segunda-feira, 16 de abril de 2012

Saint-Saëns Cello Concerto No.1 Rostropovich.avi

POLÍTICA E TÉCNICA



As decisões políticas, designadamente sobre investimentos públicos, devem ter uma base de informação técnica que garanta, não só uma boa escolha entre opções possíveis, mas também a adequação da resposta ao problema que se pretende solucionar, de uma forma que seja sustentável.
Claro que, quando os decisores políticos mandam fazer obras, boa parte da decisão teve como base promessas eleitorais ou mesmo a vontade voluntária dos próprios políticos. Dessa forma, quem quer que levante dúvidas ou coloque questões é muitas vezes rotulado de “velho do restelo”, “bota-abaixista” ou outros mimos do género. Os decisores têm genericamente uma grande dificuldade em lidar com pareceres técnicos não favoráveis aos investimentos, razão que explica a extinção de muitos organismos da Administração Pública, no que constitui um dos erros crassos da nossa Democracia, particularmente nos últimos vinte anos. O exemplo mais acabado (entre muitos outros) foi a extinção da antiga Junta Autónoma de Estradas, que foi substituída por vários institutos, deitando-se ao lixo num ápice um precioso conhecimento técnico acumulado durante muitos anos. Em vez de engenheiros conhecedores de construção de estradas nos seus diversos aspectos, passou-se a ter quase só juristas e economistas, todos jovens sem experiência. Os políticos conseguiram o seu objectivo de decidir sem escolhos de pareceres dos engenheiros, com consequências graves que estamos todos a pagar. É público e notório o descalabro em que consistiu a extinção da Direcção Geral de Viação substituída por uma qualquer Autoridade toda modernaça e incompetente, sem os técnicos antigos, mas com muitos jovens licenciados noutras áreas incapazes de assegurar o que antes lá se fazia. Conseguiu-se mesmo extinguir o Conselho Superior de Obras Públicas e a Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, que tantos e tão relevantes serviços prestaram ao país enquanto existiram e que tanta falta fazem. Criou-se uma legislação tão complicada e abstrusa nas áreas do Urbanismo e da Contratação de Empreitadas, sempre com a desculpa de combater a corrupção que, quer os organismos públicos, quer as próprias empresas se veem obrigados a investir de forma absurda em pareceres jurídicos para satisfação das grandes empresas de advogados, sendo os próprios gabinetes jurídicos muito maiores e mais importantes que os gabinetes de engenheiros.
É assim que as principais decisões sobre obras como escolas, pavilhões, museus, centros culturais, etc. ficam nas mãos de decisores com notória falta de preparação para tal e que frequentemente nem experiência de vida têm, sem disporem de apoio técnico capaz e seguro. Como defesa, tomam quase sempre a mesma opção ao encomendar os projectos dessas obras, principalmente as que são importantes pela sua dimensão e, portanto, emblemáticas do período em que estão no poder. Escolhem um dos arquitectos de renome do regime e entregam-lhes os projectos, muitas vezes sem terem sequer um programa bem definido. Convencem-se que o nome do arquitecto garantirá por si a qualidade do projecto, com a vantagem acrescida de calar os críticos que se vergam à fama do projectista. Supõem ainda esses decisores que parte da aura do projectista se transferirá assim para eles próprios, por associação. Pela posição reverencial do Dono de Obra perante o projectista perde-se assim toda a capacidade crítica do projecto e muitas vezes só durante a construção, isto é, tarde e a más horas, os decisores percebem as consequências da falta de controlo sobre os projectos de arquitectura. As consequências todos nós as vemos à nossa volta, percebendo-se bem o espanto de muitos estrangeiros de países bem mais ricos do que nós, quando se deparam com obras faraónicas caríssimas desfasadas por completo da nossa realidade, quando o dinheiro gasto poderia ter servido muito mais eficientemente para promover a economia real e a nossa competitividade.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

