os bancos visados praticaram uma “troca contínua de informações sensíveis sobre preços e outras condições comerciais de crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito para PMEs durante aquele período. Estas práticas anti concorrenciais permitiram aos bancos em causa cobrar taxas de juro aos clientes superiores às que deveriam acontecer em condições de concorrência normal originando lucros indevidos. O Tribunal da Concorrência condenou os bancos a coimas no montante de cerca de 225 milhões de euros. Nomeio os principais bancos condenados por aquele tribunal: CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões), BPI (30 milhões) Banco Montepio (13 milhões de euros), BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), BIC (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), UCI (150 mil). É genericamente considerado que aqueles valores nem seriam demasiado elevados atendendo aos montantes indevidamente ganhos pelos bancos. O facto de o banco do Estado, a CGD, estar incluído neste rol, quando deveria ter também um papel regulador é algo de inaceitável.

Por causa de prescrições, e embora tenha confirmado os factos em julgamento, o Tribunal da Relação de Lisboa, chamado a pronunciar-se, anulou as coimas aos bancos.

Isto é, mais uma vez os portugueses veem-se confrontados com uma prescrição que constitui uma tremenda falha da Justiça em que, tendo dinheiro, se conseguem sucessivos adiamentos das decisões judiciais.

Desde há cinquenta anos que os portugueses sucessivamente confirmam a sua escolha eleitoral por um sistema de livre mercado. Este sistema, para ser minimamente justo, necessita de uma regulação séria da actividade económica que defenda os cidadãos de uma concorrência falseada. Em particular, a actividade financeira tem de ser regulada com especial cuidado, por ser essencial a toda a restante actividade económica.

Uma das razões por que muitas nações falham é a existência generalizada de rentismo, quer por parte do Estado através de impostos excessivos, quer pelas grandes empresas por preços artificialmente elevados. A falta de uma concorrência sã provoca aumentos dos custos para os clientes e tem ainda como consequência uma deficiência de empreendedorismo e diminuição da qualidade da oferta.

A verificação de que, de facto, o sistema financeiro durante anos cartelizou a sua actividade sem que o Estado, que nos devia defender, consiga a devida penalização é um sinal de que algo corre muito mal no sistema em que escolhemos viver. Se a banca teve estas práticas, quem nos garante que as grandes empresas que trabalham em áreas quase reservadas não fazem o mesmo? Desde a grande distribuição às telecomunicações e distribuidoras de combustível todos dependemos da regulação que, supostamente, o Estado nos garante. Mas será que isso acontece mesmo?

O fracasso da acção da regulação neste caso do “cartel da Banca” dá-nos uma resposta e não é de forma nenhuma de molde a colocar os portugueses confiantes. E nem vale acusar o Sistema Judicial de ser responsável pela situação, já que apenas aplica as leis como elas são aprovadas pelo correspondente poder, que é o legislativo, ou seja, a Assembleia da República.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Setembro de 2025