segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

UMA CAMPANHA TRISTE

 

Falta cerca de mês e meio para a primeira volta das eleições em que os cidadãos portugueses escolherão o nome do próximo Presidente da República, que se realizará em 18 de Janeiro.

Desde 1976 que voto nestas eleições e nunca faltei a nenhuma. Estas eleições são, no entanto, diferentes de todas as outras desde logo porque penso não errar ao afirmar que nunca umas eleições presidenciais viram um número tão elevado de candidatos, homens e mulheres. Tratando-se de presidenciais, os critérios de escolha que deverão ser a nossa preocupação são obrigatoriamente diversos dos que determinam as nossas opções para escolha dos partidos que constituem a Assembleia da República, de onde emanam os governos.

Claro que, ao tomar posse, o Presidente da República jura cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa que define quais são as suas competências, poucas, no nosso sistema político, compreendidas em três artigos: 133, 134 e 135. Essencialmente, as competências principais, para além da promulgação de leis, decretos etc., consistem em dissolver a Assembleia da República em determinadas circunstâncias, nomear o Primeiro-Ministro ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais, ou demitir o Governo e exonerar o Primeiro-Ministro, sempre nos termos definidos na Constituição. As outras competências revestem-se de carácter mais administrativo.

É habitual considerar que o maior poder presidencial reside na possibilidade de dissolução da Assembleia da República, que é inteiramente político e essencialmente dependente do critério do Presidente, sendo por isso chamado a “bomba atómica”. Apesar dessa designação, já foi utilizado várias vezes e por diferentes presidentes.

O que é pacífico é que o Presidente não legisla, não governa nem administra Justiça.

É, assim, desgarrada da realidade das competências presidenciais muita da discussão que se tem visto nesta campanha em que se discutem assuntos de justiça, imigração, saúde, trabalho, etc. Claro que é conveniente saber quais as ideias de cada candidato sobre as principais questões nacionais. Mas o que se passa é que os candidatos claramente ligados a partidos tentam acantonar ideologicamente os outros candidatos. Isso é particularmente visível nos candidatos situados perto dos extremos políticos, à esquerda e à direita, que fazem os possíveis por atirar para o outro extremo os candidatos mais moderados que encontram grande dificuldades para se conseguirem defender.

Como todos os cidadãos tento deslindar as características que correspondem aos critérios de escolha de um Presidente da República, pelo meio das discussões que podem parecer inúteis ou fúteis, mas que escondem frequentemente verdadeiras opções ideológicas extremas. Algo difícil, já que se verifica que os actuais candidatos podem ter experiência partidária ou mesmo governativa, mas nunca de topo. Tal como o exercício de funções privadas relevantes. Sinal dos tempos, ou apenas uma campanha triste?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Dezembro 2025 

 

terça-feira, 25 de novembro de 2025

NASCIDA EM ABRIL, SALVA EM NOVEMBRO

 

Para variar, começo esta crónica com uma pequena história. A criança tinha sido longamente desejada e acabou por nascer de um parto complicado, mas saudável e com notória vontade de viver. Os pais ficaram, como é normal, contentíssimos com a chegada do rebento e prepararam-se para lhe dar todas as condições para uma vida longa e feliz. Como todas as crianças, claro que sofreu de doenças e viveu situações de perigo que os pais, mesmo os mais vigilantes, não podem estar sempre presentes para garantir completamente a segurança. Quando já tinha uns cinco mesitos, sofreu de algumas dores, que os médicos classificaram como uma vulgar crise de crescimento, talvez sinal do aparecimento do primeiro dentito de leite. Aos onze meses atacou-a uma virose já séria não sendo ainda possível, na altura, saber se teria consequências de saúde mais graves. Mas o primeiro aniversário foi uma festa gigantesca com a participação, não só da família mais directa, mas também de imensos primos e mesmo de conhecidos e amigos que não quiseram deixar de participar activamente nas festividades. Sinal de que muita gente tinha vontade de vir a participar em mais aniversários daquela criança bonita e sempre bem-disposta em quem, já não apenas os pais, tanta gente depositava esperanças. Aos dezanove meses já a criança andava, embora ainda cambaleante, mas dando os seus primeiros passeios exploratórios do que a rodeava. Foi nessa altura que se deu um acontecimento que poderia ter mudado o futuro da criança de forma trágica. Com os pais ocupados a tratar de assunto decerto importante, a criança escapuliu-se para o jardim e afastou-se de segurança da casa. Uns vizinhos estavam a cortar uma árvore para se aquecerem com a lenha e, embora se tivessem apercebido da presença da criança, não se preocuparam e continuaram a sua actividade, considerando que o seu aquecimento era mais importante que uma criança. Quando a árvore se começou a inclinar para cima da criança, os pais aperceberam-se do que estava prestes a acontecer e correram aflitos, conseguindo pegar nela e salvá-la, embora eles próprios tivessem ficado feridos. Esse acontecimento que poderia ter feito com que a vida da criança tivesse ficado por ali ficou para sempre marcado na memória de todos.