TEMPO




A duração dos nossos dias é calculada em função da translação da Terra à volta do Sol, que demora 365,242199 dias a fazer-se.
O calendário gregoriano introduzido pelo papa Gregório XIII em 1582 veio substituir o calendário definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. A adopção dos anos bissextos veio corrigir este erro.
Mas a astronomia é muito mais complicada. Na realidade, a precessão dos equinócios devida ao facto de a Terra girar em torno do seu eixo como um pião leva a que o ano sideral medido em relação às estrelas dure ainda mais 20 minutos e 24 segundos. Só este pormenor deita por terra toda a “capacidade científica” da Maya e demais astrólogos.
Mais interessante ainda é o facto de o dia definido em cima ser o “dia médio”, porque os dias não têm todos a mesma duração. Como a Terra, na sua rotação à volta do Sol, segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com uma duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos capazes de resolver a equação do tempo no mostrador, como é o caso do Breguet aqui representado.

À MULHER DE CÉSAR…



As maiorias absolutas são necessárias para uma governação coerente dos países e Portugal não é excepção, existindo a alternância democrática para garantir o merecido castigo ou prémio dos governos. Mas a sua existência transmite um grau de exigência superior aos governantes e aos partidos que os suportam.
Não é preciso ir muito longe para encontrar as razões do que escrevo. O chamado “cavaquismo” correspondeu à primeira maioria absoluta de um partido em Portugal. Ainda hoje, tantos anos depois, existem casos de polícia e processos em tribunal com algumas das mais altas individualidades desse tempo, quer fossem governantes, que fossem altos responsáveis parlamentares, a provarem uma falta de qualidade pessoal que a todos nos espanta e revolta.
Do governo que foi substituído há menos de um ano persistem casos diversos, particularmente na área económica, mas não só que, ou me engano muito, ou vão ainda chocar muito boa gente nos próximos anos, mesmo entre muitos que ainda hoje manifestam uma grande admiração pela governação de José Sócrates.
Em qualquer um dos casos que apontei, foram notórios dois aspectos, que não têm a ver com as qualidades da governação em si, mas que tiveram grandes consequências políticas e sociais. Em primeiro lugar, um crescente distanciamento da realidade, que mais cedo ou mais tarde veio a ditar uma rejeição da sociedade, em particular do eleitorado. Em segundo lugar, uma evidente subserviência dos partidos aos governos que sustentam, que se traduz em incapacidade de crítica, em votações dignas de qualquer Bokassa e numa total submissão à vontade e opções de quem governa.
O último congresso do PS antes das eleições que ditaram o seu afastamento das responsabilidades governativas ficará para a História como o exemplo acabado do que acabo de dizer.
O recente congresso do PSD também fez por não desmerecer dessa tradição, com a agravante de ser o primeiro depois das eleições que o levaram ao governo. Depois de uma determinada votação, o presidente do partido foi à tribuna e explicou aos congressistas o “erro” que tinham acabado de cometer. Pois bem, o presidente da Mesa resolveu colocar o assunto de novo a votação, tendo o resultado sido o inverso do anterior. Toda a gente ficou mal na fotografia e é preciso dizê-lo alto e bom som, porque esse é o pior caminho que um partido de governo pode tomar e deve servir de sinal para que se possa arrepiar caminho e evitar o pior do passado. Relembro aqui que Sá Carneiro, num congresso realizado na década de setenta ainda antes da AD, se viu sozinho em toda a sala a não apoiar uma moção; só quando o viram sozinho a levantar a mão os congressistas caíram em si, tendo havido também a tentativa de realizar nova votação, o que Sá Carneiro não permitiu, em nome da dignidade do congresso e da sua mesa, dos congressistas e da própria democracia, se bem me lembro das suas palavras.
Como frequentemente escrevo nestas linhas, a História deveria ser nossa conselheira, se não para mostrar caminhos a seguir, pelo menos para ajudar a evitar aqueles que conduzem ao desastre anunciado. Por isso a memória, mesmo em política, ou sobretudo em política, é importante. E, se não avisamos os que apoiamos politicamente, calando o que deve ser dito, não cumprimos o nosso dever de cidadania e tornamo-nos coniventes com os erros que mais cedo ou mais tarde trazem sempre maus resultados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA



