Para pensar o futuro, devemos questionar-nos
sempre sobre as razões da actualidade que conhecemos, suportada pela Natureza e
pela História.
O Rio Mondego, o Munda dos romanos e
da Idade Média, determinou Coimbra onde a conhecemos. Nasce nas faldas dos
montes hermínios e, ao contrário do seu irmão gémeo Zêzere, desce pelas
encostas viradas a Norte. O seu percurso é montanhoso e agitado até que chega
um ponto em que não tem mais obstáculos até ao mar, passando a espraiar-se por
campos onde vai deixando o que arrastou no seu caminho. Este é também o último
ponto até onde as embarcações marítimas conseguiam chegar desde os tempos
imemoriais em que os povos fenícios passavam além das portas de Hércules,
deixando o conhecido Mediterrâneo e se aventuravam pelo oceano sem fim,
procurando os minerais preciosos da costa ocidental da península que seria
Ibérica. A situação estratégica do monte aí localizado levou a que fosse
habitado desde muito cedo. Antes da ocupação romana lhe chamar Aeminium, outros
povos celtas já aí se tinham estabelecido. Depois dos romanos, foi a vez dos
chamados «bárbaros» visigodos, dos mouros e, por fim, fez parte do reino de
Portugal, de que foi a primeira capital, já como Coimbra.
É por tudo isto que o Mondego é,
para Coimbra, muito mais do que motivo para poesias e canções românticas e
mesmo de preocupações por causa das suas cheias. O rio Mondego É a razão da
existência de Coimbra. Se hoje já não é a via de circulação de bens e pessoas
como foi até aos séculos XVI/XVII em que ainda havia portos na cidade por onde
se escoavam produtos industriais como cerâmica, o rio continua a ser a ligação
natural da gente beirã que vive entre o interior serrano e o litoral atlântico.
Desde aqueles tempos é evidente que
muito mudou, e ainda bem. Coimbra já não é a única cidade universitária,
havendo diversos estabelecimentos de ensino superior espalhados pela região.
Significa isto que Coimbra deve encontrar outros atributos para se afirmar, ultrapassando
de vez a sua dependência social e económica da Universidade. A área da saúde é,
evidentemente, uma delas. Já não apenas a formação de médicos, mas também a
formação de enfermeiros e técnicos de saúde e a prestação de serviços de saúde.
Isso está a acontecer, havendo hoje em dia diversos hospitais particulares que
concorrem entre si, para além do Centro Hospitalar e Universitário que continua
a ser um farol de capacidade e qualidade dentro do Serviço Nacional de Saúde
devendo ser defendido e acarinhado por todas as instituições políticas e
sociais da Cidade para que assim continue e ultrapasse mesmo as deficiências,
que também as tem.
Mas o papel de Coimbra tem que ser
muito mais do que isso. Para ultrapassar as suas dependências crónicas, deve
construir laços sólidos com as comunidades vizinhas sendo que as que
historicamente se lhe encontram socialmente próximas são mesmo as da bacia
hidrográfica do rio Mondego. Para qualquer cidadão desta região é
incompreensível a situação de costas voltadas entre Coimbra e Figueira da Foz,
por exemplo. Não é de agora, mas ambas as cidades ganhariam se juntassem forças
para defender e promover o que lhes é comum e ainda as suas complementaridades.
Sei do que falo, porque trabalhei em cada uma delas, para além das memórias que
guardo carinhosamente das férias da meninice na Praia da Claridade ouvindo
Maria Clara a cantar a partir do altifalante na torre do relógio e apreciando o
movimento do «pátio das galinhas» depois do jantar.
Entre a Figueira e Coimbra
está Montemor-o-Velho onde, também no monte mais elevado, se ergue um dos mais
antigos e maiores castelos de Portugal, de onde é possível ver os magníficos e
ricos campos do Mondego, assim as autoridades saibam cuidar deles. Esta é,
entre outras como o turismo, uma área em que, pelo menos estes três municípios
poderiam e deveriam estabelecer laços de colaboração efectiva, a bem do futuro
dos seus cidadãos.
Mas Coimbra tem ainda muito a ganhar
com um relacionamento mais íntimo com os municípios ribeirinhos do Mondego, a
montante. A ganhar e a dar a ganhar, em colaborações mutuamente vantajosas,
desde Penacova até Oliveira do Hospital onde o Instituto Politécnico de Coimbra
até já tem um pólo com áreas de investigação pioneira e duplamente frutífera como
sobre o cultivo da maçã bravo de esmolfe.
A capacidade de Coimbra partilhar recursos, capacidades e sonhos com os
seus vizinhos históricos será, certamente, o factor de metropolização, hoje já
visível embora ainda incipiente, que definirá o seu papel nacional, no futuro.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Janeiro de 2020
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