A decisão tomada
a semana passada pelo Tribunal Constitucional Alemão (TCA) foi um duche de água
fria nos voluntarismos europeus para encontrar rapidamente meios de apoio
comunitários às consequências económicas da pandemia COVID-19. Embora a decisão
não tenha sido contrária às medidas previstas pelo Banco Central Europeu (BCE),
contudo o TCA solicitou ao BCE explicações sobre o programa de compra de
activos (quantitative easing) aplicado desde 2015. Cabe aqui referir que, sem
este programa, Portugal nunca teria tido as facilidades de financiamento de que
dispôs nos últimos seis anos, já que a nossa dívida externa nunca o permitiria.
Pela sentença tomada por sete votos contra um, o TCA vem requerer ao BCE que
demonstre, nos próximos três meses, que o programa «quantitative easing» não
viola o princípio da proporcionalidade previsto nos tratados europeus o qual,
no entanto, foi considerado conforme às regras comunitárias pelo Tribunal de
Justiça da União Europeia (TJUE) em 2018.
Surgem, aqui,
duas questões. A primeira é verificar se, de facto, as acções de apoio da
Comissão Europeia e do BCE aos diversos países em causa, incluindo Portugal, ao
longo dos últimos 6 anos, encontram o devido respaldo nos tratados europeus. Depois,
é a própria estrutura organizativa da União Europeia que está em causa, já que
a entrega voluntária de soberania dos países para a EU significa que as
instituições nacionais se devem submeter às comunitárias, de acordo com os
tratados incluindo, claro, as alemãs; acresce que o BCE foi constituído com uma
independência própria, precisamente à imagem e semelhança do próprio Banco
Central Alemão, o Bundesbank.
A questão é
grave, dado que no Bundesbank está parqueado um quarto das dívidas compradas
pelo BCE e, caso não obtenha resposta satisfatória, o TCA ameaça ordenar ao
Bundesbank que abandone o «quantitative easing» e que recoloque no mercado os
534 mil milhões de euros de activos adquiridos no âmbito do programa.
Há uma noção
generalizada de que, efectivamente, as instituições europeias, perante as
crises dos diversos países desde 2010 até hoje, terá andado a adiar reformas
necessárias e urgentes na sua organização, tarefa política difícil e muito
complicada de levar a cabo pela dimensão que hoje tem a União Europeia e os
diversos interesses nacionais e regionais, preferindo fechar os olhos ao
estrito cumprimento dos tratados relembrem-se, por exemplo, as regras
referentes ao défices e dívidas públicas.
As respostas a
estas questões ditarão o futuro da União Europeia da qual, convém lembrar, já
saiu o Reino Unido abrindo o caminho a outras saídas.
Há um conjunto
de países que nem podem ouvir falar em sair da União e/ou do Euro, que são
aqueles cuja saída, em função da falta de competitividade e elevadas dívidas,
os atiraria para uma tragédia sem descrição possível. Entre eles está
precisamente Portugal, acompanhado pela Espanha, Itália e Grécia. Do lado oposto
estão a Alemanha e a Holanda que, ao contrário daqueles, criaram excedentes
comerciais consideráveis o que lhes permite agora dedicar uma percentagem
apreciável do PIB aos apoios às suas economias pela crise económica
consequência da pandemia. Enquanto Portugal prevê destinar 4,4% do PIB em
políticas de crédito e orçamentais e a Espanha 8%, a Alemanha prevê para o
mesmo fim 29,8% do seu PIB, o que irá agravar ainda mais o fosso entre os
países ricos do Norte e os endividados do Sul, se não houver uma política comunitária
de redistribuição justa.
No passado dia 8
de Maio passaram 75 anos sobre a capitulação alemã marcando o fim da Segunda
Grande Guerra na Europa. Não deve haver na História europeia um período de
tempo tão alargado sem guerra, o que é um activo humano de valor incalculável.
A União Europeia surgida no caminho, alargamento e aprofundamento da Comunidade
Económica Europeia-CEE encontra-se numa encruzilhada provocada agora, não pelo
Homem, mas pela Natureza que desde sempre foi enviando uns vírus para nos pôr à
prova e o fez agora de novo.
Claro que, ao
contrário do que aconteceu com as palhaçadas dos ministros da Holanda, agora,
entre nós, impera um silêncio gritante mostrando que o respeitinho é muito
bonito e é fácil ter voz grossa com os pequenos e fininha com os fortes. Sinal
de que, desta vez, a questão é mesmo séria e todos devemos ter consciência
disso.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 11 de Maio de 2020