Neste mês de
Agosto passam 14 anos sobre uma célebre entrevista publicada no jornal Expresso
em que um candidato a líder do Partido Socialista se definia a si mesmo como
“um animal feroz”. No mês seguinte, em Setembro de 2004, José Sócrates seria
eleito Secretário-geral do PS com quase 80% dos votos, embora tivesse como
concorrentes os históricos Manuel Alegre e João Soares.
Terminava assim,
para o PS, o período de grande agitação da liderança de Ferro Rodrigues,
iniciada em 2002, e que se havia demitido em Julho de 2004 em protesto contra a
nomeação do Governo liderado por Pedro Santana Lopes, pelo Presidente da
República Jorge Sampaio, na sequência da saída de Durão Barroso para presidente
da Comissão Europeia. Ferro Rodrigues ter-se-á sentido traído com essa nomeação
pelo facto de ser velho companheiro de lutas políticas de Jorge Sampaio, ainda
antes de se filiarem no PS, nos tempos do GIS e do MES. A acrescentar a isso, o
então propalado alegado envolvimento seu e de camaradas do partido, em
particular do seu amigo Paulo Pedroso, no chamado processo Casa Pia, envolvendo
acusações de pedofilia, e que tinha minado de forma irremediável a sua
liderança.
Mas Jorge Sampaio
levou a sua atitude ainda mais longe. Assim que o PS teve um novo líder,
dissolveu a Assembleia da República, o que sucedeu logo em Novembro de 2004.
Mandou Santana Lopes para casa, sem nunca ter dado um motivo grave e concreto
para tal, embora o Governo estivesse sustentado por uma maioria (largamente)
absoluta na Assembleia da República. Porventura, a memória desses anos de
grande turbulência política e não só, estará já diluída nas nossas mentes,
sendo por isso importante chamá-la à área da consciência, porque muitos problemas
mais recentes ou mesmo da actualidade têm uma melhor explicação vistos à luz da
História.
Começou assim a
liderança de José Sócrates no partido Socialista, que venceria as eleições
parlamentares em Fevereiro de 2005 com maioria absoluta. Liderança essa que o
levou a primeiro-Ministro de Portugal a partir de Março de 2005, até terminar
da forma abrupta e de todos conhecida em Junho de 2011, após chamar a “Troika”
para resolver os problemas financeiros do país, nessa altura praticamente em
bancarrota.
O que
mesmo em 2011 a generalidade dos portugueses não esperaria é que José Sócrates
haveria de enfrentar numerosas e graves suspeitas ligadas a corrupção,
branqueamento de capitais e fraude fiscal no Processo Marquês que em 2014, dez
anos volvidos sobre a sua chegada a líder do PS, o levou mesmo à prisão preventiva
durante quase um ano, entre Novembro de 2014 e Outubro de 2015. Finalmente, em
Outubro de 2017, José Sócrates foi formalmente acusado da prática de 31 crimes
que abrangem, para além dos acima indicados, corrupção passiva de titular de
cargo público e falsificação de documento.
Durante
a investigação surgiram novos factos com ligação ao BES e à PT, mais parecendo
que por cada fio que se puxava, mais e mais fios surgiam, numa teia sem fim que
foi atrasando o processo
Este
caso tem evidentes conexões políticas, dado que José Sócrates terá praticado
aquilo de que agora é formalmente acusado, durante o exercício de altas funções
do Estado, mesmo enquanto primeiro-Ministro, não sendo possível esconder essa
circunstância. A forma como exerceu essas funções, com uma arrogância sem
limites, sendo ainda evidente uma tentação, ou mesmo tentativa, de controlar a
comunicação social e a banca, levanta também sustentadas dúvidas sobre a
democraticidade da sua actuação governativa. Para além dos crimes de que é
acusado e para os quais em breve terá oportunidade de se defender no local
adequado que é o Tribunal, há toda uma prática política cuja análise
descomprometida e livre deverá ser feita pela sociedade em geral. Até porque
José Sócrates não governou sozinho, nem foi um ditador que liderou um partido
seu. Antes foi escolhido democraticamente várias vezes para o exercício dos
diversos cargos que exerceu, fossem partidários ou governativos, aliás sempre rodeado de um coro de encómios pelos seus numerosos apoiantes,
ao longo de mais de 10 anos.
Com
esta, são já 666 as crónicas deste “VISTO DE DENTRO”. Nem de propósito: o VISTO
DE DENTRO de hoje é sobre José Sócrates. Há cada coincidência! Certamente…