Na verdade, a criança desta história chama-se Liberdade e nasceu a 25 de Abril de 1974. Não morreu a 25 de Novembro de 1975 porque foi salva pelos pais de morte certa, no último momento.

Cinquenta anos depois, quem quase matou a criança recusa-se a celebrar esse salvamento o que é perfeitamente compreensível, porque nunca assumiu as suas responsabilidades nesse acto. Discute-se se o salvamento da Liberdade da morte certa coloca em causa o seu nascimento: discussão mais tola deve ser difícil de inventar.

O que deve ser celebrado é a vida, em todos s seus momentos. E a vida saudável e permanente da Liberdade é algo a comemorar permanentemente mas, sobretudo, a proteger sempre. Com a consciência de que a democracia assegura a liberdade mesmo aos que dela se aproveitam para a tentar destruir, sendo mesmo essa a sua grande vantagem sobre outros regimes.

Publicada originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Novembro de 2025 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

“BRANDOS” COSTUMES do sec. XIX

 

Portugal é um país muito antigo. Tal significa uma unidade territorial ao longo do tempo, mas também do seu povo e suas características. E, se há alguma delas que é possível de verificar com constância durante os séculos é que se à superfície parecemos muito pacíficos, na realidade há sempre alguma violência à espera de surgir. O mito do “povo de brandos costumes” não passa disso mesmo, um mito que pode servir os interesses de alguém quando lhe interessa. Mesmo na actualidade isso é verdade, aconselho a leitura dos romances de Rómulo de Carvalho para o perceber.

O sec. XX português foi muito consequência do que se passou no seculo anterior, nomeadamente no que respeita ao enormíssimo atraso social e económico com que começou. O trágico fim da Monarquia e tudo o que se passou nas primeiras décadas da República, de que a célebre “formiga branca” ficou como símbolo, são a cabal demonstração do que acima fica dito quanto a violência.

O sec. XIX português começou com as Invasões Francesas. A forma como Portugal reagiu foi impressionante, principalmente no que diz respeito à actuação do povo ao longo dos percursos das tropas francesas. Os habitantes das aldeias não tinham qualquer hipótese contra os treinados militares franceses de forma que adoptaram a guerrilha como forma de resistência. Mas a forma como o fizeram foi de uma violência para além de tudo o que podemos imaginar, o que aliás deixava os generais franceses furiosos reagindo com grande brutalidade na qual se distinguiu o Gen. Loison, o famoso “maneta”.

Às Invasões Francesas seguiu-se a guerra civil entre liberais e absolutistas. Nem é necessário descrever aqui a hecatombe de desespero e sofrimento que essa guerra trouxe a Portugal, ainda destruído em grande parte pelas Invasões Francesas. A violenta luta fratricida entre liberais e miguelistas teve, finalmente, o seu fim com a assinatura da Convenção de Évora-Monte em Maio de 1834 que ditou a derrota dos absolutistas e a saída para o exílio de D. Miguel. Contudo, os exércitos constituídos em boa parte por grupos de civis armados designados por “corpos auxiliares” não desarmaram por completo depois de assinada a paz. Ainda em 1846 se verificaria a Revolta da Maria da Fonte e a Guerra da Patuleia entre 1846 e 1847. Depois da Convenção os exércitos teoricamente desfeitos deram origem a bandos armados que se dedicaram a aterrorizar as populações do interior do país, especialmente nas Beiras, assaltando e matando pessoas com o maior dos à-vontades.

Lembro-me bem da minha Avó do concelho da Covilhã me contar as histórias que tinha ouvido em criança sobre as actividades do Zé do Telhado e do João Brandão que aterrorizaram as populações durante anos. João Brandão que, depois da guerra civil, chegou a ser nomeado pelo Governador Civil de Coimbra sob ordens do Governo, para acções policiais num território onde era mais conhecido como “terror da Beira”, usando esse poder para praticar mais uns tantos assassinatos.

Para que os “brandos costumes” não sejam um mito, importante é que a organização social e política seja capaz de evitar que o contrário seja a norma.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Novembro 2025