Churchill dizia que o regime democrático é o pior que há, exceptuando todos os outros. O regime saído do 25 de Abril constitui a primeira experiência democrática portuguesa credível e, por isso mesmo com uma duração que já vai em 38 anos, o que é de registar. A própria participação numa União Europeia para a qual se transferiram várias competências, antes tidas como soberanas, terá muito a ver com esta duração.
No entanto, sente-se no ar que o nosso sistema democrático chegou a um ponto de algum cansaço que acompanha um crescente distanciamento dos representantes políticos relativamente aos cidadãos em geral. Claro que para isso muito contribui um clima de descrença que é consequência da presente situação económica e da certeza de que a actual geração jovem será a primeira a conhecer uma situação económica mais difícil do que aquela que os seus pais conheceram, o que gera a má sensação de “andar para trás”.
As críticas relativas ao próprio Regime são ainda ténues e oriundas de sectores localizados, que provavelmente criticarão sempre o regime de representação democrática, quer ele funcione bem, quer não. Quem ainda acha que o regime anterior era melhor que este, afirma que os problemas económicos que sentimos hoje são consequência do próprio regime; outros que participaram ao mais alto nível no 25 de Abril afirmam que afinal não serviu para nada e que é preciso outro…
Mas as críticas aos políticos, essas são constantes e generalizadas, começando até a ser difícil defender este ou aquele responsável político como sendo sério e honesto, porque se caiu na generalização do “são todos iguais e só querem é servir-se”. Posição injusta, porque, em primeiro lugar a política é a actividade mais digna que existe, desde que persiga o seu fim primeiro que é a realização do “bem comum” e porque, em segundo lugar, a maioria daqueles que se dedicam a ela o fazem com honestidade e vontade séria de melhorar as condições dos seus concidadãos. Claro que notícia é o “homem que morde o cão” e não o inverso, pelo que os jornais todos os dias nos trazem notícias de poucas vergonhas de políticos. E ainda bem que as trazem, já que existem; mal é que haja a sensação de que a Justiça não age nestes casos com a eficácia que se desejaria.
Um dos problemas graves do nosso sistema político é a separação entre eleitos e a população em geral. É certo que os deputados e autarcas são eleitos por todos nós, como deve ser em Democracia. Mas quem os escolhe previamente? Os partidos políticos porque não há democracia sem os partidos; no entanto, por diversas razões, os partidos estão hoje demasiado dependentes dos respectivos aparelhos, pelo que as escolhas dos candidatos são tudo menos transparentes, equivalendo a perfeitas nomeações feitas com critérios que demasiadas vezes escapam ao interesse público e à capacidade pessoal para o exercício daquelas funções específicas.
Esta é uma das razões principais do descrédito dos políticos e reformar este sistema devia ser a primeira prioridade política para quem quer o melhor para Portugal e para a Democracia.
Felizmente começa finalmente a discutir-se a possibilidade de os principais partidos escolherem os seus candidatos a Deputados e a Autarcas através de um processo de eleições primárias por sufrágio directo dos militantes e mesmo simpatizantes, no qual todo e qualquer militante se pode propor, acabando-se com as aprovações caricatas de braço no ar de listas completas propostas pelas comissões políticas. É essencial e urgente seguir este caminho, único que pode cortar com o “amiguismo” e com as “negociatas” de grupos de pressão que tantas vezes impõem candidatos sem qualidade e sem capacidade de se afirmarem por si próprios.
Claro que a escolha por este processo não garante que os eleitos serão sérios e competentes; mas uma coisa garante: a ligação dos representantes aos representados que não poderão virar as costas e dizer que não tem nada a ver com aqueles. Já não é pouco.


