As maiorias absolutas são necessárias para uma governação coerente dos países e Portugal não é excepção, existindo a alternância democrática para garantir o merecido castigo ou prémio dos governos. Mas a sua existência transmite um grau de exigência superior aos governantes e aos partidos que os suportam.
Não é preciso ir muito longe para encontrar as razões do que escrevo. O chamado “cavaquismo” correspondeu à primeira maioria absoluta de um partido em Portugal. Ainda hoje, tantos anos depois, existem casos de polícia e processos em tribunal com algumas das mais altas individualidades desse tempo, quer fossem governantes, que fossem altos responsáveis parlamentares, a provarem uma falta de qualidade pessoal que a todos nos espanta e revolta.
Do governo que foi substituído há menos de um ano persistem casos diversos, particularmente na área económica, mas não só que, ou me engano muito, ou vão ainda chocar muito boa gente nos próximos anos, mesmo entre muitos que ainda hoje manifestam uma grande admiração pela governação de José Sócrates.
Em qualquer um dos casos que apontei, foram notórios dois aspectos, que não têm a ver com as qualidades da governação em si, mas que tiveram grandes consequências políticas e sociais. Em primeiro lugar, um crescente distanciamento da realidade, que mais cedo ou mais tarde veio a ditar uma rejeição da sociedade, em particular do eleitorado. Em segundo lugar, uma evidente subserviência dos partidos aos governos que sustentam, que se traduz em incapacidade de crítica, em votações dignas de qualquer Bokassa e numa total submissão à vontade e opções de quem governa.
O último congresso do PS antes das eleições que ditaram o seu afastamento das responsabilidades governativas ficará para a História como o exemplo acabado do que acabo de dizer.
O recente congresso do PSD também fez por não desmerecer dessa tradição, com a agravante de ser o primeiro depois das eleições que o levaram ao governo. Depois de uma determinada votação, o presidente do partido foi à tribuna e explicou aos congressistas o “erro” que tinham acabado de cometer. Pois bem, o presidente da Mesa resolveu colocar o assunto de novo a votação, tendo o resultado sido o inverso do anterior. Toda a gente ficou mal na fotografia e é preciso dizê-lo alto e bom som, porque esse é o pior caminho que um partido de governo pode tomar e deve servir de sinal para que se possa arrepiar caminho e evitar o pior do passado. Relembro aqui que Sá Carneiro, num congresso realizado na década de setenta ainda antes da AD, se viu sozinho em toda a sala a não apoiar uma moção; só quando o viram sozinho a levantar a mão os congressistas caíram em si, tendo havido também a tentativa de realizar nova votação, o que Sá Carneiro não permitiu, em nome da dignidade do congresso e da sua mesa, dos congressistas e da própria democracia, se bem me lembro das suas palavras.
Como frequentemente escrevo nestas linhas, a História deveria ser nossa conselheira, se não para mostrar caminhos a seguir, pelo menos para ajudar a evitar aqueles que conduzem ao desastre anunciado. Por isso a memória, mesmo em política, ou sobretudo em política, é importante. E, se não avisamos os que apoiamos politicamente, calando o que deve ser dito, não cumprimos o nosso dever de cidadania e tornamo-nos coniventes com os erros que mais cedo ou mais tarde trazem sempre maus resultados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Abril de 2012
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