segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Munda: da Serra da Estrela ao Atlântico


Para pensar o futuro, devemos questionar-nos sempre sobre as razões da actualidade que conhecemos, suportada pela Natureza e pela História.
O Rio Mondego, o Munda dos romanos e da Idade Média, determinou Coimbra onde a conhecemos. Nasce nas faldas dos montes hermínios e, ao contrário do seu irmão gémeo Zêzere, desce pelas encostas viradas a Norte. O seu percurso é montanhoso e agitado até que chega um ponto em que não tem mais obstáculos até ao mar, passando a espraiar-se por campos onde vai deixando o que arrastou no seu caminho. Este é também o último ponto até onde as embarcações marítimas conseguiam chegar desde os tempos imemoriais em que os povos fenícios passavam além das portas de Hércules, deixando o conhecido Mediterrâneo e se aventuravam pelo oceano sem fim, procurando os minerais preciosos da costa ocidental da península que seria Ibérica. A situação estratégica do monte aí localizado levou a que fosse habitado desde muito cedo. Antes da ocupação romana lhe chamar Aeminium, outros povos celtas já aí se tinham estabelecido. Depois dos romanos, foi a vez dos chamados «bárbaros» visigodos, dos mouros e, por fim, fez parte do reino de Portugal, de que foi a primeira capital, já como Coimbra.
É por tudo isto que o Mondego é, para Coimbra, muito mais do que motivo para poesias e canções românticas e mesmo de preocupações por causa das suas cheias. O rio Mondego É a razão da existência de Coimbra. Se hoje já não é a via de circulação de bens e pessoas como foi até aos séculos XVI/XVII em que ainda havia portos na cidade por onde se escoavam produtos industriais como cerâmica, o rio continua a ser a ligação natural da gente beirã que vive entre o interior serrano e o litoral atlântico.
Desde aqueles tempos é evidente que muito mudou, e ainda bem. Coimbra já não é a única cidade universitária, havendo diversos estabelecimentos de ensino superior espalhados pela região. Significa isto que Coimbra deve encontrar outros atributos para se afirmar, ultrapassando de vez a sua dependência social e económica da Universidade. A área da saúde é, evidentemente, uma delas. Já não apenas a formação de médicos, mas também a formação de enfermeiros e técnicos de saúde e a prestação de serviços de saúde. Isso está a acontecer, havendo hoje em dia diversos hospitais particulares que concorrem entre si, para além do Centro Hospitalar e Universitário que continua a ser um farol de capacidade e qualidade dentro do Serviço Nacional de Saúde devendo ser defendido e acarinhado por todas as instituições políticas e sociais da Cidade para que assim continue e ultrapasse mesmo as deficiências, que também as tem.
Mas o papel de Coimbra tem que ser muito mais do que isso. Para ultrapassar as suas dependências crónicas, deve construir laços sólidos com as comunidades vizinhas sendo que as que historicamente se lhe encontram socialmente próximas são mesmo as da bacia hidrográfica do rio Mondego. Para qualquer cidadão desta região é incompreensível a situação de costas voltadas entre Coimbra e Figueira da Foz, por exemplo. Não é de agora, mas ambas as cidades ganhariam se juntassem forças para defender e promover o que lhes é comum e ainda as suas complementaridades. Sei do que falo, porque trabalhei em cada uma delas, para além das memórias que guardo carinhosamente das férias da meninice na Praia da Claridade ouvindo Maria Clara a cantar a partir do altifalante na torre do relógio e apreciando o movimento do «pátio das galinhas» depois do jantar. 
Entre a Figueira e Coimbra está Montemor-o-Velho onde, também no monte mais elevado, se ergue um dos mais antigos e maiores castelos de Portugal, de onde é possível ver os magníficos e ricos campos do Mondego, assim as autoridades saibam cuidar deles. Esta é, entre outras como o turismo, uma área em que, pelo menos estes três municípios poderiam e deveriam estabelecer laços de colaboração efectiva, a bem do futuro dos seus cidadãos.
Mas Coimbra tem ainda muito a ganhar com um relacionamento mais íntimo com os municípios ribeirinhos do Mondego, a montante. A ganhar e a dar a ganhar, em colaborações mutuamente vantajosas, desde Penacova até Oliveira do Hospital onde o Instituto Politécnico de Coimbra até já tem um pólo com áreas de investigação pioneira e duplamente frutífera como sobre o cultivo da maçã bravo de esmolfe.
A capacidade de Coimbra partilhar recursos, capacidades e sonhos com os seus vizinhos históricos será, certamente, o factor de metropolização, hoje já visível embora ainda incipiente, que definirá o seu papel nacional, no futuro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Janeiro de 2020

