segunda-feira, 29 de julho de 2019

Autocarros eléctricos em Coimbra


De entre as infraestruturas básicas de qualquer cidade média conta-se uma eficaz rede de transportes públicos, podendo a circulação das pessoas ser comparada à circulação sanguínea de um organismo vivo. Para ser eficiente a rede deverá ser bem adequada ao tipo de ocupação urbana do território, além de prover o necessário cumprimento de horários bem adaptados às necessidades da população servida.
Coimbra junta, a estes pressupostos essenciais, a obrigação de responder a uma procura gerada por milhares de pessoas que diariamente se deslocam à cidade pelos mais diversos motivos como sejam laborais, de utilização de serviços públicos como justiça, educação e, sobretudo, saúde, mas também da oferta comercial. Este acréscimo de procura tem a ver com alguma metropolização do território da Região Centro que, embora algo incipiente, por um lado onera a autarquia, mas por outro lado contribui para que Coimbra se afirme como capital regional.
A rede de transportes públicos torna-se, assim, uma estrutura fundamental para o normal funcionamento da cidade, sendo condição necessária para evitar o surgimento de problemas como a carga excessiva de automóveis particulares em zonas de grande atracção e o consequente estacionamento anárquico nas áreas envolventes dessas zonas. É condição necessária, embora não suficiente já que, sem parques de estacionamento dissuasores, os utentes dos serviços ficam sem alternativas para o estacionamento das suas viaturas. Como sabemos, o Estado é capaz de legislar e obrigar a cumprir a lei aos privados que construam instalações com grande capacidade de atracção como é o caso dos centros comerciais obrigatoriamente dotados de capacidade de estacionamento suficiente. Contudo, nas suas próprias instituições, sistematicamente não cura de resolver essa questão, deixando os problemas para as autarquias. Os casos dos HUC e do IPO são paradigmáticos mas não únicos, apenas mais conspícuos pela sua dimensão que é uma vergonha para Coimbra.
A estas questões acresce, nos dias de hoje, a preocupação crucial com os problemas ambientais. E também aqui os transportes colectivos públicos têm duas tarefas importantes. Em primeiro lugar diminuindo o número de viaturas particulares das ruas, ao oferecerem uma alternativa eficaz e muito mais eficiente do ponto vista ecológico global. Por outro lado, podem igualmente, por si próprios, baixar os níveis de poluição ambiental, através da utilização de viaturas não poluentes, entrando aqui a utilização da energia eléctrica.
Coimbra foi pioneira na utilização de veículos eléctricos. Há mais de cem anos, em Janeiro de 1911, entrou em funcionamento o chamado “sistema de americanos” sobre carris, tendo Coimbra sido uma das primeiras cidades portuguesas a dispor desse meio de transporte público. A partir de 1947, Coimbra passou também a dispor de uma rede de tróleis.
Em boa hora a Câmara Municipal decidiu dotar a cidade de um novo sistema de transporte público utilizando energia eléctrica, agora de uma forma mais adaptada aos dias de hoje, em termos de rapidez e comodidade dos utentes: os autocarros eléctricos. Foi assim que, nas ruas de Coimbra, passaram já a circular dez novos autocarros eléctricos, dos quais oito têm uma lotação de cerca de 80 pessoas, sendo os outros dois mais pequenos e dirigidos às ruas do centro histórico, mais estreitas. Anuncia-se ainda a vinda de mais catorze autocarros eléctricos, no que constitui um passo importante para a sustentabilidade ambiental do sistema de transportes públicos de Coimbra, os SMTUC, que é de saudar vivamente.
Numa decisão camarária não isenta de críticas, os velhinhos “eléctricos” foram abandonados em 1980, deixando saudade a todos quantos os utilizaram até então. Os tróleis são um sistema algo ultrapassado, pelas dificuldades de mobilidade das viaturas “amarradas” aos fios da rede de tracção. Com os novos autocarros eléctricos, mantém-se a tradição da cidade na utilização da electricidade nos seus transportes públicos, agora adaptados aos novos tempos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2019

Meu Querido Mês de Agosto

Partilho com gosto e desafio  para um gesto de solidariedade para com os povos de Moçambique, nossos irmãos:


