Há poucos dias foi assinalado o “Dia Internacional para a erradicação da pobreza”. A existência de pobreza entre nós, no ano de 2023, é algo que só por si nos deveria deixar a todos envergonhados, mas principalmente àqueles que de algum modo têm tido responsabilidades na governação dos destinos do país.
Quando se fala muito de pobreza lembro-me sempre de uma história dos tempos do PREC, suponho que em 1975, quando Otelo Saraiva de Carvalho foi visitar a Suécia, na altura tida como um farol do desenvolvimento e de justiça social. Em reunião com o Primeiro-Ministro Olof Palme, Otelo ter-lhe-á dito que ia acabar com os ricos em Portugal, ao que Palme terá retorquido que eles na Suécia, queriam acabar com os pobres.
Curiosamente, nesta simples troca de palavras reside ainda hoje a explicação de muito do que se passa em Portugal quando ouvimos grande parte dos nossos responsáveis políticos. Na verdade, o caminho para erradicação da pobreza passa por criar riqueza, para que depois possa ser distribuída. O que depende da evolução positiva de economia (isto é, do conjunto das empresas) em relação com os outros países, desde logo na União Europeia em que nos inserimos, mas também no resto do mundo, hoje globalizado.
E a nossa trajectória não tem sido famosa, muito pelo contrário. Desde logo, no que se refere à nossa produção. O nosso produto per capita (em unidades de poder de compra, para que se possam fazer comparações), desceu de 85% da média europeia em 2000 para 77% em 2022. Significou esta evolução uma queda de 6 lugares no ranking desde 2002 e de 3 lugares apenas nos últimos 6 anos: a lanterna vermelha já não está longe. De melhor aluno da UE passámos, em pouco tempo, para um dos piores. E outros indicadores ajudam a compreender melhor a situação. Desde logo a produtividade: na UE a 27, Portugal ocupa o 4º lugar a partir do pior, com uma taxa de produtividade do trabalho, por hora de trabalho de 64, para uma base 100 da UE. Como o problema da habitação se tornou novamente agudo 60 anos depois dos anos 60, constata-se que Portugal e Espanha, são dos países com mais baixa percentagem de casas públicas. Pior só mesmo a Lituânia enquanto, não surpreendentemente, os Países Baixos ocupam, de longe, o melhor lugar dessa lista. Outro sinal é-nos dado pela percentagem dos fundos comunitários no investimento público em que Portugal ocupa, de longe, o lugar cimeiro: 80% contra uma média europeia de 14%. Os sem-abrigo aumentaram 78% em Portugal, sendo hoje mais de dez mil.
Com toda esta evolução, o que seria de admirar era que a pobreza estivesse a diminuir em Portugal, quando o sucesso político é medido pela aproximação do ordenado mínimo obrigatório ao ordenado médio, levando mesmo esse ordenado mínimo a entrar na faixa dos que pagam IRS.
De acordo com o Relatório Anual “Portugal, Balanço Social 2022” da Nova School of Business Economics, “este ano, Portugal registou uma taxa de risco de pobreza superior à média da UE (16,8% vs. 18,4%)… Em 2020, a Bulgária é o país com maior taxa de risco de pobreza ou exclusão social (Portugal ocupa a 14.ªposição) e a Letónia é o país com maior taxa de risco de pobreza (Portugal ocupa a 18ª posição). A maior taxa de privação material e social é da Roménia (23,1%) e a menor da Finlândia (1,1%), ocupando Portugal a 6.ª posição, ex aequo com a Letónia.”
As consequências, todos nós as vemos diariamente. Em Portugal, se a percentagem de pessoas que têm dificuldade em lidar com as despesas usuais (56%) já é elevada, esse valor torna-se verdadeiramente aflitivo para os que estão em situação de pobreza: 80%. Como são quase dois milhões os portugueses que vivem com pouco mais de 500 euros por mês, percebe-se ainda melhor a situação que estamos a viver.
O Governo avança com um “Plano de Ação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2022-2025” com 270 medidas de combate à pobreza. Medidas essencialmente assistencialistas, bem vindas, e certamente necessárias e urgentes, perante a realidade que nos assola. Mas que não resolverão o problema de fundo e não nos devem levar a deixar de ver a situação na sua globalidade. A questão essencial é que estamos a ficar relativamente mais pobres. E a pobreza só se combate com a criação de riqueza. Como diria um antigo presidente americano em campanha eleitoral: «it´s the economy, stupid». Na verdade, para além de assistir em emergência àqueles em situação desesperada, há que criar condições para que a economia cresça, favorecendo o desenvolvimento das classes médias e a diminuição drástica do número de portugueses pobres ou em risco de pobreza.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 Outubro 2023
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