IRRITANTE: adjectivo ou substantivo?

É mesmo irritante.
Do dicionário Porto-Editora:

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

TROTSKY

Notável a série russa da Netflix sobre a vida de Trotsky. Como fundo, a revolução russa e as questões que se colocam sobre essa realidade trágica. É possível apreciar as diferentes personalidades de Trotsky, Lenine e Estaline, as suas lutas e como Estaline acabou por ganhar e ficar como líder da URSS até morrer.
Penso que qualquer pessoa que ainda hoje seja comunista perceberá que os diferentes caminhos comunistas irão sempre desembocar numa hecatombe de que a principal vítima é sempre o próprio povo em nome de que dizem fazer a revolução. Uma verdadeira tragédia. Mas percebe-se como intelectuais com mentes frágeis e "boas intenções" se deixaram, ao longo anos, enfeitiçar por Trotsky.

Porpora: Nell' attendere mio bene (Ed. Sanderson)

Lindíssimo

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

«POESIA É MAIS SABOR QUE SABER»


Há alturas em que revisitar o passado nos oferece, não só a possibilidade de trazer à tona factos e personagens históricas que nos podem apontar caminhos de dignidade e progresso, mas também relembrar como a mentira e a traição constituem parte integrante da vida e tantas vezes elas próprias moldam o futuro.
A descrição da vida de quase todas as figuras históricas ligadas a Coimbra chega até nós de uma forma em que o mito impregna a realidade de uma tal forma que se diria que esta se dissolve naquele, construindo uma figuração em que a pessoa concreta que a originou provavelmente se reveria com dificuldade.
O Duque de Coimbra Dom Pedro foi vítima de manipulações, mentiras e traições quer em vida, quer depois de morto, através dos textos que os cronistas oficiais sobre ele deixaram escritos. A exaltação do rei D. Afonso V passou, para Rui de Pina, pelo apoucamento de Dom Pedro, na senda de Gomes Eanes de Azurara.
A manipulação histórica foi tão profunda e tão eficaz que ainda hoje, se formos pelas nossas ruas perguntar quem foi Dom Pedro, a probabilidade de encontrar quem saiba alguma coisa sobre essa relevantíssima figura da nossa História, e em particular da de Coimbra, é praticamente nula. Não há na nossa cidade um monumento, uma instituição, algo que leve as pessoas a terem a curiosidade de se perguntar sobre quem foi. Na toponímia há um arruamento entre a Fonte da Cheira e a Rua dos Trabalhadores.
O facto é que Coimbra ainda hoje não se reencontrou com o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra. E no entanto…
Dom Pedro era filho do rei D. João I e de D. Filipa de Lencastre pertencendo, portanto, àquela a que Camões chamouÍnclita geração, altos Infantes". Na sequência da tomada de Ceuta, em 1415, foi um dos dois primeiros Duques portugueses, ele de Coimbra, e o irmão Dom Henrique, de Viseu.
Na infância, esteve na corte de Inglaterra onde aprendeu línguas, mas também tomou conhecimento de outros viveres e adquiriu uma cultura excepcional para um jovem português da época. Depois viajou pela Europa, tendo ficado conhecido como o «Príncipe das Sete Partidas». Ao seu irmão mais velho Dom Duarte que seria Rei, enviou em 1427 aquela que ficaria conhecida como «Carta de Bruges», com conselhos para a futura governação. Entre outras coisas, nela propunha que na Universidade de Lisboa fossem instituídos colégios à imitação dos de Oxford e de Paris, reconhecendo que os clérigos portugueses tinham uma instrução muito deficiente. Dava ainda conta a seu irmão do atraso português relativamente aos países mais evoluídos da Europa.

