A actual
pandemia que nos traz a todos numa aflição tem, na sua complexidade, aspectos
diversos que aqui tenho tentado abordar ao longo das últimas semanas. Para o
fim deixei a abordagem política que, como é natural, acaba por influenciar
todas as outras. A situação provocada pela pandemia COVID-19 caracteriza-se por
ser nova e única. Como tal, a abordagem política reveste-se de uma grande dose
de incerteza, já que não se pode ir aos livros buscar soluções sendo necessário
abrir novos caminhos para percorrer. E os académicos apenas podem apresentar
dados parciais, competindo aos decisores políticos tomar decisões que a todos
importam e arcar com as respectivas consequências. Para o bem e para o mal.
Dir-se-á que é para isso que se candidataram e foram eleitos, para governar nos
bons e maus momentos e é verdade. Mas não podemos deixar de ter consciência da
extrema dificuldade dos momentos que atravessamos até regressarmos à vida que
era a nossa ainda há escassas semanas e de ter isso em mente quando abordamos
as decisões políticas, cá e na União Europeia que são as que nos interessam
mais directamente.
A resposta
política à ameaça do novo coronavírus na quase totalidade dos países traduziu-se,
basicamente, em confinar os cidadãos às suas residências e no congelamento da
economia. A que se veio juntar, entre nós, a declaração de estado de
emergência, com limitação de várias liberdades individuais.
Depois destas
intervenções cabe igualmente à política preparar a recuperação da economia,
para além de repor as situações sociais anteriores, logo que a evolução sanitária
da pandemia o permita. Esse retirar da economia do congelador não vai ser instantâneo,
porque não existe um botão LIGAR/DESLIGAR para esse efeito. Muitas empresas
demorarão a retomar a sua velocidade de cruzeiro e outras não retomarão a
actividade, pura e simplesmente.
A paragem da
economia traduz-se numa queda brutal do produto em
2020, que só será recuperado
nos anos seguintes. Embora todos os países estejam com este problema, Portugal
encontra-se numa situação crítica para o enfrentar, dado não ter aproveitado os
últimos anos de crescimento (as tais vacas gordas a que se refere o
Primeiro-Ministro) para realizar reformas estruturais da economia e reduzir
significativamente a dívida pública, que é um pouco superior a 118% do PIB.
Vamos precisar de financiamento externo para pagar os apoios às empresas
durante a crise e depois para a recuperação. A nossa dívida vai assim subir por
dois motivos: novos empréstimos e descida do PIB, podendo atingir o patamar dos
135%, já no próximo ano. Isto, apesar de as verbas que temos previstas para
apoiar a economia serem, em termos relativos, metade do que Espanha está a
fazer e ainda menos que os outros países da União Europeia. Como a nossa capacidade própria de financiamento ainda está debaixo do chapéu da acção do BCE, será através da União Europeia que nos chegará o dinheiro necessário para financiar tudo isto. A última reunião do Eurogrupo aprovou uma verba para cada país no montante de 2% do PIB de cada um o que é manifestamente pouco, para além de verbas menores específicas para apoiar emprego e empresas. O instituto utilizado para estas transferências, que são empréstimos (a juntar à dívida e a pagar futuramente), é o Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma espécie de FMI interno da União. Não chegou ainda o tempo da emissão de dívida comum europeia, os tão ansiados Eurobonds, nem mesmo em versão mitigada e específica de «coronabonds». Chegou, contudo, o tempo de começar a discuti-los e encontrar condições para o seu surgimento. Essa novidade terá que ser aprovada por unanimidade pelos estados membros e, quando surgir, trará necessariamente agarrada uma alteração política profunda da União Europeia com novas e fortes transferências de soberania dos países para a União. As dificuldades são imensas mas os responsáveis políticos europeus, incluindo os portugueses, têm que, urgentemente, encontrar bases de entendimento, com cedências mútuas, que permitam responder a um problema novo, de uma dimensão enorme e que toca a todos. A alternativa, pelo menos para nós, seria uma tragédia de empobrecimento inominável.
Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 20 de Março de 2020
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