Meu Querido Mês de Agosto

"A Editorial Moura Pinto abre, de novo, as portas do "Espaço Fernando Valle à recreação dos seus artistas no sentido mais lato do termo:Às Artes e aos seus Ofícios.
Neste horizonte de serras onde o perto é sempre longe, atrevemos-nos a ir até Moçambique numa vontade de sermos solidários para suprir as enormes devastações que as inundações do ciclone Idai provocaram.
Lembramos bem as feridas que a terra abriu nos fogos de 2017 e a enorme onda de solidariedade do povo português.
A natureza, nalguns ministra de Deus, e em todos os humanos sua governante, fez-nos num mesmo molde de forma a sermos fraternos e solidários no existir e, nalguns casos de cúmulo afectivo, como irmãos capazes de criar humanidades no palimpsesto da língua portuguesa.
Está na nossa natureza os deveres da amizade e os exemplos de vida no cumprir do existir.
Amamos as virtudes,ensinamos as boas práticas e ficamos agradecidos a quem nos trata com distinção e louvor.
Saibamos dar um pouco de moral,um pouco de lágrima nas ajudas materiais,um pouco do desejo de ser útil na intenção e no gesto.
A fraternidade é como se fosse uma coisa santa que só pode existir entre pessoas de bem e de estima mútua.
Unidos ao povo moçambicano daremos mais luz ao nosso existir.
Esperamos por todos .
O presidente da Editorial Moura Pinto-Carlos Maia Teixeira"

FOXTROT

De quando Foxtrot era o nome de um dos melhores álbuns dos Génesis com Peter Gabriel e não uma mini empresa da área da animação turística com sede num parque de campismo.

 https://youtu.be/szJq1lwnkNw



"A SOPA ESTÁ PRONTA"

segunda-feira, 22 de julho de 2019

C'est si bon : MONTAND..

O Rapto da Cultura


Quem visita a Galeria Borghese em Roma depara-se com uma escultura impressionante da autoria de Bernini, considerado o expoente do Barroco, que viveu entre 1598 e 1680, tendo numerosas obras de arte por toda a capital italiana. A escultura representa, em tamanho natural, “O Rapto de Proserpina”, um mito romano que já aparecia na cultura grega. O trabalho no mármore é insuperável, conseguindo transmitir as mais diversas emoções, desde a aflição de Proserpina a empurrar a cabeça de Plutão, até à violência deste a cravar as mãos no corpo nu e macio da rapariga, enquanto o cão de três cabeças que guarda a entrada do mundo da escuridão vigia o que se passa à volta. A leveza e transparência das vestes, para além das posições e expressões das personagens, em particular de Proserpina que retrata fielmente o seu grito de dor, são a expressão de uma perfeição inexcedível no trabalho escultórico do autor.
O mito romano diz-nos que uma jovem de grande beleza, Proserpina, apanhava flores num jardim, acompanhada por algumas ninfas, quando surgiu Plutão que a raptou e levou à força para o seu submundo. Plutão era o senhor do reino dos mortos, após a guerra que, com os seus irmãos Júpiter e Neptuno travara com o Pai Saturno tendo, por sua vez, Júpiter ficado senhor dos céus e da terra e Neptuno com o reino dos mares. Ceres, a mãe da jovem raptada e rainha da fecundidade e das colheitas, procurou a filha, tendo pedido ajuda a Júpiter para recuperar a filha. Entretanto, o frio e o inverno instalaram-se, as colheitas apodreceram e o mundo ficou entregue ao caos e à fome devido ao abandono por parte de Ceres. Plutão acedeu a devolver Proserpina a sua mãe, mas deu uma romã a comer à jovem que comeu algumas sementes desconhecendo que, ao comer no reino da escuridão, ficaria para sempre condenada a lá voltar. 