Enquanto foi regente do reino, após o falecimento de D. Duarte e até à maioridade de D. Afonso V, Dom Pedro promoveu a compilação das leis do Reino no que ficaria conhecido como «Ordenações Afonsinas», um verdadeiro código em cinco volumes, regulando a vida dos súbditos portugueses.
Com base no tratado de Séneca «De Beneficiis», Dom Pedro foi autor, a partir de certa altura com o seu padre confessor Frei João Verba, do livro “Da Virtuosa Benfeitoria” que muitos consideram ser o primeiro tratado de filosofia e política moral escrito em língua portuguesa. Dedicado a seu irmão D. Duarte e escrito por insistência deste, nele se dão indicações sobre a melhor conduta de um príncipe. No «Tratado da Virtuosa Benfeitoria» se distinguem os vários tipos de benefícios, como devem ser requeridos, como devem ser recebidos, as formas de agradecimento e como pode ser destruída a relação entre o autor e os destinatários dos benefícios.
Dom Pedro concebeu o projecto de uma universidade em Coimbra, sede do seu Ducado, tendo mesmo estabelecido os processos para o seu estabelecimento e financiamento, ideia abandonada após a sua morte.
Sobre a personagem fascinante de Dom Pedro que foi o primeiro Duque de Coimbra, príncipe da Idade Média com uma sensibilidade que lhe permitia afirmar que «POESIA É MAIS SABOR QUE SABER» e que morreu de forma traiçoeira e trágica na chamada batalha de Alfarrobeira em 20 de Maio de1448, aqui ficam apenas alguns apontamentos. São mais do que suficientes para mostrar o Príncipe das Sete Partidas como uma figura cimeira das mais cimeiras da História da Cultura da nossa Cidade.
Como de Coimbra, que se quer candidata a Capital Europeia da Cultura, continua a ser difícil extrair algo sobre o seu primeiro Duque, aqui se cita o PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO DAS SETE PARTIDAS de Sophia de Mello Breyner Andersen:

Nunca choraremos bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Janeiro de 2020