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Abril de 2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

A HIDRA

A evolução trágica do estado da economia do País dos últimos anos revelada pela implacável caminhada dos diversos indicadores para o abismo (estagnação e contracção do produto, défice das contas públicas e endividamento exterior) foi acompanhada pelo crescimento de um monstro com diversas cabeças. Esse monstro foi crescendo à custa das famílias portuguesas que, de forma espantosamente mansa, foram deixando que lhes fossem aos bolsos de uma forma descarada, sempre sob a protecção de um Estado estranhamente conluiado com determinadas áreas económicas.
As telecomunicações foram uma dessas áreas económicas que, de forma inteiramente protegida foram crescendo à sombra do Estado que, a coberto da suposta defesa de “interesses de soberania” não fez mais do que tratar da vidinha dos accionistas dessas empresas. Relembro aqui o infame episódio da venda da “Vivo” no Brasil em que o nosso Estado apenas conseguiu exponenciar os dividendos pagos aos accionistas da PT no fim do ano, prescindindo até de os taxar. Os portugueses conhecem-nas bem: PT, MEO, ZON são uma cabeça monstruosa da hidra que cresceu através da exploração de bens não transaccionáveis a que nos dias de hoje não se pode fugir e que com toda a facilidade vendem conteúdos a preço de ouro, usando infra-estruturas construídas com os nossos impostos e que hoje pertencem a toda a gente menos ao Estado português. A energia é outra das cabeças da hidra. Hoje em dia toda a gente descobriu as famosas “rendas” da EDP, e ainda bem. Há anos que convido nestas páginas os meus leitores a olharem para a sua factura mensal de energia eléctrica, para terem consciência da reduzida parte que diz respeito à electricidade efectivamente consumida. O Estado andou durante anos, de forma inteiramente artificial, a fazer crescer um sector económico insustentável e apontando caminhos que ninguém sabe se serão os do futuro. Tudo isso à custa dos bolsos das famílias e empresas, construindo um emaranhado de contratos e garantias de compensação e fazendo crescer o valor e poder da EDP de tal forma que será muito difícil quebrar esta cabeça da hidra, como o descobriu recentemente um ex-secretário de Estado da Energia e como todos nós vamos percebendo de cada vez que Eduardo Catroga abre a boca. Outra cabeça da hidra é a das obras públicas insustentáveis que vão ser pagas por todos com juros altíssimos, vulgarmente conhecidas por parcerias público-privadas. Na semana passada o Tribunal de Contas parou uma dessas obras insustentáveis, o TGV. Espanta que a recusa do visto tenha surgido dois anos depois de um contrato ter sido assinado com um concessionário, contrato esse assinado à pressa e com cláusulas de compensação por danos de incumprimento absolutamente leoninas. O resto das parcerias público privadas rodoviárias continua aí a sangrar os nossos impostos, boa parte das estradas construídas com diminuta utilização e, mais uma vez, com gigantescos pedidos de compensações de perda de receitas. E continuamos a suportar o pagamento das portagens electrónicas das ex-scuts com procedimentos autorizados às concessionárias que até têm competências policiais e que de forma legal conseguem a proeza de transformar portagens de €3,5 em pagamentos de €205 após atrasos de pagamento de 16 dias.

Esta hidra monstruosa que a todos nós ataca nos bolsos foi criada e alimentada durante anos por quem nos governou. Nem as reguladoras escapam à suspeita de terem sido capturadas pelos regulados. Sem o monstro ser aniquilado, nem as famílias portuguesas podem aspirar a libertar-se da canga de impostos e taxas e mais taxas que as sufocam, nem a economia exportadora de bens efectivamente transacionáveis, que são os que interessam à nossa competitividade, consegue afirmar-se devidamente. A mitologia grega diz-nos que a Hidra de Lerna foi morta por Héracles no seu segundo trabalho. Mas também ensina que o veneno guardado da hidra veio muito mais tarde a provocar a morte do herói. Não esqueçamos o que nos vem a ser ensinado desde a Antiguidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Março de 2012