O entendimento obtido entre os deuses foi que durante um período do ano, a jovem estaria na companhia da mãe, conhecendo a terra, durante esse tempo, beleza e prosperidade; no resto do ano, voltaria para junto de Plutão, deixando a mãe de tratar das colheitas e regressando o frio e o mal-estar e infelicidade gerais. Curiosamente, o alimento comido por Proserpina foi uma romã, fruta que há milhares de anos tem uma simbologia muito própria e muito forte. Para os gregos era um símbolo do amor e da fecundidade e teria poderes afrodisíacos. Para os judeus era um símbolo religioso ligado ao ano novo e para os romanos, para além da fecundidade, simbolizava a ordem e a riqueza. Entre nós terá sido trazida pelos berberes, nas suas invasões da Península Ibérica, tendo a nossa língua absorvido o termo árabe para o fruto, ao contrário do que acontece nas outras línguas modernas europeias que usaram a etimologia do latim, casos do espanhol, do francês e do inglês.
Os mitos da antiguidade clássica, grega e romana, tinham muitas vezes a função de fornecer respostas a interrogações para as quais era impossível encontrar justificações concretas, pela falta de ciência desenvolvida, ao contrário dos nossos dias. O mito de Proserpina tem tido várias interpretações desse tipo, sendo habitualmente associado à explicação da alternância das estações do ano, invernosa, frio e sem alimentos quando a jovem está na casa de Plutão na escuridão do submundo e fértil e luminosa quando está em casa da mãe, Ceres. O mito é ainda tido como significando vida eterna, já que a alternância de Proserpina entre os dois mundos será para sempre.
Há, contudo, uma interpretação que terá significado para os dias de hoje. A beleza, juventude, inocência, curiosidade e mesmo liberdade de Proserpina quando vivia com a sua mãe, apanhando flores com as ninfas nos jardins é a imagem da criação artística e do belo. O rapto levado a cabo por Plutão é a captura disto tudo e ainda da liberdade, portanto da própria Cultura, levada para o submundo da escuridão. Como resultado o mundo vivo e luminoso transforma-se em algo sem vida, apodrecido e infértil de que resulta fome e desespero. 
É o que sucede quando a mentira, a ignorância, a intolerância e os mais variados extremismos e radicalismos eliminam a procura e partilha do Belo capturando a Cultura e enviando-a também para o submundo ou moldando-a para atingir os seus objectivos, de qualquer modo trazendo ao mundo tristeza, fealdade e, tantas vezes, desgraças e desespero, como desgraçadamente aconteceu com o nazismo e diversos fascismos e comunismos ao longo do século XX.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Julho de 2019

Circuito da Boavista


 Uma vista de Portugal no início dos anos 60 do século XX. Pena o acidente de Joaquim Filipe Nogueira



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sábado, 20 de julho de 2019

Dvorak - Symphony No. 9 "From the New World" - 3rd movement

Homem na Lua: 50 anos

Logo, às 20:17 GMT (hora de Lisboa), passam 50 anos sobre o momento exacto em que o módulo lunar  Eagle pousou na superfície lunar, transportando dois homens no seu interior; Neil Armstrong e Buzz Aldrin. O terceiro astronauta da Apollo 11, Michael Collins, ficou sozinho na nave em órbita da Lua.
Amanhã, 21 de Julho, precisamente às 02:56 TMG, passam 50 anos sobre a saída de Neil Armstrong da Eagle, para ser o primeiro homem a pisar a superfície lunar. Momento absolutamente histórico e único para a Humanidade e assim o astronauta o marcou com a frase que ficou célebre: "Um pequeno passo para um homem, um passo gigantesco para a Humanidade".
Há 50 anos, lembro-me de ter ficado a ver a televisão, tendo chamado o resto da família que tinha ido dormir, no momento crucial da transmissão televisiva. E lembro-me igualmente de, mais tarde, sair para a rua durante a noite e olhar para a Lua no céu procurando ver o Mar da Tranquilidade, sabendo que dois homens lá se encontravam e de ficar com um nó na garganta. Momentos inesquecíveis que marcam quem os presenciou com inteira consciência da sua importância.

terça-feira, 16 de julho de 2019

António Barreto sobre a Justiça em Portugal

"Há maneiras legais de destruir a justiça. Há processos legais de salvar cúmplices e favorecer criminosos. Há garantias suficientes para adiar indefinidamente processos. A justiça, em todas as suas fases, necessita de mais escrutínio, menos garantias, menos burocracia, menos chicanas processuais, menos favores prestados aos poderosos e aos advogados potentes e menos facilidades oferecidas aos profissionais da política e do tráfico de influências"
(António Barreto, Justiça e democracia, Público, 14/07/2019).