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A EPIFANIA DA ESQUERDA


Numa reunião de apresentação da proposta governamental do Orçamento Geral de Estado para 2020 ao partido Socialista, o ministro das Finanças Mário Centeno garantiu, por mais de uma vez, ser este OGE de esquerda. Ao contrário de muita gente, à direita e mesmo na comunicação social, eu dou toda a razão ao ministro das Finanças nesta sua observação.
As «contas certas», como agora o Primeiro-ministro não se cansa de dizer, são fundamentais para o funcionamento da economia e, essencialmente, para o pagamento da dívida pública que cresce nominalmente de cada vez que o Estado tem défice. Para a esquerda, trata-se de uma verdadeira descoberta e só podemos ficar satisfeitos com isso, já que deixa de ser apenas a direita a defender as «contas certas», passando as mesmas a ser uma base comum, o que só pode ser saudado pela própria direita ao ver a esquerda juntar-se a ela neste seu novo entendimento. Para não ir mais longe, todos nós nos recordamos de José Sócrates, ainda há poucos anos, defender que «a dívida pública não é para se pagar, é para se ir gerindo». Um proeminente político socialista, hoje ministro, chegou mesmo a declarar que «basta ameaçarmos não pagar, que as pernas dos banqueiros alemães até se lhes tremem». E atribui-se a outro político socialista, que foi presidente da República, a afirmação de que «há mais vida para além do défice», em que se resumia uma posição política de toda a esquerda naquela matéria que seria, precisamente, a que estabelecia a maior clivagem ideológica entre esquerda e direita portuguesas. Não será preciso mais para concluir que houve, portanto, uma alteração radical da posição da esquerda portuguesa sobre o significado do défice e da dívida pública. As razões profundas desta mudança crucial serão, eventualmente, conhecidas um dia, mas não deverão andar longe da imposição da realidade sobre a fantasia, muito pela participação na União Europeia e, em particular, pelas ambições de alguns políticos socialistas.
Digo epifania da esquerda, e não apenas do partido Socialista, por boas razões. Bem poderão o PCP e o BE soltar uns resmungos (chamam-lhes avisos) sobre a falta que os dinheiros para pagar a dívida fazem na falta de investimento público e na degradação da prestação dos serviços públicos, de cujo estado os portugueses começam, finalmente, a aperceber-se. Na realidade, andaram quatro anos a aprovar OGE’s cuja principal característica era precisamente fazer aproximar o défice de zero, a todo o custo. E no OGE para 2020 não deverá ser diferente, ainda que por abstenção, já que o objectivo será o mesmo: conseguir que o Orçamento seja aprovado.
Eis-nos, portanto, chegados, finalmente, ao primeiro OGE, depois do 25 de Abril, em que não se discute a necessidade de «contas certas». Demorou, mas chegámos. A partir daqui, já não se discutirá o défice zero ou mesmo excedente, mas partir-se-á desse ponto para depois se discutir o resto. E o resto são a qualidade da despesa pública e o montante e justiça dos impostos, isto é, a receita. Aqui, sim, entram as diferentes propostas da direita e da esquerda.
É nesta perspectiva que, pessoalmente, defendo que o ministro das Finanças tem toda a razão em considerar o OGE para 2020 como sendo de esquerda. A carga fiscal é altíssima, talvez a maior de sempre, já não se devendo tal apenas aos impostos indirectos que, como todos sabemos, são os socialmente mais injustos, mas também à subida do próprio IRS para as famílias. Bem pode a esquerda argumentar que não somos o país europeu com a carga fiscal mais elevada, porque o que as famílias sentem é a «pressão fiscal» que relaciona os impostos com o nível salarial e, aí, somos mesmo dos piores. Como é bem conhecido, se há matéria em que direitas e esquerdas divergem é precisamente nos impostos, com a direita a propor a sua diminuição e a esquerda a usar todos os argumentos para os manter ou aumentar. A outra diferença histórica entre direita e esquerda reside na despesa. À defesa pela direita da reestruturação do Estado para a reduzir, as tais reformas estruturais, a esquerda tem respondido sistematicamente que está a defender o «estado social». Também aqui o OGE 2020 é bem de esquerda.
Tal como na questão do défice e da necessidade de diminuição da dívida a esquerda se juntou à direita, resta aguardar que o faça noutras matérias essenciais para que o crescimento efectivo e sustentável de Portugal se torne numa realidade. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Janeiro de 2019

