segunda-feira, 30 de julho de 2018

O valor da opinião pública


Com alguma regularidade, surgem na comunicação social temas que levantam grande indignação, muitas interjeições de que “é uma vergonha”, eventualmente um “prós e contras” e, certamente, programas das rádios dando a voz aos ouvintes estilo “antena aberta” ou “fórum” que, as mais das vezes, apenas servem para esvaziar as tensões existentes.
Há poucos dias, a DECO anunciou que os clientes de gás natural estão a pagar ilegalmente a chamada “TOS” – taxa de ocupação do subsolo - desde Janeiro de 2107, exigindo mesmo que os valores pagos sejam devolvidos aos consumidores. Durante dois dias houve grande agitação na comunicação social e nas redes sociais, até porque o montante global da devolução, sem juros, ascenderia a uns 50 milhões de euros, para logo depois o assunto desaparecer dos holofotes.
De que se trata? Há uns anos os Municípios foram autorizados a criar a “TOS”, a ser paga pelos clientes de gás natural. A taxa tem grandes variações de município para município tendo, segundo os jornais, Cascais um dos valores mais altos em que a TOS chega a valer mais de 30% da factura final e a Figueira da Foz o mais baixo, inferior a 0,1%. O pagamento da “TOS” era, até à aprovação do Orçamento de Estado para 2017, pago pelos consumidores através da factura mensal, sendo depois entregue aos municípios pelas empresas distribuidoras. O OE 2017 alterou esta situação e atribuiu o pagamento da TOS às empresas distribuidoras, desonerando os consumidores. Contudo, esta transferência de obrigação de pagamento nunca se verificou. Pelo que se depreende da discussão havida, a alteração depende de legislação regulamentar que o Governo nunca fez aprovar, apesar de a Entidade Reguladora do sector energético lhe ter feito chegar o necessário estudo técnico. Parece haver um problema com as diferentes taxas dos municípios, havendo alguns, como no caso de Cascais, em que o seu valor será considerado demasiado elevado para as empresas distribuidoras de gás natural, sendo necessário haver uma revisão do estabelecido que incluirá uma uniformização da taxa. Pasme-se: o que é aceitável para os cidadãos, deixa de o ser para as distribuidoras, com a GALP à cabeça.

Mas esta taxa é apenas mais um dos exemplos da inventiva do Estado português no que toca a inventar taxas e taxinhas, como se costuma dizer. Escuso de dizer que, sobre grande parte disto incide ainda o IVA, como se aqui houvesse algum valor acrescentado económico, que justificasse o fiscal.
Há uns anos, foi considerado ilegal o pagamento de aluguer dos contadores de água para a vida inteira e os municípios obrigados a terminar com essa prática. O resultado foi aquele que hoje é possível ver nas facturas de água. Em vez do aluguer dos contadores inventou-se a “tarifa de disponibilidade de serviço de água” a adicionar ao próprio consumo, como se essa disponibilidade não fosse a própria razão ser dos serviços ou empresas municipais de distribuição domiciliária de água. De facto, pagar aluguer de contadores para quê? Até porque à boleia da primeira nasceram outras disponibilidades, como a do serviço de saneamento e a dos resíduos urbanos, aguardando-se que a inventiva estatal descubra mais umas tantas para carregar no bolso dos contribuintes.
Carregar no bolso dos contribuintes de forma verdadeiramente obscena é o que se pode verificar mensalmente nas facturas de electricidade, algo para o que desde há anos venho chamando a atenção nestas linhas. E é-o de tal forma que até um dos principais responsáveis por isso, o ex-ministro da economia Manuel Pinho, foi à Assembleia da República chamar “vaca leiteira” a essa facturação, certamente vaca com corninhos, algo a que ele já nos habituou.
O que verdadeiramente impressiona, para além do descaramento com que os cidadãos são alvo de taxas, tarifas, impostos e tudo o mais escondido sob a forma de rendas dadas às escondidas a alguém, é a passividade com que tudo isto é aceite. A opinião pública é algo que em Portugal desapareceu sob a capa de supostas indignações que mais não são do que manipulações feitas com os mais diversos objectivos, normalmente partidários. Basta ver como actualmente sindicatos, comissões de utentes e partidos normalmente muito activos nessa área se calam hoje perante a realidade, comprovando pelo absurdo aquilo que acima escrevo. Se há algo que a democracia portuguesa, já com 44 anos, não conseguiu, foi mesmo criar uma opinião pública forte e esclarecida, factor essencial à sustentabilidade da própria democracia

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