Rhapsody on a theme of Paganini (played by Lang Lang 郎朗)

segunda-feira, 15 de julho de 2019

O OCIDENTE AINDA EXISTE?


Não foi, certamente, por acaso que os portugueses de 1.400 largaram deste cantinho da Europa, abrindo caminho para toda uma nova organização mundial, com consequências que perduram até aos dias de hoje. Em 1434 Gil Eanes foi o primeiro a navegar para além do Cabo Bojador e em 1487 Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas passando, finalmente, do Atlântico ao Índico.
Em Maio de 1453 o sultão Maomé II conquistou Constantinopla ditando o fim do Império Romano do Oriente e estabelecendo o Império Otomano que durou até 1922. No ano marcante de 1492 foi descoberta a América e os mouros foram finalmente expulsos da Península Ibérica, razões que levam a que se considere este ano como o fim da Idade Média.
Como se verifica pelo cruzamento das datas, a chamada expansão marítima portuguesa coincidiu com um “cerco” da Europa pelo Islão a Oriente e a Sul não lhe restando senão virar-se para o Ocidente, onde o Atlântico era a barreira natural e Portugal a última fronteira. Desde a sua fundação até essa altura, Portugal era uma nação completamente integrada na Europa medieval de então, através de trocas culturais e comerciais mas, fundamentalmente, pela íntima ligação das casas reais portuguesa e do resto da Europa. 

Exemplo marcante é o casamento da Infanta D. Leonor, filha do Rei D. Duarte, com o Imperador Frederico III do Sacro Império Romano e Germânico, negociado por Dom Pedro Duque de Coimbra, numa das suas muitas acções diplomáticas por toda a Europa, vindo a Imperatriz Leonor a ser mãe de Maximiliano I e avó de Carlos V, personalidades europeias de enorme relevância.
Portugal foi nessa altura capaz de corporizar a “libertação” da Europa do cerco que a sufocava e que inclusivamente tinha cortado as antigas ligações terrestres com o Oriente. Além de conseguir restabelecer essa ligação, agora pela via marítima, criou todo um novo mundo com as ligações às américas. Essa importância ficou marcada para todo o sempre através da assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494 que dividiu o mundo a descobrir entre Portugal e Espanha, assim ditando o futuro das Américas do Sul e Central. A América do Norte seria depois colonizada pela Inglaterra e pela França, que definiriam o futuro daquele continente, umbilicalmente ligado à Europa.
A Europa e as Américas passaram assim, na sequência de todos estes acontecimentos históricos, a constituir uma entidade informal mas cultural e politicamente relevante, a que se convencionou chamar Ocidente. 
E o Ocidente marcou indelevelmente a História da Civilização dos últimos séculos, tendo tido, apesar de algumas tentativas em sentido contrário como se viu com o Nazismo e o Comunismo no séc. XX, um papel extraordinário em avanços humanos em áreas como a Ciência, os Direitos Humanos, a Arte e muitos outros, tendo a Liberdade como símbolo maior.
Contudo, hoje vemos esta antiga “comunidade”, que demorou séculos a ser construída, a ser diariamente destruída. O fim da ameaça comunista da ex-URSS veio alterar os anteriores equilíbrios. A China tornou-se uma nova potência económica global, prevendo-se que se torne também em militar, a curto prazo. A União Europeia vê um dos seus países membros mais importantes, o Reino Unido, a desligar-se por completo. A Rússia assume que a democracia liberal não é o caminho que pretende seguir enquanto influencia, cada vez mais às claras, os processos eleitorais europeus, com a estratégia de enfraquecer a União Europeia.
Os Estados Unidos (EUA) escolheram um presidente que, deliberadamente, destrói todas as alianças com a Europa que foram sendo construídas principalmente após a II Guerra Mundial.
A pós-globalização está aí, com uma nova ordem mundial a estabelecer-se. Os EUA que desde o fim da I Grande Guerra se assumiram como motor do Ocidente parece não quererem mais esse papel, preferindo antes relacionar-se directamente com as restantes potências, em vez de participar em alianças multilaterais.
O Atlântico está a deixar de ser o mar que une para voltar a ser o que separa. E a Europa tem que estar bem consciente desta nova situação em que já não existirá o Ocidente, o que exigirá esforços de união acrescidos e uma nova visão estratégica sobre o seu papel no mundo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2019