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

E TUDO O RIO LEVOU


Uma conversa que ouvi na rua na semana passada levou-me a escrever sobre o sucedido no baixo-Mondego, em consequência da passagem da tempestade Elsa nos dias 19 e 20 do passado mês de Dezembro. Nessa conversa aludia-se a que «quando se vai contra a Natureza, ela viga-se sempre». Trata-se de uma consideração que se ouve entre nós com frequência e que reflecte algum pessimismo crónico mas, sobretudo, uma aceitação de inevitabilidade de derrota do Homem perante a Natureza, com a consequência imediata de desculpabilizar eventuais responsabilidades. Esquece-se que toda e qualquer obra de Engenharia desafia a Natureza, ao criar ambientes artificiais que permitem ao Homem não só proteger-se de ambientes naturais agressivos, mas igualmente desenvolver tecnologias que permitem fabricar dispositivos para ultrapassar as leis naturais limitativas como a gravidade. As cidades, as estradas, as barragens, mas também os aviões, os automóveis, os telemóveis ou a internet são a prova diária disso mesmo, tal como o foi a ida do Homem à Lua. Claro que, daqui a uns 5 mil milhões de anos o Sol, a estrela que nos fornece a energia para existirmos, entrará em processo de expansão e posterior redução drástica até se tornar numa inofensiva anã branca. A vida na Terra terá terminado há muito com o aumento extremo da temperatura e o nosso planeta provavelmente vagueará morto pelo espaço. Mas isto é a uma escala de tempo que não nos diz nada a nós que aqui vivemos, hoje.
O chamado «empreendimento do Baixo Mondego» é uma obra pensada precisamente para defender os terrenos agrícolas dessa área contra as cheias do rio que, periodicamente, destruíam tudo com grandes prejuízos. É uma obra projectada e construída nos anos 70 e 80, constituída por diversas grandes obras hidráulicas: as barragens da Aguieira, Fronhas e Raiva e os diques de contenção do Baixo-Mondego. Também o Açude-Ponte fez parte desta obra enorme, criando um lençol de água permanente em Coimbra. 
Curiosamente, embora poucos conimbricenses o saibam, dele sai um canal dedicado apenas a fornecer água às celuloses da Figueira da Foz que, aliás, não permite que a cota de água desça abaixo de determinado valor. O projecto do «empreendimento do Baixo Mondego», contudo, não foi executado na sua totalidade. Por construir ficou a barragem de Girabolhos, necessária para o controlo das cheias. A sua construção foi iniciada mas, em 2016, o anterior governo decidiu pará-la e suspender o Plano de Barragens do governo Passos Coelho. Uma obra desta dimensão e com estas características necessita de duas coisas; manutenção e adaptação. A necessidade da manutenção é óbvia mas, como é tantas vezes habitual entre nós, não tem praticamente existido, não havendo sequer uma entidade específica com essa finalidade. Por exemplo, das seis bombas de extracção de água previstas, apenas uma funciona e os sifões de escoamento encontram-se sistematicamente entupidos com vegetação. Já a necessidade de adaptação deve-se a vários factores: as alterações climáticas que provocam regimes de chuva muito diferentes dos que se verificavam quando o projecto foi elaborado e que são agora mais gravosos com grandes picos de chuva intensa e períodos mais longos de estiagem; o número elevado de incêndios na área altera também gravosamente as condições hidrológicas, ajudando a aumentar as cargas no sistema.
E vieram os dois dias de chuva muito intensa na bacia hidrográfica do Mondego que provocaram caudais no Açude-Ponte, dizem-nos que de 2.400 m3 por segundo, quando o projecto previa um máximo de 2.000.
O inevitável sucedeu: as águas do Mondego tudo levaram na frente. Os diques do canal ficaram danificados a juzante do Açude-Ponte, logo a partir do Choupal e rebentaram mesmo em dois locais, provocando a invasão dos terrenos agrícolas pelas águas, com prejuízos económicos que ainda ninguém sabe contabilizar. Boa parte das areias retiradas do rio no último ano e que foram depositadas a juzante do Açude-Ponte pela Câmara Municipal de Coimbra sob indicação impositiva da (in?)competência técnica da Agência Portuguesa do Ambiente foi também levada pela águas, espalhando-se pelos terrenos agrícolas, ajudando aos prejuízos.
Mas houve algo mais levado pelas águas: a credibilidade de governantes e instituições. Desde logo a credibilidade do ministro do Ambiente que, perante o sucedido, não encontrou nada mais oportuno do que afirmar que as aldeias têm que mudar de local. Depois, o governo da «geringonça» que suspendeu a construção da barragem de Girabolhos; uma das suas personalidades mais representativas, quando a necessidade de acumular água para os verões secos é premente, chegou a afirmar que as barragens têm um problema, «a água evapora-se»! Apetece citar o meu colega e Prof. Catedrático de Hidráulica Alfeu Sá Marques que costuma dizer que «até os camelos sabem que, para atravessar o deserto, é preciso levar uma reserva de água». Por fim, todos os governos que, desde os anos oitenta, se mostraram incapazes de completar a obra e, em particular, de constituir uma entidade responsável pela exploração deste importante dispositivo económico da região.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Janeiro de 2020